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projeto terra de José Ninguém, 2021 projeto eaux des colonies, 2020-2021
good apples | bad apples, 2019-2023
lanterna mágica, 2012
Río-Montevideo, 2011/2016
corpo extranho africano, 2011
per fumum, 2010-2011
menos-valia [leilão], 2010
matéria de poesia, 2008-2013
febre do sertão, 2008
a última foto, 2006
apagamentos, 2004-2005
experiência de cinema, 2004
corpo da alma, 2003-2009
bibliotheca, 2002
espelho diário, 2001
série vermelha (militares), 2000-2003
cartologia, 2000
vera cruz, 2000
parede cega, 1998-2000
vulgo/texto, 1998
vulgo, 1997-2003
cerimônia do adeus, 1997/2003
cicatriz, 1996/2023
paisagem de casamento, 1996
hipocampo, 1995/1998
círculos viciosos (472 casamentos cubanos), 1995
imemorial, 1994
atentado ao poder, 1992
a bela e a fera, 1992
duas lições de realismo fantástico, 1991/2015
as diferentes idades da mulher, 1991
obituários, 1991
paz armada, 1990/2021
anti-cinema, 1989
Pequena ecologia da imagem: um glossário em construção
Little Ecology of the Image: a glossary under construction Uma chuva de palavras cai sobre a folha de papel e vai se acumulando em poças: elegia, espectro, espelho, espetáculo, e também memória, mentira, monumento, morte, museu. As palavras parecem derreter entre as imagens - imprecisas, apagadas -, e já não dizem nada, já não mostram nada. Liquefeitas nesse barro primordial, imagens e palavras juntam seus resíduos, fundem seus fluidos para alcançar o que resta de sentido, o que não naufragou na interminável deriva.
Neste ano de 2021 da era cristã, andamos extraviados como andaram outrora os nossos ancestrais nas pradarias do sul, nas savanas tropicais, nas tundras ou nos altiplanos, fugindo da peste. O improvável aconteceu e, antes de termos celebrado alguma pequena utopia, sentimos que todas as distopias foram se fazendo realidade entre nós. Uma dentro da outra, como caixas chinesas que nunca terminamos de abrir. Uma dentro da outra, infinitamente.
Pequena ecologia da imagem é como um jogo de caixas chinesas, que vem se desdobrando através do tempo. Percorremos a exposição. Abrimos as tampas das caixas, e sempre aparece, no fundo, fechada, outra caixa, minúscula.
Tiro a tampa da caixa, escolho uma imagem, uma palavra, costuro uma glosa. As imagens permanecem durante um segundo, as glosas, como fotografias num álbum, navegam, para dar, ao mesmo tempo, conta da parte e do todo. Assim, recortei textos mais antigos, enlacei-os com novas reflexões, busquei empréstimos, roubei algumas citações e acabei por criar uma ordem imperfeita que pode ser modificada a qualquer momento. As glosas entraram e saíram, umas voltaram, descartei outras, algumas se modificaram.
Um glossário costuma ser uma espécie de dicionário que, anexado à obra, explica termos pouco conhecidos, arcaicos, peregrinos. Neste glossário incompleto, no final de cada verbete sugere-se outro, porém, pode ele ser lido em outras ordens que não a alfabética. Qualquer ordem é possível e, provavelmente, melhor.
AMNÉSIA
Amnésia, não apenas esquecimento. Amnésia: perda de memória, total ou parcial. O termo médico aponta para um apagamento dos sentidos. Esquece-se de que alguma coisa foi esquecida. Amnésia social, amnésia coletiva, como definiu Heinrich Böll a relação da Alemanha do pós-guerra com seu passado nazista.
Os romances de Böll escritos entre 1950 e 1960 examinam os esforços da Alemanha para criar uma nova identidade enquanto exorcizava os demônios de seu passado nazista. Impiedosa- mente, o autor desvela a amnésia social, a cegueira moral, a ganância e a indiferença pelos valores de uma sociedade que abraça o materialismo como único meio de esquecer seu passado.
Na atualidade, a amnésia histórica e colonial não parece corresponder somente à vontade psicológica de deslegitimar novos migrantes que chegam de países arrasados; também é institucionalizada nos lugares de memória, que excluem a integração dolorosa dos imigrantes da periferia americana, europeia ou asiática e apagam as relações coloniais e neocoloniais entre os países que os recebem e os territórios de origem.
Mas sempre restam as fotografias. Se alguma coisa foi irremediavelmente perdida, ainda restam as fotos que testemunham o esquecimento, mas não resgatam a memória. As fotos esquecidas - os restos de um álbum de família, as fotos identificatórias abandonadas, os arquivos penais, os fotogramas cortados na edição do filme - podem ser resgatadas como provas da amnésia social.
Ver Memória
ARQUIVO
Muitos artistas contemporâneos apropriaram-se, reconfiguraram, interpreta- ram, interrogaram ou criaram arquivos tomados pelo princípio totalizador e obsessivo que os rege. A forma do arquivo (factual ou inventada) sugere a relação profunda e complexa que a arte de hoje mantém com o trauma, a memória, a identidade e o tempo.
ARCHIVE, MAL D' [MAL DE ARQUIVO] Em Mal de arquivo (1995), Jacques Derrida se propõe a distinguir o arquivo daquilo a que foi reduzido: a experiência da memória e o retorno à origem, o arcaico e o arqueológico, a lembrança ou a escavação. Resumindo: a busca do tempo perdido. (1)
O arquivo guarda em si o princípio nomológico do arkhé: o princípio e o mandato. A origem de acordo com a natureza ou a história: o lugar onde as coisas começam. O lugar onde os homens ou os deuses mandam, onde a ordem é dada. Arkheîon é a casa dos arcontes, os que conservam, organizam e interpretam os arquivos.
