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série turista 
transcendental, 2009-2024

Transcendental Tourist series, 2009-2024
    textos e captura de vídeo: Rosângela Rennó
texts and video shooting: Rosângela Rennó



Prática de Turismo Trancendental
No início do século 21 assistimos à hiperbolização de tudo que nos foi anunciado e vendido no século anterior: a obsolescência tecnológica, a velocidade da informação, as relações fugazes, a horizontalidade da trama do conhecimento, tudo conspirando contra o tempo do relógio, que parece ter encolhido ao impacto do tudo pela primeira vez.

Estamos sempre com pressa e, até quando viajamos a passeio, a pressa nos acompanha: o emprego do tempo deve ser otimizado e aquele que dedicamos a vivenciar a paisagem se torna demasiado curto, ainda que desejemos que essa interação seja duradoura e, com isso, profunda. Hoje podemos recorrer ao uso das mídias sociais para compartilhar as evidências de nossa inserção numa nova paisagem. Porém, o efeito resultante é sempre mais efêmero do que a própria experiência, seja ela restrita, ou não, à pura contemplação. A imagem turística é rapidamente substituída por outra, e mais outra, e mais outra, e raramente voltamos à primeira.

Há, entretanto, uma outra abordagem, menos frustrante: com algum treino é possível aguçar o olhar para enxergar através da paisagem local, para ultrapassar barreiras naturais, cruzar fronteiras, usufruir da trama da rede de informações que recobre o mundo sensível, e se transformar assim, em um/uma turista transcendental.

Ao viajar para um lugar, o/a turista transcendental invoca saberes e memórias — pessoais, emprestadas, ancestrais, enfim, de qualquer gênero que contamine ativamente a sua própria experiência, sem a expectativa de um objetivo a ser alcançado. É auspicioso agregar a uma paisagem dados e experiências pertinentes a outros povos e lugares, construindo pontes delicadas, multidirecionais, permitindo-se novas travessias mentais. Na teoria, se a mirada é prospectiva, isso funciona como se, ao contemplar e registrar o mar, ele/ela se preocupasse mais em demonstrar que aquela imensidão azul é a mesma que toca todas as praias do mundo. De maneira oposta e retrospectiva, seria como olhar para um seixo rolado tentando mapear, na sua superfície, todas as pedras espalhadas pelo mundo nascidas da mesma rocha. Na prática, o foco da câmera deve ser ao mesmo tempo preciso e difuso, enquanto a escrita lança os fundamentos do percurso cujos início e fim são menos importantes do que o meio. Porém, nada disso pode se converter em fórmula ou método: cada experiência é única e cada uma, um novo convite à imaginação de possibilidades, além do espectro do visível, muito além do mundo material.


Rosângela Rennó, 2016/2024
Trancendental Tourism Practices
The 19th century consolidated the romantic figure of the traveler, the individual who traveled because it was necessary. No matter the nature of this necessity, he/she seemed more concerned with the journey than the final destination. At no time did the traveler conform to the outlook of the tourist, the pure delight of the scenery, since he/she is strongly committed to recognizing his/her hosts’ culture and dedicates his/her life to this. After a certain amount of time — the main instrument of navigation and travel — he/she is able to achieve a level of integration with the scenery that he/she no longer sees it; he/she is totally dissolved in it.

The tourist, in turn, is the individual who travels for pleasure, moved mainly by a curiosity to see new landscapes — places, individuals, cultures — but never really involving with them. In the 20th century, we learned from him/her to view the scenery through a camera’s lens, and to appreciate it afterwards, at home. As such, the tourist collects images of the places he/she’s visited, and they serve as proof, both of his/her displacement throughout the world, as well as the awareness that he/she belongs to one determined landscape, place and culture. Most of the time, he/she is not interested in understanding the culture of the other, but when he/she returns, he/she recognizes and reaffirms his/her own, by contrast.

Subject to many possible definitions, the early 21st century is marked by velocity, by technological obsolescence, by fleeting relationships, by the horizontal nature of the knowledge network. When we travel, the time we dedicate to enjoying the scenery is excessively short and should be optimized, especially for those of us who seek a real integration with the landscape. With a certain amount of training it’s possible to sharpen the gaze in order to see through the local landscape, transcending natural barriers, crossing borders, making use of the fabric of the data network which coats the physical world, transforming oneself into a transcendental tourist.

The transcendental tourist is thus someone who, whenever travelling, brings the memory of another place along with him/her. In theory, his/her gaze is prospective; it works as if, when contemplating the ocean, he/she is more concerned with demonstrating that the blue vastness is the same one to touch all the other continents. In an opposite and retrospective manner, it would be like looking at a tumbling pebble trying to survey all the stones scattered all over the world throughout that were born from the same rock. In practice, by documenting an exotic landscape, he/she is able to allegorically gather info pertinent to other peoples and places, as if constructing delicate, multidirectional bridges between them, allowing for new passages and amalgamating all this to his/her own notion of landscape. The focus of his/her video camera is at the same time precise and blurred and it invites all to imagine experiences that go far beyond the material world.


