título do trabalho
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espelhos pensantes, 1990-2021

thinking mirrors, 1990-2021
espelhos e textos pintados
70 x 70 x 12 cm


mirrors and painted texts
70 x 70 x 12 cm

#MeToo, 2021
© Filipe Berndt
I too am untranslatable, 2021
© Filipe Berndt
MITO, 2021
© Filipe Berndt
Não é nada disso que você está pensando, 2021
© Filipe Berndt
Sou vasto.... contenho multidões, 2021
© Filipe Berndt

Certos princípios da física sempre me intrigaram, desde a adolescência: o da camera obscura e as leis da reflexão através dos espelhos, principalmente os côncavos, capazes de produzir tanto imagens virtuais quanto reais. A especularidade faz parte do vocabulário da fotografia, além de povoar de espectros e fantasmagorias o nosso imaginário, como fez com a Alice, que atravessou o espelho e levou Lewis Carroll a nos contar o que ela encontrou lá. O mundo do espelho se parece muito com o real, mas com erros de tradução: a direita se converte em esquerda e vice-versa, mas é quando tudo fica de cabeça para baixo que assistimos a um xeque-mate no mundo real.

Em 1990 decidi inserir algumas frases em espelhos e, assim, colocar o espectador em diálogo com seu duplo. ‘Não é nada disso que você está pensando’ é aquela expressão que todos conhecemos, usada normalmente por alguém que foi flagrado fazendo algo que não devia, para dizer que as ‘aparências enganam’, ou seja, não acredite no espelho. A segunda frase saiu de um verso do colossal poema de Walt Whitman, ‘Song of Myself’; ‘I too am untranslatable’ escrito de forma espelhada poderia ser a resposta dada pelo indivíduo do espelho, quando confrontado pelo seu par imperfeito. Esse segundo espelho fez parte de uma exposição em homenagem ao poeta, inaugurada na Biblioteca Pública de Belo Horizonte, no mesmo ano. Dos três espelhos produzidos na época apenas um sobreviveu e a série foi interrompida, talvez por acumulada falta de sorte.

Em 2020, no início da pandemia, Bob Dylan lançou um álbum interrompendo um jejum de mais de sete anos e o título da primeira canção era outro verso do mesmo poema de Whitman: ‘I contain multitudes’. Achei que seria interessante usá-lo também na retomada da série de espelhos que pensam, depois de 30 anos. Nesse novo diálogo com o mundo virtual e sua expansão exponencial, as palavras de ordem ooTeM# e OTIW são opostos perfeitos, especulares na forma, conteúdo e significado. Jamais poderiam ficar de fora de ambos os mundos.


Rosângela Rennó, 2021