Todo arquivo pressupõe inscrições, marcas e impressões, assim como a decodificação das primeiras, e o armazenamento e a preservação das últimas. Todo arquivo pressupõe, também, um lugar de consignação - um lugar de reunião dos signos - e uma técnica de repetição.
Jorge Luis Borges lamenta “agregar à Infinita série um símbolo a mais”; (2) Sigmund Freud, no Mal-estar da civilização (1929), inquieta-se, por gastar prensa, impressão, tinta e papel, por mobilizar uma pesada máquina arquivística, para contar histórias que todo mundo conhece. Disse Jacques Derrida3 que a sentença retórica captatio benevolentiae permite a Freud introduzir o conceito de pulsão de morte: uma pulsão agressiva e muda - sempre em silêncio e, portanto, não arquivável -, que está a destruir o arquivo antes mesmo de tê-lo produzido.
A censura e o recalque trabalham para destruir o arquivo. Pulsões de morte precipitam o arquivo no olvido, na amnésia, na aniquilação da memória, na erradicação da verdade. Um mal radical parece estar agindo desde sempre no trabalho de custódia e interpretação dos arquivos, e na relação que mantemos com eles, nos modos de lembrar, memorizar e monumentalizar, na necessidade de registrar tudo, sem resto, sem perda. Porque o arquivo não será jamais a memória nem a anamnese em sua experiência espontânea, viva e interior: “[o] arquivo tem lugar em (o) lugar do desfalecimento originário e estrutural dessa memória”. (4)
ARQUIVO UNIVERSAL/ RENNÓ, ROSÂNGELA
Desde 1992, Rosângela Rennó seleciona material e organiza o Arquivo Universal, constituído por textos de jornais que narram “histórias ordinárias sobre gente e fotografia”. (5) Da coluna social à página policial, o Arquivo Universal compõe-se de textos em que a imagem fotográfica se torna prova, fetiche, objeto de desejo, lembrança, testemunho. No acervo textual do Arquivo Universal, as imagens fotográficas estão nomeadas ou descritas. Assim, é um arquivo de imagens sem imagens.
Ontem, na casa de M., o funcionário levou meia hora com perguntas do tipo: Quanto ganham as pessoas que vivem aqui? Que igreja frequentam? Que língua falam? Tem banheiro na casa? M., de 25 anos, lembra-se de que, na última vez, ele e sua família foram recenseados por avião. Sem exageros. Na época do regime racista, o número de habitantes do distrito negro era conhecido somente por meio de fotografias aéreas: contavam-se as casas e multiplicava-se o seu total por quatro, número presumível de membros de uma família.
O Arquivo Universal é um arquivo virtual no qual os textos são incluídos depois de serem lapidados pela eliminação de nomes, lugares e datas. Um arquivo de imagens escritas, no qual a identidade dos sujeitos é mutilada e substituída pela maiúscula do nome seguida do ponto. A indeterminação do sujeito reforça e acentua uma falsa objetividade. O anonimato da situação é também a chancela da sua extensão. No Arquivo Universal, todos somos assassinos, todos somos cúmplices, mas todos, também, somos vítimas.
A artista lida com o texto da mesma maneira que o faz com uma foto. O texto determina uma potência imagética maior que a da fotografia, imersa no fluxo constante de visualidades. Os relatos do Arquivo Universal - histórias ordinárias sobre gente e fotografia - são irrelevantes, falidos, fragmentários. Como a nossa memória, o Arquivo prolifera a partir dessas irrelevâncias, dessas falhas, desses fragmentos.
ARQUIVOS/FOSTER, HAL
Em “Arquivos da arte moderna”, (6) Hal Foster usa o conceito de arquivo de Michel Foucault. Arquivo, então, será “o sistema que rege o aparecimento dos enunciados”, (7) mas, diferentemente de Foucault, Foster põe esses arquivos em relação dialética. Sua intenção é esboçar as mudanças significativas, acontecidas na primeira metade do século XX nas relações arquivísticas dominantes entre a prática de arte, o museu de arte e a história da arte no ocidente: a “estrutura mnemônica” produzida por essas três instâncias ao longo do período.
Para isso, cria três pares dialéticos: Charles Baudelaire (1821-1867) e Édouard Manet (1832-1883), Heinrich Wölfflin (1864-1945) e Aby Warburg (1866-1929), André Malraux (1901-1976) e Walter Benjamin (1892-1940). Esse último par nos interessa, pois, enquanto Benjamin vê a ruína definitiva do museu (do arquivo) provocada pela aparição da fotografia, Malraux propõe sua expansão infinita, também posta em movimento pela reprodução mecânica. O museu imaginário - museu sem paredes na tradução inglesa -de Malraux consegue reunir os fragmentos estilhaçados da tradição, numa metatradição, cujo assunto seria a família do homem. Nesse arquivo - o livro de arte ilustrado com fotografias As vozes do silêncio (1951) - um resto da aura persiste por meio da insistente vida de certas formas que emergem uma e outra vez, como espectros do passado. À catástrofe anunciada por Benjamin, Malraux opõe um sistema de continuidades global, que transformará o caos das imagens em ordem arquivística ou museológica.
Anos mais tarde, Foster (8) já não se apropria do conceito freudiano, mas fala de arquivos materiais. Ele detecta, na arte moderna, uma tendência ao uso de arquivos que parece ter seu início no período da pré-guerra - os photofiles de Alexander Rodchenko (1891-1956) ou as fotomontagens de John Heartfield (1891-1968) - e que toma força no pós-guerra quando imagens apropriadas e formatos seriais adquirem a força de uma linguagem.