Rosângela Rennó, 2016


outros textos

other texts


os três reinos 
de Nasca, 2011-2024 

The three kingdoms of Nasca, 2011-2024 
    video monocanal (1920 x 1080, cor/som, 30’) e adesivo vinílico
    captura de video: GoPro II (Nasca) e Felipe Carvalho (tatuagem)
    tatuagem: Daniel Tucci
    edição de video e áudio: Isabel Escobar


    single-channel video (1920 x 1080, colour/sound. 30’) and vinyl adhesive 
    video shooting: GoPro II (Nasca) and Felipe Carvalho (tattoo)
    tattoo: Daniel Tucci
    video and audio editing: Isabel Escobar


    No deserto de Nasca, nunca chove, não há vento e, aparentemente, nada que não pertença ao reino mineral. Entretanto, em algum momento remoto essa paisagem não deveria ser assim. Não se sabe ao certo como surgiram ou como foram realizados e até mesmo por que, mas os misteriosos geóglifos, sulcados na superfície seca da região do povo Nasca, existem há no mínimo mil e quinhentos anos. É como se, com perfeição cirúrgica, um formão gigante tivesse retirado as pedras escuras e exposto a camada inferior de uma epiderme, mais clara. A magnitude desses geóglifos só poderia ser percebida por seres gigantes, percorrendo toda aquela aridez a passos largos. A nós, seres vivos normais, de estatura mediana, ainda que num suposto topo da hierarquia do reino animal, só nos é possível apreciar as incisões monumentais se pudermos sobrevoar essa ampla pele mineral.

    A câmera instalada na asa direita da avioneta monomotora nos acompanhou durante o sobrevoo, do qual vi uma sucessão espetacular de linhas e mais linhas impecavelmente retas, paralelas ou se entrecruzando e desenhos de círculos e espirais perfeitas, e também um colibri, um condor, um lagarto, um macaco com rabo espiralado, uma aranha, um cão, peixes e pássaros diversos, lhamas e conchas. Definitivamente, era como se uma certa seleção do reino animal tivesse sido tatuada, escarificada na pálida pele do deserto, da mesma cor da minha pele.

    Foi impossível registrar com precisão aqueles desenhos: o olho da câmera não funciona como o olho da memória. Surpreendentemente, entre os geóglifos estava a representação de uma árvore; um único exemplar do reino vegetal, seco, porém soberano em sua existência isolada e improvável. Me veio o súbito desejo de trazer de volta, comigo, o deserto. Mas como? Se eu tatuasse, em mim, a miniatura daquela árvore, eu reuniria na minha pele os três reinos de Nasca: o mineral, o animal e o vegetal. Condensando todo o mistério e o improvável, carregaria, comigo, todo o deserto. Então, onze anos após aquele sobrevoo, a caneta do tatuador desenhou um traço único que, à distância, não pude percorrer. Como um mantra, o som do motor da avioneta se misturou ao som do motor da caneta do tatuador.


    Rosângela Rennó, 2011/2024
    In the Nasca desert, it never rains, there’s no wind and, apparently, nothing that doesn’t belong to the mineral kingdom. However, at some remote time this landscape was not supposed to be like this. It’s not known for sure how they came about or how they were made or even why, but the mysterious geoglyphs, carved into the dry surface of the Nasca region, have existed for at least fifteen hundred years. It’s as if, with surgical perfection, a giant chisel had removed the dark stones and exposed the lower layer of a lighter epidermis. The magnitude of these geoglyphs could only have been perceived by giant beings, striding across the arid terrain. We, normal living beings of average height, even though we are supposedly at the top of the hierarchy of the animal kingdom, can only appreciate the monumental incisions if we can fly over this broad mineral skin.

    The camera installed on the right wing of the single-engine plane accompanied us during the flight over, from which I saw a spectacular succession of lines and more lines that were impeccably straight, parallel or intersecting and drawings of perfect circles and spirals, as well as a hummingbird, a condor, a lizard, a monkey with a spiral tail, a spider, a dog, various fish and birds, llamas and shells. It was definitely as if a certain selection of the animal kingdom had been tattooed, scarified on the pale desert skin, the same color as my own. 

    It was impossible to accurately record those drawings: the eye of the camera doesn't work like the eye of memory. Surprisingly, among the geoglyphs was the representation of a tree; a single specimen of the plant kingdom, dry but sovereign in its isolated and improbable existence. A sudden desire came over me to bring the desert back with me. But how? If I tattooed the miniature of that tree on myself, I would bring together on my skin the three kingdoms of Nasca: the mineral, the animal and the plant. Condensing all the mystery and the improbable, I would carry the whole desert with me. Then, eleven years after that flight, the tattoo artist’s pen drew a unique line that, from a distance, I couldn’t trace. Like a mantra, the sound of the plane’s engine blended with the sound of the tattoo artist’s pen.


    Rosângela Rennó, 2024


    método básico de assovio Gomero-Tupi, 2014-2016 

    Basic Method of Gomero-Tupi Whistling, 2014-2016
    video monocanal (1920 x 1080, cor/som, 50’) e adesivo vinílico
    assovio gomero captado em Las Palmas, Gran Canário: Oliver Escuela Hernandez
    captura de som e assistência geral: Auguste Trichet
    edição de video e áudio: Isabel Escobar
    revisão e locução em Tupi antigo: Eduardo de Almeida Navarro

    single-channel video (1920 x 1080, colour/sound. 50’) and vinyl adhesive
    Gomero whistling recorded in Las Palmas, Gran Canaria: Oliver Escuela Hernandez
    sound recording and general assistance: Auguste Trichet
    video and audio editing: Isabel Escobar
    proofreading and colonial Tupi narration: Eduardo de Almeida Navarro


    Muito pouco se sabe sobre as etnias que outrora viveram nas sete ilhas Canárias, sobretudo suas respectivas culturas e línguas, antes da sua posse pelos espanhóis no século 14. Restou pouco mais do que uma coleção de nomes próprios de guerreiros escravizados, alguns relatos sobre feitos heroicos e sobre linhagens de nobreza, e alguns milhares de crânios guanches expostos nas vitrines do antigo museu de antropologia que, hoje, mais do que nunca, serve para demonstrar a mão pesada do conquistador. Entretanto, o mais improvável aconteceu, superando todas as adversidades; uma única língua, cuja transmissão é estritamente oral, não só resistiu ao invasor mas também se adaptou a ele: o silbo gomero – linguagem assobiada, hoje empregada apenas pelos habitantes de La Gomera e considerada patrimônio oral e imaterial da humanidade.

    Um homem nascido na ilha de Tenerife, obviamente de origem espanhola, cruzou o oceano com os jesuítas portugueses para tornar-se sábio e santo no Brasil: José de Anchieta. Ao contrário de seus compatriotas, o santo aprendeu a respeitar os aborígenes e, aplicando os fundamentos da enculturação, terminou por escrever a Arte de gramática da lingoa mais usada na costa do Brasil. Sua intenção sempre foi a de catequizar os tupis, mas terminou por fazer muito mais, já que os defendeu dos abusos dos colonizadores portugueses. Durante os meses em que foi mantido refém entre os tamoios, o santo concebeu o Poema à Virgem mas não pode transcrevê-lo imediatamente por falta de meios. Podia então ser visto na praia escrevendo e reescrevendo na areia os mais de 5.000 versos do poema. Consta, também, que teria levitado entre os índios que, apavorados, pensaram que o santo era um feiticeiro. Teria sido um transe? O tupi antigo foi salvo por ações singulares de indivíduos como Anchieta e sua derivação nheengatu – língua boa – ainda hoje falada como uma espécie de língua geral amazônica. E se naquele transe o santo tivesse ouvido o silbo gomero de sua terra natal e tratasse de ensiná-lo aos tupis?


    Rosângela Rennó, 2016
    Very little is known of the indigenous who once lived on the seven Canary Islands, before the Spanish took control of them in the 14th century. Little remained aside from a collection of names of enslaved warriors, a few reports of heroic feats and noble lineages, and a few thousand skulls exhibited in the display cases of the old anthropology museum, which today, more than ever, serves to demonstrate the conqueror’s brutality. Still, the improbable did occur, overcoming all adversity; a single language, whose transmission is strictly oral, not only successfully resisted the invader but also adapted to him: the silbo gomero —the whistled language, today used only by the inhabitants of La Gomera and considered an oral and intangible cultural heritage.

    A man born on the island of Tenerife, clearly of Spanish origin, crossed the ocean along with Portuguese Jesuits to become a wise saint in Brazil: José de Anchieta. Unlike his compatriots, the future saint learned to respect the indigenous peoples and, by applying the fundamentals of inculturation, later authored Arte da Gramática da Língua Mais Falada na Costa do Brasil. [“Grammar Art of the Most Spoken Language on the Coast of Brazil”]. His intention was always to catechize the Tupi, but he ended up accomplishing much more since he defended them against the abuses of Portuguese colonists. During the months in which he was held captive by the Tamoios, he conceived of the Poema à Virgem [“Poem to the Virgin”] but was unable to immediately transcribe it, as he had no pen and paper. He was seen on the beach writing and rewriting the poem's 5000 verses in the sand. It was also said that he levitated in the presence of the Indians who, terrified, thought him to be some kind of sorcerer. Could this have been a trance? And what if, in that trance, the future saint heard the silbo gomero of his homeland and endeavored to teach it to the Tupi?