Foster depara-se com trabalhos obscuros, realizados num espaço de reconhecimento alternativo ou de contramemória, que propõem novas ordens de associação afetiva, parcial e provisória, mesmo se isso registra a dificuldade ou o absurdo de fazê-lo.
Os arquivos privados questionam os públicos, pois eles podem ser vistos como ordens perversas que procuram perturbar a ordem simbólica.
Quiçá a dimensão paranoica da arte dos arquivos seja o outro lado de sua ambição utópica, seu desejo de transformar o atraso em começo, recuperar as visões falidas da arte, literatura, filosofia e vida quotidiana em cenários possíveis de tipos alternativos de relações sociais, transformar o não lugar do arquivo no não lugar da utopia. (9)
Este movimento que desloca o artista dos lugares de escavação(o artista como etnógrafo) para a construção de lugares de conservação (o artista como arquivista) é bem-vindo já que parece sugerir uma mudança na cultura melancólica que vê o histórico como traumático. Ou pior, numa cultura que cultiva o trauma como marco de origem de um triunfalismo imperialista.
Ver Museu
ASSASSINATO
Toda foto é a prova de um crime. Todo crime exige uma fotografia. Ou muitas. Em 1993, Rennó se propôs a acompanhar, durante um dia, a equipe do editorial de polícia do jornal Estado de Minas e, junto com os jornalistas, foi aos locais dos crimes, como se fosse uma fotógrafa forense. Evaporação de sentido (1993-94) [pp. 70-71] é o resultado dessa ação. A artista registrou locais do delito e conexos: as ruas, a delegacia, o corredor da delegacia, os policiais, a casa humilde, bem como a carteira de trabalho da vítima, o corpo coberto por folhas de jornais abandonado na margem da Lagoa da Pampulha, o rosto em decomposição do cadáver, as moscas.
As fotos são, sem dúvida, menos importantes que o fato de tê-las feito.
Muitos anos depois, em Apagamento (2004-05), Rosângela visita quatro cenas de crimes. Mas as fotos eram de outrem. A versão para exibição se organiza em mesas ou caixas de luz sobre as quais as fotografias forenses recortadas e montadas em molduras de slides focalizam detalhes, incongruências e falhas da investigação.
Separada das outras pelas molduras, cada foto exibe um pormenor de cada assassinato, uma peça do quebra-cabeça que a artista monta e que poderia ter sido montado para a investigação. De alguma maneira, a cuidadosa apresentação ortogonal mitiga a violência. As imagens da imprensa e da televisão nos ensinaram a ver essas fotos, esparsas sobre a mesa do investigador ou fincadas organizadamente sobre um quadro de cortiça.
Na suprema desordem da morte, as imagens dos assassinatos encontrarão repouso nas pastas em que se arquivarão as provas dos crimes resolvidos ou não. Em Apagamentos, (10) um pequeno livro em forma de sanfona, exibem-se as quatro séries de fotos dos quatro assassinatos.
No livro, nem a claridade do objeto impresso, nem a palidez fugidia das fotografias logra abafar o barulho ensurdecedor, o escândalo dos crimes. E, mesmo se olhamos para elas com a mirada inquisitiva do detetive, buscando pistas, procurando inconsistências, a silenciosa brutalidade dessas imagens nos aturde e nos dói.
Ver Identidade
COLABORAÇÃO
Não fotografar, apenas refotografar ou se apropriar das imagens dos outros. Roubar, pedir, encomendar. Um trabalho em colaboração exige a presença dos outros: se eu não fotografo, necessito que alguém o faça, então peço, encomendo, sugiro, busco a imagem que quero.
Em A última foto (2006), Rosângela pede colaborações para tecer uma possível elegia à antiga fotografia. Cada um dos colaboradores produziu uma imagem com uma câmera analógica cuja lente foi, logo depois, vedada (a última foto). Todas as fotos deveriam ter o mesmo referente: o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. Dessa maneira, além de discutir - mais uma vez - o futuro da imagem fotográfica, a artista chama atenção para a questão da disputa pelos direitos de imagem, equivocada- mente reivindicados pelos herdeiros do autor do rosto e das mãos do Cristo.
Anos depois, Rennó coletou na internet um punhado de retratos que acompanhavam ofertas de matrimônio feitas por homens moradores da cidade de Carrazeda de Ansiães, Portugal. Depois de ampliados, os retratos foram enviados aos fotopintores do Cariri, mestres Abom, Demontier, Jean e Cícero, de Juazeiro do Norte, e mestre Júlio dos Santos, de Fortaleza, para que cada um deles colorizasse as imagens com pastel seco ou a óleo. Em Carrazeda+Cariri (2009) embelezaram-se os retratos dos homens de Carrazeda; os artistas nordestinos pintaram roupas elegantes, cabelos bem alinhados, definiram os vagos traços dos rostos. Esses retratos fotográficos pintados são o canto do cisne de uma produção artesanal que representa nosso afeto pelas imagens e expõe o eterno dilema entre quem somos e quem gostaríamos de ser.
Tantos colaboradores, tantos parceiros para criar uma elegia que nos obriga a avaliar perdas e ganhos, a repassar, nem que seja mentalmente, nosso pequeno museu fotográfico, aquele que muitos de nós guardamos no fundo do armário, numa gaveta esquecida ou, talvez, na estante da biblioteca.