    Rosângela Rennó, 2016


    esperando..., 2010 -2014 

    Waiting..., 2010 -2014
    video monocanal (720 x 480, cor/som, 64’14”) e adesivo vinílico
    edição de video e efeitos gráficos: Fernanda Bastos
    diálogo entre Fela Kuti e Tony Allen: Oswaldo Costa
    mixagem e masterização de som: SIRI
    trilha sonora de SIRI, a partir da transcodificação das letras de Fela Kuti e Tony Allen em linguagem Morse com buzinas
    editado e finalizado com o apoio da Cisneros Fontanals Art Foundation CIFO, Miami
    single-channel video (1920 x 1080, colour/sound. 50’) and vinyl adhesive
    sideo editing and motion graphics: Fernanda Bastos
    dialogue between Fela Kuti and Tony Allen: Oswaldo Costa
    sound mixing and mastering: SIRI
    soundtrack by SIRI, from the transcoding of lyrics by Fela Kuti and Tony Allen into Morse Code with car horns
    edited and finalized with the sponsorship of Cisneros Fontanals Art Foundation CIFO, Miami



    Gogô e Didi são dois carros estacionados numa rua qualquer de Lagos, a maior metrópole africana, assistindo ao longo desfilar de seres automóveis – humanos, animais e manufaturados –, de todos os tipos e tamanhos, diante de seus faróis. Eles usam o código Morse para se comunicar por meio de suas buzinas. Eles não sabem que estão sendo observados, nem que há alguém suficientemente perto para ouvi-los, capazes de compreendê-los e de transcodificar o que falam... Tal como Mr. Punch & Judy, esses dois velhos amigos matam o tempo se provocando, na esperança, talvez, de que alguém pare e preste atenção à sua contenda. Porém, a espera é inútil, pois há buzinas demais para que alguma delas faça algum sentido no caos urbano. Enquanto esperam, Gogô se espelha na “gentileza” de Tony Allen, e Didi encarna o “africano original” de Fela Kuti. Ambos parecem discordar dos estilos de vida adotados, um do outro, mas compartilham a mesma clarividência sobre a condição africana e um profundo desprezo pela herança de escravidão e colonialismo. A conversa entre eles, entretanto, não os leva a lugar nenhum. Gogô e Didi são Tony Allen e Fela Kuti mas também são Mr. Punch e Judy e também são Estragon e Vladimir. Toda e qualquer semelhança com os personagens criados por Samuel Beckett nunca foi mera coincidência.


    Rosângela Rennó, 2014
    Gogô and Didi are two cars parked on an unidentified street in Lagos, the biggest city in Africa, watching as a long parade of automotive beings — human, animal and manufactured —, of all types and sizes, passes by their headlights. They communicate by honking their horns in Morse Code.

    They don't know they're being watched, nor that there's anyone close enough to hear them, able to understand them and transcode what they're saying... Much like Punch & Judy, these two old friends spend their time teasing one another in hopes that someone will perhaps stop and pay attention to their dispute. Still, their wait is futile, since there is too much honking for anyone to make sense of it in the midst of the urban chaos. While they wait, Gogô mirrors the “kindness” of Tony Allen and Didi embodies Fela Kuti's “Africa man original”. Both seem to differ in lifestyle, but share the same clairvoyance on the African condition and a profound disdain for the heritage of slavery and colonialism. However, their conversation goes absolutely nowhere. Gogô and Didi are Tony Allen and Fela Kuti, as well as Punch and Judy and even Estragon and Vladimir. Any and every similarity to the characters created by Samuel Beckett was never a mere coincidence.


    Rosângela Rennó, 2014


    mundo da lua, 2013 

    The world of the moon, 2013 
    vídeo monocanal (1920 x 1080, pb/som, 18’32”) e adesivo vinílico
    edição de vídeo e áudio: Isabel Escobar

    single-channel video (1920 x 1080, b&w/sound. 18’32”) and vinyl adhesive  
    video and audio editing: Isabel Escobar



    Para aqueles que escolheram a Chapada dos Veadeiros para viver no “mundo da lua”, o amanhecer do dia 21 de dezembro de 2012 seria deslumbrante – arco-íris cruzando arco-íris – e os problemas só começariam depois do meio-dia. Uma transição planetária provocaria a inversão dos polos norte e sul. Embora vulcões entrassem em erupção e tsunamis devastassem tudo, na Terra, abaixo dos 1.000 metros de altitude, o poder energético de uma enorme placa de cristal de quartzo, sob seus pés, protegeria o local dessa profecia apocalíptica e parece justificar o boom imobiliário comemorado por alguns. Vários moradores passaram a cultivar a terra de maneira não agressiva, alegando estar servindo ao planeta. Outros empreenderam verdadeiras “faxinas no coração”, perdoando pessoas e se conectando com o universo. A simples ação de observar o entorno, da coisa mais próxima e prosaica à mais distante e improvável, seria o ponto de partida para a conexão cósmica. Observação – ação não menos fundamental do que respiração. Alguns buscavam os benefícios da meditação; outros, simplesmente, buscavam.  

    Contrariando as expectativas, inclusive de alienígenas que compartilhariam essas previsões, não houve sinais visíveis de transformações e o mundo e todos os seus habitantes parecem ter seguido seu curso natural. No Brasil, na altura do paralelo 14, no seio da Serra do Segredo, no ponto mais alto do planalto central, as corredeiras de águas transparentes do rio São Miguel continuam a modelar o vale da lua, como fazem há milhares e milhares de anos. Apesar da aparente normalidade, alguns seres humanos afirmam que foi dado início a uma grande mudança espiritual.


    Rosângela Rennó, 2013
    For those who chose Chapada dos Veadeiros to make their home in ‘the world of the moon,' daybreak on December 12, 2012 would be dazzling —rainbow crossing rainbow— and the trouble would only really get started after noon.

    A planetary transition provoked the inversion of the north and south poles. As volcanoes started erupting and tsunamis devastated everything on earth under an altitude of 1000 meters, the energetic power of an enormous quartz crystal plate, protected the locale from this apocalyptic prophecy, seeming to justify the real estate boom enjoyed by the few. Several residents began to cultivate their land in a non-aggressive manner, purporting to be serving the planet. Others truly 'cleaned out their hearts,' forgiving people and connecting with the universe. The simple action of observing the surroundings, from the most distant and improbable to the closest and most mundane, is the starting point for a cosmic connection. Observation — an action as fundamental as breathing. Some sought the benefits of meditation, others simply sought.

    Against all expectations, including those of the aliens who share in these predictions, there were no visible signs of transformation and the world and all its inhabitants seem to have followed their natural course. In Brazil, at the 14th parallel, in the bosom of the Serra do Segredo, at the highest point on the central plateau, the clear currents of the São Miguel River continue to mold the valley of the moon just as they have for thousands and thousands of years. Still, some humans claim that a great spiritual change has begun. You just didn’t notice.


    Rosângela Rennó, 2016


    eternidade a dois passos, 2013 - 2015

    Eternity at two steps, 2013 - 2015
    vídeo monocanal (1920 x 1080, cor/som, 07’07”) e adesivo vinílico
    edição de video e audio – Isabel Escobar

    single-channel video (1920 x 1080, color/sound. 07’07”) and vinyl adhesive 
    video and audio editing: Isabel Escobar


    As antigas escrituras Vedas contam que houve um momento na história do mundo em que deuses e demônios lutaram pela jarra – kumbh – onde se encontrava o néctar – amrit – da imortalidade. Durante a batalha pela posse da jarra, quatro gotas de amrit caíram na terra, cada uma em uma cidade: Allahabad, Haridwar, Nasik e Ujjain, no momento em que o planeta Júpiter entrava em Aquário e o Sol em Áries, posição que se repete a cada doze anos. O Kumbh Mela celebra esse acontecimento, alternando seu local de realização entre as quatro cidades até retornar, a cada doze anos, a Allahabad, a mais sagrada de todas, onde Brahma realizou seu primeiro sacrifício por ter criado o Universo.

    No dia 10 de fevereiro de 2013, éramos cerca de trinta milhões de indivíduos acampados nas imediações de Allahabad. A ocasião era o histórico Maha Kumbh Mela, momento tão mágico que só se repetirá no ano de 2157. A missão era uma só mas muito difícil: não sucumbir às ondas de seres humanos, indo e vindo na mesma direção, e alcançar a margem do Triveni Sangam, local de encontro dos rios sagrados Ganges, Yamuna e o mítico Saraswati para o Mauni Amavasya, o banho que nos limpa dos pecados cometidos nas últimas encarnações e purifica a nossa alma.

    Nada é fácil para quem quer chegar um pouco mais perto dos deuses. A iluminação e a eternidade dependem de muita perseverança para vencer os obstáculos naturais e humanos e muita fé para enxergar o paraíso além daquelas águas poluídas e escutar o chamado divino. A turista transcendental é treinada para isso; para ela tudo é possível, talvez até reverter o fluxo da vida, mesmo que simbolicamente. Ela é capaz de mergulhar nas águas turvas do triveni e emergir muitos quilômetros acima, aos pés do Himalaia, morada das almas dos deuses. Lá, onde as águas do rio Ganges, ainda verdes e límpidas, iniciam sua jornada rumo ao oceano, alimentando e abençoando milhões de indivíduos até diluir-se no todo, metáfora perfeita do fluxo lírico da humanidade.