Ver Elegia
COLEÇÃO/COLECIONADOR
A frase enigmática “Animais (pássaros, formigas), crianças e velhos como colecionadores”, localizada no arquivo “H 4a, 2” das Passagens de Walter Benjamin, parece sugerir certo biologismo, um impulso primordial de colecionar, o que já tinha sido desmentido pelo autor. Porque, para Benjamin - ele mesmo colecionador -, cada simples objeto dentro da coleção é tão pleno de sentidos que se transforma numa soma enciclopédica do conhecimento de sua época. (11)
O colecionador é um ser que mantém uma relação muito misteriosa com os objetos dos quais não prioriza a serventia, “mas que os estuda e os ama como o palco, como o cenário de seu destino”. (12) Intérpretes do acaso, os colecionadores olham por entre as coisas para um passado remoto e retêm o poder de se apossar de algo sem valor e de transformá-lo numa peça valiosa, pelo menos para eles. Essa operação lhes possibilitaria desvelar o significado secreto dos objetos. Colecionar, desse ponto de vista, seria uma forma de exercer a memória prática e ativa e a mais convincente das manifestações profanas de proximidade e presença. (13)
Porque cada objeto adquirido é ligado a um lugar e a uma data, toda coleção é também um diário, um diário de viagens, mas também um diário de sentimentos e de estados de ânimo, dessa obscura mania que nos leva a organizar o fluir da vida por meio de uma série de objetos que tentamos resgatar do esquecimento. (14)
Rosângela Rennó é uma colecionadora: acumula e organiza as sobras da cultura - fotogramas descartados, arquivos de fotógrafos populares, arquivos penitenciários, álbuns de família esquecidos, lembranças de viagens extraviadas, notícias irrelevantes da crônica social ou policial. A obscura pulsão que a obriga a reunir e reorganizar múltiplas coleções - de álbuns, de fotos, de textos - parece obedecer à necessidade de deter o fluir da própria vida e das próprias imagens, e recolhê-lo numa série de momentos arrebatados à dispersão no comum esquecimento ou à dissolução na amnésia social.
Ver Fotografia
ECOLOGIA
A palavra “ecologia” foi criada em 1869 pelo cientista alemão Ernst Haeckel (1834-1919), usando os radicais gregos oikos (casa) e logos (conhecimento). Haeckel necessitava um termo que desse nome à ciência que estudaria como os fatores abióticos (umidade, temperatura, entre outros) interagem com os fatores bióticos (relação entre a grande diversidade de seres vivos que se encontram num mesmo habitat).
Em meados da década de 1980, Andreas Müller-Pohle (1951) reflete sobre os rumos da produção fotográfica da época. Em “Estratégias de informação”,15 o crítico substitui a noção de beleza pela de informação. Assim, a tarefa do auteur comocrítico seria “reciclar ou revitalizar informação recebida”,16 o que Müller- -Pohle denomina de “ecologia da informação”. Neste caso, o crítico parece utilizar o termo ecologia como sinônimo de sustentabilidade, já que propõe reintegrar a informação residual no ciclo de comunicação.
Ver Restos
ELEGIA
En Orihuela, su pueblo y el mío, se me ha muerto como del rayo Ramón Sijé, con quien tanto quería. (17)
Assim começa o poema Elegia, (18) que Miguel Hernandez escreveu para seu amigo Ramon Sijé.
O verso contém, pelo menos, duas estranhezas. A primeira é o uso reflexivo do verbo morrer, “se me morreu”, usado na linguagem popular como um intensificador. A outra é “com quem tanto queria” e, mesmo que algumas versões corrijam o “com” pelo esperado “a”, é nele que reside todo o pathos do verso. Tantas coisas queríamos (juntos) com todos os que se foram antes de nós.
Pequena ecologia da imagem põe ante nós, em imagens ou em palavras que evocam imagens, como o faz uma elegia, os corpos e as almas dos que queriam conosco.
Uma despedida, um lamento poético e melancólico por todos e por tudo o que perdemos. E perdemos muito: amigos, amantes, familiares, lugares, objetos; perdemos também a própria fotografia que já não tem o suporte discreto de um papel ou o breve de uma cartolina, que é apenas um punhado de luz vulgar em um dispositivo vulgar; perdemos até as câmeras, os quartos escuros, as luzes vermelhas, o acre perfume dos químicos. Também perderemos a imagem especular, a da simples foto de identidade, a imagem de nós mesmos, quando formos todos identificados pelas impressões digitais, pela íris, pelo DNA, ou pela detecção de falta de empatia com as perguntas feitas no teste Voight- -Kampff, aquele que Rick Deckard aplica no filme Blade Runner (1982)...
Ver Colaboração
ESPELHOS
Jorge Luis Borges:
Descobrimos (na noite alta esta descoberta é inevitável) que os espelhos têm algo de monstruoso. Então Bioy Casares recordou que um dos heresiarcas de Uqbar declarara que os espelhos e a cópula são abomináveis, porque multiplicam o número dos homens. (19)
Ver Imago
FOTOGRAFIA
A fotografia não tem como função representar o real nem mesmo fazer acreditar nele, mas designar e, sobretudo, pôr em ordem o visual. Uma ordem que está além do verdadeiro e do falso, mas que é a transmissão da ordem visual dos nossos dias.
No início da fotografia, começa a “busca pelo outro”. Um outro que é sempre objeto de estudo ou objeto a ser possuído: o estrangeiro, o exótico, mas também o depositário ou transmissor de um déficit de origem, de uma doença, de uma tara, de uma propensão ao delito... Mais tarde, fotógrafos engajados em reformas sociais pretenderam dar visibilidade ao outro social: o miserável, o excluído, o rejeitado.
A fotografia, que sempre quis elaborar um inventário do mundo, confunde-se agora em práticas híbridas que atravessam os campos da arte e da literatura contemporânea. Baste falar do trabalho de escritores como Winfried Sebald (1944-2001) e Paul Auster (1947), ou de artistas como Gerhard Richter (1932), Hans Peter Feldmann (1941), Christian Boltanski (1944-2021), Sophie Calle (1953), ou Rosângela Rennó (1962). Nesses trabalhos, as imagens fotográficas ou os textos não sobrevivem como provas nem como constatações; estão lá, mas apontam para um além desse lugar e desse tempo no qual se materializam ou se atualizam.