    Rosângela Rennó, 2015
    The ancient writings known as the Vedas relate that there was a moment in the history of the world in which gods and demons fought for the pot —kumbh— which held the nectar —amrit— of immortality. During the battle for the possession of the pot, four drops of amrit fell to the earth, each one in a different city: Allahabad, Haridwar, Nasik and Ujjain at the moment in which the planet Jupiter entered Aquarius and the Sun entered Aries, a position that repeats every 12 years. The Kumbh Mela celebrates this event, alternating the locale where it is held among the four, before returning, once every 12 years, to the most sacred of the four cities, where Brahma offered his first sacrifice after creating the universe.

    On that day, there were about 30 millions of us camped on the outskirts of Allahabad. The occasion was the historic Maha Kumbh Mela, a moment so magical that it would only repeat in the year 2157. There was only one mission, though a very difficult one: to not succumb to the waves of human beings, coming and going in the same direction, and to reach the banks of the Triveni Sangam —the secret meeting place of the Ganges, the Yamuna and the mythical Saraswati River, for a bath that would cleanse us of the sins committed in past lives and purify our souls. But getting closer to the gods isn’t easy; illumination and eternity require plenty of faith in order to envision paradise beyond those polluted waters and hear the divine calling. But the transcendental tourist is capable of immersing oneself in the muddy waters of triveni and emerging symbolically many kilometers away, at the foot of the Himalayas, the residence of the gods' souls. There, where the waters of the Ganges, still green and clean, begin their journey toward the ocean, feeding and blessing millions of individuals before becoming diluted in the whole, is a perfect metaphor for the lyrical flow of humanity.


    Rosângela Rennó, 2016


    mi mo, kokoro mo, 2012 

    Mi mo, kokoro mo, 2012 
    vídeo monocanal (1920 x 1080, cor/som, 18’) e adesivo vinílico  
    edição de video e áudio: Isabel Escobar
    trilha sonora de Siri, baseada na melodia do hino da Internacional Comunista

    single-channel video (1920 x 1080, color/sound. 18’) and vinyl adhesive
    video and audio editing: Isabel Escobar
    soundtrack by Siri, based on the melody of “The Internationale”



    A mais meridional das capitais sul-americanas não resiste ao tempo. Simplesmente o acompanha, sem pressa pelo “novo”, transformando-se lentamente, sem se desesperar pelo metal que não brilha mais, pelo néon que não acende, pelo estilo que se tornou anacrônico. O que poderia ser resultado de uma melancolia mal resolvida pós-repressão – que teria envenenado a incrível vocação revolucionária daquele povo – torna-se um gesto político e faz com que o tempo se ajuste aos desígnios e desejos da cidade e seus habitantes. Austeridade e sabedoria.

    Em Montevidéu, além das encardidas paredes do Museo Blanes, um verdadeiro tesouro se esconde no fundo do terreno: um surpreendente jardim japonês, essência da natureza condensada em 2.000 metros quadrados. Em torno das aleias meditativas em forma de “infinito”, nenhum elemento fundamental foi esquecido – pedra, bambu, água, flores, carpas, lanterna de pedra, a “ponte de deus”, a “casa de chá”, o desenho na areia branca – e nenhum deles é supérfluo.  Austeridade e equilíbrio.

    Um dia, percorrendo as trilhas da internet, deparei-me com as mais lindas interpretações da Internacional: um solo de violão de Daisuke Suzuki, executado no fim do filme Mi mo kokoro mo (de Haruhiko Arai, 1997) e seus primeiros acordes reproduzidos em uma simples caixinha de música. A cada vez que a corda acaba, recomeçamos o percurso em busca de um ideal. Repetir repetir – até ficar diferente, diria o poeta Manoel de Barros. Cuerpo sí corazón también, dizem os montevideanos. Eles estão certos. Austeridade pero sin perder la ternura jamás.


    Rosângela Rennó, 2012
    The southernmost capital in South America does not resist time. It simply accompanies it, with no hurry for 'the new,' slowly transforming itself, without giving up hope for the metal that no longer shines, for the neon that no longer glows, for the style that has turned anachronistic. What could be the result of an unresolved post-dictatorship melancholy — which may have poisoned this people's incredible vocation for revolution — becomes a political gesture, making it so time adjusts to the plans and desires of the city and its inhabitants. Austerity and wisdom.

    In Montevideo, beyond the dingy walls of the Museo Blanes, a veritable treasure is hidden behind the building: a surprising Japanese garden, the essence of nature condensed into 2000 square meters. Surrounding the meditative paths that trace the symbol for ‘infinity,’ no fundamental elements have been left out —stone, bamboo, water, flowers, carp, the stone lantern, the ‘bridge of god,’ the ‘teahouse,’ the drawing in the white sand— and not one of them is superfluous. Austerity and equilibrium.

    One day, while riding the rails of the internet, I came across a beautiful rendition of the Internacional: an acoustic guitar instrumental played in the Haruhiko Arai film entitled Mi mo kokoro mo, which translates as “body yes, heart too.” The Montevideans are right. Austerity pero sin perder la ternura jamás [“but without ever losing tenderness”].