FOTÓGRAFO-FOTOGRAFADO
Provavelmente, para os primeiros fotógrafos - de Alphonse Bertillon (1853-1914) a Robert Frank (1924- 2019) -, os sujeitos fotografados eram considerados objetos. Porém, na década de 1980, alguns fotógrafos sentiram a necessidade de introduzir, no processo fotográfico, uma troca entre fotógrafo e fotografado, com a finalidade de respeitar a autonomia das pessoas, sua liberdade. Assim, com o passar do tempo, muda não só a relação da fotografia com o mundo, mas também a questão da verdade, os critérios formais e até os usos. Outras posturas, outros procedimentos, outros territórios marginalizados ou proibidos emergem ou se manifestam por meio da imagem fotográfica.
A partir do final dos anos 1980, o declínio do valor documental da fotografia a liberou de certos recalques da sua concepção como registro e abriu campos para pensar na articulação do autor, do sujeito fotografado e do leitor, além das relações entre todos eles.
Nos anos 1990, esse processo foi se acentuando: assistimos então à queda do conceito de foto-documento e à aparição de uma nova categoria de sujeitos: as vítimas de um mundo fissurado, enclausurado, dividido, onde o outro deixa de ser um objeto para devir um sujeito, um ator, um companheiro, um colega, outro fotógrafo...
Hoje, a imagem desbordaria o momento do ato fotográfico e almejaria fotografar os estados transitórios das coisas ou das pessoas. A fotografia seria muito mais do que uma prova de existência material. Assim poderíamos dizer que, para Roland Barthes, a imagem representa um mundo preexistente e, nele, a fotografia, como máquina abstrata é uma forma consequente de representação, pelo contato direto que ela estabelece com o mundo, um encontro limitado exclusivamente a sua dimensão material. Nesse sentido, Barthes reduziria a fotografia ao documento e o documento à representação sensível, à designação. Essa postura não contempla as infinitas mediações entre as coisas e as imagens.
O isso foi barthesiano coloca a fotografia sob uma quádrupla autoridade: a da coisa - o referente aderido -, a de um passado considerado como um velho presente, a da representação e a das substâncias. Podemos postular uma fotografia que compreenda uma expressão, ou seja, uma fotografia que venha a incorporar a noção do evento. Uma fotografia que expresse o acontecimento, mas não o represente. Dessa maneira seria possível se deslocar da designação para a expressão, o que permitiria fazer a passagem de um mundo de corpos e de coisas a um mundo de acontecimentos incorpóreos, ou seja, da sociedade industrial à sociedade da informação.
Ariella Azoulay, em The civil contract of photography, propõe-se a escrever uma história da fotografia a partir de suas práticas e, para isso, centra-se no corpo político dos envolvidos no ato fotográfico e afasta as origens da história dos domínios da tecnologia. (20) A autora parte das condições de vida na Palestina, onde, ela nos diz, a catástrofe alterou suas aparências usuais para se tornar um evento que pode afetar a todos a qualquer momento: “Existir à beira da catástrofe significa estar exposto o tempo todo, sem alívio, a qualquer tipo de perdas e danos”. (21)
Quem faz a foto, disse Azoulay, “inicia a restauração das condições de visibilidade através da recons- trução dos quatro elementos da declaração fotográfica: enunciador, receptor, referente e significado”. (22)
Ninguém pode ser o autor de uma fotografia, afirma, porque a fotografia é uma ação plural, que envolve múltiplos agentes. Cada vez que alguém vê e explica uma fotografia, acrescenta sentidos, opera uma modificação; as enunciações se sobrepõem e se acumulam e cada uma delas transforma sua primeira configuração. Agora que os cidadãos em geral têm em suas mãos, o tempo todo, instrumentos capazes de registrar os horrores do mundo e compartilhá-los com os outros, agora que as fotos vão de mão em mão ou de tela em tela, as modificações dos espectadores parecem ser infinitas. Assim, a responsabilidade pelo que é fotografado e distribuído cresce e se partilha entre inúmeros agentes.
O encontro propiciado pela câmera fotográfica - as pessoas que coincidem no mesmo espaço e tempo, fotógrafos e fotografados - produz uma obra comum. Essa obra, porém, não pertence a todos os envolvidos, pois geralmente exclui os fotografados e obedece à vontade de poderes instituídos. (23) A imagem dos oprimidos - palestinos, favelados, vítimas de guerra ou de catástrofes naturais, assassinados, detidos - pertence sempre aos opressores.
Ver Espelhos
IDENTIDADE
A identidade sempre está em jogo, sempre em negociação, sempre à deriva. Tantas fotos de carteira de identidade. Para quê? Fora do documento não são nada para os outros, ou talvez sim, recordações para os amantes, para os amigos... Na parede, fotos de seres anônimos, sem rosto, desidentificados, e também textos que dizem de seres anônimos, sem nome, desidentificados.
Ver Testemunho
IMAGO
Ídolo, eidôlon em grego arcaico, designava a sombra intangível que sai do corpo do morto, tênue, mas ainda corpórea. Simulacrum, em latim, é o espectro, imago, de onde deriva imagem, também pertencente ao mundo dos mortos.
Imago era, na Roma antiga, a máscara de cera que reproduzia o rosto dos mortos, o duplo do ancestral exibido em cerimonias religiosas periódicas. Depois de fundir em gesso a máscara do cadáver, a imago era o positivo em cera policromada, que imitava um rosto vivo. No adro da casa, na galeria dos antepassados, a imago era venerada como um dos deuses familiares que protegiam a gens. Escultura indicial, carregava na sua substância os fluidos e as escaras de pele do falecido. Mais do que simples imagem, a imago era a imagem do morto amado e estava impregnada de afetos vitais.
A insistência de Rennó em trabalhar com retratos - Duas lições de realismo fantástico (1991), Carrazeda+Cariri (2009), O cidadão sem qualidade (1990/2020), Seres notáveis do mundo (2014-2021), e de família - série Vermelha (2000-2003), Pequena ecologia da imagem (1988), Corpo da alma (2003-2009) -, atravessa suportes e articulações e deixa desnudada a transparência da imagem fotográfica. Antes de serem objetos plenos de sentidos, obras de arte, preciosidades para colecionado- res, essas fotos foram somente retratos de identificação ou imagens vernaculares, serviam para apresentar às autoridades, mas também para levar na carteira, colar no álbum, mostrar aos amigos, beijar... o tempo as transformou em memórias, em relíquias, em imago.
Na série Seres notáveis do mundo (2019), criada para a edição especial de O coração das trevas, de Joseph Conrad, (24) Rennó apropria-se das imagens dos bustos de gesso que pertencem à coleção do El Museo Canário (Las Palmas de Gran Canaria, Espanha). Esses bustos tinham como objetivo representar as “distintas raças do globo”, foram feitos entre 1840 e 1870, e adquiridos em Paris até 1890, para integrar a Sala de Antropologia do museu. Muitos deles foram realizados a partir das máscaras mortuárias de pessoas que estão identificadas com seu nome e seu lugar de origem.
Imagos. Daqueles homens mortos, restaram apenas as máscaras que foram transformadas em bustos de gesso, para um gabinete positivista de antropologia, depois foram imagens fotográficas desses bustos e, finalmente, fantasmas, sombras, espectros nas páginas de um livro.
Ver Marginália
INVISIBILIDADE
Rennó gosta de velar as imagens até uma quase invisibilidade. Sumindo, solitário, com uma grande árvore atrás, um menino aparece na foto. Tudo é total, intensamente vermelho. Impossível precisar quem é esse menino. Dois textos, um em espanhol, outro em português, acompanham a imagem. A multiplicidade das linguagens e das línguas aponta para uma relativização dos sentidos. Inesperadamente, a convivência desses três textos - um visual, dois escritos -, num espaço homogêneo, corrói a legibi- lidade de cada um. Um deles mina o sentido do outro, e é impossível se fixar numa imagem (ou num texto). (25)
O vermelho intenso não deixa de remeter ao sangue, como o que flui, escuro, dos olhos da virgem na foto reproduzida na página do livro descrito no texto.
O menino claro não deixa de remeter à criança loira que a mulher cabocla oferecia ao turista. Como numa rede, duas mensagens diferenciadas se entrelaçam: fotografia imprecisa, referências textuais à fotografia.
A grande foto vermelha não se desvela ao olhar de uma vez só: devemos procurá-la, aguçando os sentidos. Os textos são lidos num continuum temporal. As fotografias não ilustram a escrita. A escrita não é legenda da foto. Nosso hábito cultural leva-nos a buscar uma legenda que não aparece (afinal, quem é esse menino?) e umas fotos que não existem (como ver a mulher que não se deixa fotografar? Como ver a virgem que chora na foto de um livro?). Aparentemente, não existe uma relação entre as duas categorias, mas, na arte, as conexões entre a linguagem e a imagem são infinitas.
Na série Vermelha (militares) (2000-2003, a autora prescinde do texto escrito, embora ele esteja ali em algum momento. Apenas fotos de homens e crianças vestindo uniformes militares, submersas, outra vez, num denso e obscuro vermelho. Não há necessidade de contextualizar nada, pois nesses seres quase invisíveis está inscrita a linhagem de uma violência que não cessa, uma linhagem à qual pertencemos. Acaso os álbuns de todas as nossas famílias não têm alguma imagem parecida com essas?
Ver Amnésia
LIVROS
Livros são, além de muitas outras coisas, ordenadores de temporalidade, dispositivos sequenciais. Os artistas visuais recorrem à forma livro porque desejam incluir nos seus trabalhos relatos, mas, sobretudo, tempo. O livro, como quer Lygia Pape, seria o lugar “onde uma linguagem não verbal determinaria uma narrativa verbal”, uma “estória que emergiria de sua própria estrutura, naturalmente”. (26)
Desde 1990, Rosângela Rennó cria livros híbridos, nos quais as narrativas verbais e não verbais se entrelaçam, se completam, se excluem.
2005-510117385-527 e A01[COD.19.1.1.43] - A27 [S|COD.23]28 não estão nesta mostra, mas flutuam e, às vezes, pousam sobre questões fundamentais da artista. Os dois livros abordam a fragilidade dos acervos em custódia nos repositórios nacionais. A partir da descoberta de uma quantidade de documentos históricos encontrados nas mãos de leiloeiros do mercado de antiguidades, constatou-se que haviam sido roubadas cerca de mil peças, quase todas pertencentes à Coleção D. Thereza Christina Maria, doada por D. Pedro II à Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro.
2005-510117385-5, que leva como título o número do inquérito policial instaurado para desvendar o furto, reproduz apenas o verso de cada uma das 101 fotografias recuperadas, em tamanho real, ordenadas segundo a data de sua reinserção no acervo da Divisão de Iconografia da Fundação Biblioteca Nacional. Fotografar o verso da fotografia é direcionar o olhar do espectador para o corpo desse objeto, convidá-lo a ver somente o objeto, para imaginar a imagem propriamente dita, que transparece sutilmente do outro lado.