    Rosângela Rennó, 2016


    yanğyin bosphoros, 2011-2012

    Yanğyin bosphoros, 2011-2012 
    vídeo monocanal (1920x1080, cor/som, 61’) e adesivo vinílico 
    edição de vídeo e áudio: Isabel Escobar
    áudio mixado a partir de composições instrumentais otomanas, dos séculos XVII, XVIII e XIX

    single-channel video (1920 x 1080, color/sound. 61’) and vinyl adhesive 
    video and audio editing: Isabel Escobar
    audio mixed from Otoman instrumental compositions, from 17th, 18th and 19th centuries



    A distância entre a Europa e a Ásia pode ser de apenas 700 metros no ponto mais estreito do estreito mais estreito do mundo. O Bósforo faz de Istambul – conhecida como a “porta da felicidade” – a única cidade, no mundo, com os pés em dois continentes e seus 31 quilômetros de extensão entre o mar de Mármara e o Negro são intensamente navegados por mais de 13 milhões de habitantes. O trânsito, a troca, a união e a dualidade parecem ter sido, desde tempos imemoriais, a marca de Istambul, como se percebe na música, na dança, na língua, no comércio, na vida profana e, por último mas não por menos, na religião.

    Da mesma maneira que yang e yin não são forças ou dualidades opostas, os dois lados do Bósforo – de desenho tão sinuoso quanto o interior do diagrama taijitu – são margens complementares, que interagem em um todo, maior. Porém, não está em questão, aqui, definir qual lado do Bósforo corresponderia melhor aos aspectos “escuro, lunar, passivo, frio, retraído, fraco” e, de maneira oposta, “iluminado, solar, ativo, quente, expansivo, forte”. Assim como as coisas se expandem e se contraem, a temperatura oscila entre o quente e o frio, o movimento das águas e das duas margens sobrepostas dá a sensação do movimento contínuo yinyang-yangyin, ao som da música otomana que alterna acordes ocidentais e orientais. A felicidade continua sempre do outro lado da porta.


    Rosângela Rennó, 2012
    The distance between Europe and Asia is just 700 meters at the narrowest point of the narrowest strait in the world. The Bosphorus makes Istanbul — known as the ‘port of happiness’ — the only city in the world to have one foot in each of the two continents and its 31-kilometer extension between the Sea of Marmara and the Black Sea is heavily navigated by the population of over 13 million. This transit, exchange, unity and duality seem to have been hallmarks of Istanbul since ancient times, as we can see in its music, dance, language, commerce, profane life and, last but not least, in its religion. In the same way that Yang and Yin are not opposing forces or dualities, the two sides of the Bosphorus — as sinuous in design as the interior of the Taijitu diagram — are complementary margins which interact within a larger whole. Still, it is not our place here to define which side of the Bosphorus best corresponds to the 'dark, lunar, passive, cold, withdrawn, weak' aspects or, in the opposite way, the 'bright, solar, active, hot, outgoing, strong' ones. Just as things expand and contract, the temperature fluctuates between hot and cold, the movement of the waters and the two juxtaposed margins give the sensation of a continuous yinyang-yangyin movement to the sound of Ottoman music that alternates between Eastern and Western chords. Happiness continues forever on the other side of the door.


    Rosângela Rennó, 2016


    kundalini freedom, 2009-2011

      Kundalini Freedom, 2009-2011 
    vídeo monocanal (1920 x 1080, cor/som, 11’29”) e adesivo vinílico
    edição de vídeo: Isabel Escobar
    trilha sonora e edição de áudio: Siri

    single-channel video (1920 x 1080, color/sound. 11’29”) and vinyl adhesive
    video editing: Isabel Escobar
    audio mixing: Siri



    Kundalini deriva de uma palavra em sânscrito que significa “serpente espiralada” e define a energia cósmica que, se despertada, pode transitar entre os diferentes chacras do nosso corpo físico, partindo do primeiro, onde mora, situado próximo à base da coluna e dos órgãos genitais. Se atingir o sétimo chacra, localizado no topo da cabeça, produz em nós uma profunda experiência mística, levando-nos à paz interior e à realização divina.

    O interior da estátua da Liberdade, em Nova York, esteve fechado ao público por muito tempo desde os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, quando as torres gêmeas do World Trade Center foram destruídas. O acesso à cabeça da estátua voltou a ser autorizado, de forma controlada, limitado a poucas pessoas por dia e mediante reserva, oito anos depois. A subida até o topo se dá por uma escada em aço inox reluzente, em formato helicoidal, idêntica à representação gráfica da energia Kundalini.