A01 [cod.19.1.1.43] - A27 [s|cod.23] é a notação original dos álbuns da Coleção Pereira Passos do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, que foram vandalizados em 2006. O livro, de mesmo título, contém as reproduções do interior e do conteúdo de cada caixa, tal como foram encontrados após a constatação do furto: fotos cortadas, páginas arrancadas.
A artista considera, a partir da fala de Márcio Seligmann-Silva sobre o memoricídio (29) planejado e sistematicamente reiterado no Brasil, que esse memoricídio pode se estender até a fundação da nação, construída sobre a égide da “ignorância estrutural”. Um país que apaga seus documentos, sua história, seu passado...
Se entendermos os livros como antros ou criptas, espaços noturnos onde residem e se disseminam narrativas fundacionais, sensoriais, místicas, sagradas, podemos pensar esses de Rosângela como anarquivos, em que permanecem os vestígios daquilo que foi apagado.
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MARGINÁLIA
Às margens da corrente principal, crescem e se desenvolvem trabalhos nos quais predomina um impulso arquivístico e investigativo. Trabalhos que apenas têm contatos com a fotografia, mas que avançam por territórios quase ficcionais, nos quais as narrativas mestras ocultam outras narrativas, às vezes menores, mas sempre mais significativas. As origens da “água de colônia” navegam de uma colônia romana na Germânia às remotas colônias europeias nos outros continentes. A colonização dos perfumes, como a dos corpos, dos corações e das mentes, foi percorrendo as mesmas rotas e, muitas vezes, o conquistado modificou o conquistador. Eaux des colonies [Águas das colônias] (2020-2021) [pp. 112-15], demostra, de alguma maneira, o que resta (outra vez os restos) da fórmula original do elixir que depois foi transformado em fragrância delicada e, hoje, modificado pelo tempo e espaço, incorpora essências de todos os continentes, colonizados e colonizadores.
Em Terra de José Ninguém (2021), a artista recupera sequencias de diapositivos da década de 1970, digitalizadas e misturadas com imagens contemporâneas. O personagem da narrativa original, um “Zé Ninguém”, é um homem alienado e sem metas na vida, que se descobre um sujeito livre quando recupera sua própria identidade e se abre à participação na sociedade e ao amor pelos outros. Rennó inverte a sequência e perturba o relato; o seu “José Ninguém” torna-se um cidadão comum que está submergido numa inércia atemporal, da qual não pode se redimir nem ser redimido.
As múltiplas projeções mantêm as imagens fixas dos audiovisuais, que são, porém, retrabalhadas e superpostas a outras. O material preexistente, séries de slides que se projetavam acompa- nhadas de uma trilha sonora, tinha funções didáticas, o que aporta mais uma camada de significâncias: depois de cinquenta anos, tudo segue igual.
As obras à margem podem ser um vídeo no qual o som e a imagem desapareceram, como em Vera Cruz (2000), ou naquele em que uma mão desconhecida escreve na areia palavras em tupi enquanto outro alguém as sonoriza em silbo gomero: Método básico de assovio gomero-tupi (2014-2016). Ou ainda Círculo mágico (2014-2016), em que a artista outorga voz aos mudos objetos da coleção da Casa Museu Eva Klabin.
Ver Livros
MEMÓRIA
A cultura modernista foi impulsionada por utopias imaginadas a partir dos paradigmas da modernização, incluindo nelas as alegorias de purificação racial ou de classe que, mais tarde, desembocariam nos governos autoritários que executaram os genocídios e os massacres do século XX. Andreas Huyssen utiliza a noção de “passados presentes” para pensar num desloca- mento na experiência e na sensibilidade do tempo que se operaria a partir da década de 1980. Os passados presentes, talvez formações reativas à globalização, constituem-se por meio de uma musealização instantânea do espaço cultural mais amplo e apontam para um desejo impossível de recordação total. (30) O discurso da memória que se intensifica a partir dos anos 1980, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos, impulsionado midiaticamente pela série televisiva Holocausto (1979) e pelos “aniversários alemães”, (31) concretiza-se com a construção dos múltiplos museus e memoriais que hoje se criam no mundo ocidental.
Ver Monumento
MONUMENTO/CONTRAMONUMENTO
Uma das mais fascinantes respostas à questão essencial da memória é o surgimento dos contramonumentos: espaços memoriais insólitos, dolorosamente autoconscientes, concebidos para mudar as verdadeiras premissas de sua existência. Eticamente cientes de sua obrigação de lembrar, mas esteticamente céticos sobre o suportar as tradicionais formas memoriais, uma nova geração de artistas contemporâneos está testando os limites do fazer artístico e da verdadeira noção de memorial. Eles são herdeiros do legado de pós-guerra, uma profunda descrença das formas monumentais à luz de sua sistemática exploração pelos sistemas totalitários e um intenso desejo de se diferenciar dos assassinos da memória.
A lógica didática do monumento, sua rigidez demagógica, está perto demais dos traços que se associam com o fascismo. Um monumento contra o fascismo, então, deve ser um monumento contra si mesmo, contra a tradicional função didática dos monumentos, contra a tendência a deslocar o passado que eles queriam que contemplássemos; e, finalmente, contra a propensão autoritária da arte que reduz os espectadores a seres passivos.
Para artistas e escultores alemães como Jochen Gerz (1940) ou Horst Hoheisel (1944), a possibilidade de que a memória de eventos tão graves possa ser reduzida a exibições de virtuosismo público ou pathos vulgar permanece intolerável. Desdenhosamente, rejeitam as formas e as razões tradicionais para a arte pública memorial, esses espaços que consolam os espectadores e os redimem de eventos trágicos, ou perdoam de maneira fácil ou pretendem reparar a memória de pessoas assassinadas. No lugar de transformar a memória em consciência pública, eles temem que os memoriais convencionais afastem a memória de toda consciência. Temem que a força com que se constroem monumentos para que façam nosso trabalho de memória nos transforme em seres amnésicos. Acreditam que o impulso inicial para lembrar eventos tão terríveis possa realmente fazer surgir um desejo oposto e equivalente de esquecer.