    O percurso de 335 degraus, por dentro da estátua da Liberdade, de sua base até a coroa, foi gravado com uma pequena câmera de vídeo na mão. Em Kundalini freedom, a imagem do vídeo foi editada e colorizada conforme as cores atribuídas aos chacras, do primeiro ao sétimo, na seguinte ordem: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, violeta e rosa. Quando atingimos o topo da cabeça da estátua, a paisagem vista através das janelas, localizadas na coroa, não tem foco. Perdeu toda e qualquer importância, como o indivíduo se liberta do mundo exterior no momento da realização espiritual. A imagem se desfaz, do rosa ao mais puro branco.


    Rosângela Rennó, 2011
    Kundalini is derived from a Sanskrit word that means ‘coiled serpent’ and defines the cosmic energy which, when awakened, can transit between the different chakras of our physical body, starting with the first one, situated near the base of the spine and genitals. If it reaches the seventh chakra, located at the top of the head, it produces a profound mystical experience, leading us to inner peace and divine realization.

    The interior of the Statue of Liberty in New York City was closed to the public long after the terrorist attacks of September 11, 2001, when the twin towers of the World Trade Center were destroyed. Access to the crown of the statue was only allowed again eight years later, and in a controlled manner, limited to a handful of people per day who were required to make reservations in advance. The crown is reached via a shiny stainless-steel staircase shaped like a helicoid, identical to the graphic representation of Kundalini energy.

    The 335-step journey inside the Statue of Liberty from its base up to the crown was recorded with a small, handheld camera. In Kundalini freedom, the image of the video was edited and colorized according to the colors attributed to the chakras, from the first to the seventh in the following order: red, orange, yellow, green, blue, violet and pink. When we reach the top of the statue's head, the scenery viewed through the windows of the crown is out of focus. It has lost any and all importance, like the individual freed from the outside world at the moment of spiritual realization. The image dissolves, from pink to the purest white.


    Rosângela Rennó, 2016


    Uyuni Sutra, 2008-2011 

    Uyuni Sutra, 2008-2011
    vídeo monocanal (1920 x 1080, cor/som, 21’10”) e adesivo vinílico
    edição de vídeo e áudio: Isabel Escobar
    animação em after effects: Lilian Gorini 

    single-channel video (1920 x 1080, color/sound. 21’10”) and vinyl adhesive 
    video and audio editing: Isabel Escobar
    motion graphics: Lilian Gorini



    Sutra, em sânscrito, significa, literalmente, “uma linha que mantém coisas unidas”; entretanto, também se refere a um aforisma formado por uma sucessão de conceitos específicos os quais, se unidos numa sequência linear específica, geram um saber filosófico ou moral.

    Durante os 22 minutos que levei, de carro, da margem do Salar do Uyuni até a Ilha Incahuasi, tentei manter a linha do horizonte que separa o sal do céu em posição horizontal e central, na tela de LCD da câmera, enquanto gravava a sua imagem em vídeo. Exercício muito difícil, que demanda concentração e firmeza de propósito. Percebi que para manter minhas mãos firmes e a imagem perfeita, eu deveria acalmar minha mente, esvaziá-la, interrompendo o fluxo do pensamento, como se ela pudesse se tornar “um lago sereno, sem ondas”, como se imitasse o futuro da imagem do salar. Assim é meditar, um exercício igualmente muito difícil.

    No vídeo, o que se vê, além da paisagem aparentemente imutável, é o surgimento repentino e intermitente de uma linha guia verde aplicada sobre a linha do horizonte, em todos os momentos em que a câmera a capta exatamente no centro da tela e perfeitamente a zero grau. Um sutra que transforma o horizonte numa linha vertical. O Uyuni sutra é mais forte quando há o equilíbrio perfeito entre as duas metades da imagem: a da direita, ocupada pelo céu aparentemente imóvel, e a da esquerda, pela planície do sal, que se move constantemente. Opostos unidos, harmonizados, apaziguados.


    Rosângela Rennó, 2011
    In Sanskrit, Sutra literally means ‘a line which maintains things united’; however, it also refers to an aphorism formed by a succession of specific concepts which, when united in a specific linear sequence, generate philosophical or moral wisdom.

    During the 22 minutes it took me to drive from the edge of the Uyuni salt flats to the Incahuasi island, I tried to keep the line of the horizon which separates the salt of the sky in a horizontal and central position on the LCD screen of the camera while recording its image on video. An extremely difficult exercise that required concentration and a firm commitment. I realized that to keep my hands steady and the image perfect, I needed to calm my mind, to empty it, interrupting the flow of thought, trying to make it ‘a serene lake, with no waves,’ as if imitating the future of the image of the salt flats. This is what meditation, an equally difficult exercise, is like. At moments of success, the sutra – a green line – emerges over the perfectly vertical horizon. Uyuni sutra is stronger when there is a perfect balance between the image's two halves: the right occupied by the apparently still sky and the left occupied by the flatness of the salt, which is constantly escapes us. Opposites united, harmonized, appeased.  


    Rosângela Rennó, 2016