Proponho-me a pensar quase toda a obra de Rosângela Rennó como uma espécie de contramonumento, desde o Imemorial, como ela denominou a instalação de 1994, que evoca os candangos que morreram durante a construção de Brasília. Como os operários mortos da Novacap, têm sido presenças constantes nas suas obras as pessoas comuns, sem qualidades: homens solteiros à procura de esposa, militares de baixa ou nenhuma patente, mães e pais que exibem as fotos dos seus filhos mortos ou desaparecidos, assassinados, multidões que exigem liberdades civis.
Afinal, o apelo à memória que impregna esta antologia não afeta somente a história da fotografia, seus dispositivos, suas práticas, seus protocolos, suas teorias; mas se constitui, sobretudo, como a memória recuperada da história dos fotografados, dos vencidos, dos postergados...
MONUMENTO/ICONOCLASTIA
A iconoclastia, a destruição das imagens, considerada como uma ação anacrônica nas sociedades cada vez mais secularizadas e multi-culturais do século XX, parece estar em pauta novamente. O mundo contemporâneo, submerso num fluxo ininterrupto de imagens, começou, paradoxalmente, a manifestar sintomas que nos levam a evocar debates longínquos. Antes dos atuais debates e destruição dos monumentos dedicados aos escravocratas e aos colonialistas, foram derrubados, em locais pontuais, monumentos a tiranos depostos, governantes em desgraça ou a representantes de ideologias abandonadas. Good Apples/ Bad Apples (2019) é uma reflexão sobre a efemeridade dos monumentos recentes, tomando como corpus as esculturas de Lenin, abundantes na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e eliminadas ou escondidas depois da queda.
Ver Arquivo
MUSEU
Nos séculos XVI e XVII, na Wunderkammer (câmara das maravilhas) - antecessora do museu -, acomodava-se uma multidão de objetos selecionados pela sua estranheza, seu exotismo ou sua beleza. No palácio do nobre ou na casa do burguês, em armários e estantes de requintada feitura, acumulavam-se espécimes - verdadeiras ou forjadas - das ciências naturais, relíquias históricas ou religiosas, objetos de arte e antiguidades. Microcosmo particular, a câmara das maravilhas funcionava também como um teatro da memória, em que os objetos mais díspares, bizarros e preciosos se reuniam para propiciar analogias, estimular comparações e dar lugar às narrativas fabulosas de um mundo que estava expandindo assombrosamente seus limites.
Em 1639, um viajante de Nuremberg enumera as maravilhas vistas na Arca de Tradescant ou Musaeum Tradescantianum, a coleção de John Tradescant, que hoje faz parte do Ashmolean Museum em Oxford:
A mão de uma sereia, a mão de uma múmia, uma mão de cera, muito natural, num balcão de vidro [...], uma pintura feita de penas, uma pequena peça de madeira da cruz do Cristo [...], imagens da igreja de Santa Sofia em Constantinopla copiadas por um judeu num livro [...], muitos sapatos e botas turcos e estrangeiros, um peixe-sapo, um casco de alce com três unhas, um osso humano de 42 libras, um instrumento usado pelos judeus na circuncisão, o manto do rei da Virgínia [...], um São Francisco de cera num balcão de vidro [...], um açoite que Carlos V teria usado para se flagelar. (32)
O vago e amplo mundo oferecia seus testemunhos materiais para que, com eles e a partir deles, começasse a se tecer o mar de histórias que nos fundamenta e que alguns chamamos de memória ou de história. Provas evidentes da existência de sereias e múmias, relíquias da crucifixão, vestígios de anomalias, animálias.
Toda mudança no espaço onde se desloca o significado implica sempre uma evaporação de sentido. Assim, cada vez que levamos para o museu um objeto de culto religioso ou de uso cotidiano, arrancamos dele sua essência: o transformamos em apenas “objeto de museu”. Fora do altar, do nicho ou da algibeira, sua única função é ser contemplado como resíduo ou ruína de um tempo mais ou menos distante. No museu, todos os contextos são apagados, talvez por isso seja recorrente a fantasia que faz as peças retornarem à vida cada vez que as portas são fechadas.
A função do museu seria, então, ressuscitar as memórias impregnadas em cada objeto de sua coleção: aquelas que se extinguiram porque estão ligadas a usos e costumes que já não existem, a culturas que não se propagam por meio de objetos materiais duradouros ou a culturas destruídas ou descuidadas.
Nossa comunidade necessita imperiosamente sentir o desejo de ir a um museu, de saber que esse museu pertence a ela, porque será lá que, como num espelho às avessas, poderá se contemplar como parte de um relato que o inclui. Um museu, enfim, que não seja o museu, ou que seja o museu porque não o é; um museu sempre por vir, que nunca chegue a ser: aberto aos museus possíveis, mas jamais concluído. Se tudo acaba pertencendo ao museu, que ele não seja a matriz de tudo, nem a mãe, nem o modelo; que não seja um templo, uma escola, uma prisão, um cemitério, que seja apenas um lugar de passagem, travessia aberta a todos, onde se possa lembrar, mas também esquecer.
Ver Ecologia
RESTOS
Nada parece tão longínquo quanto o tempo em que fomos jovens pela última vez. O refrão de uma velha canção dos anos 1980 dizia:
Raspas e restos me interessam. Pequenas poções de ilusão. Mentiras sinceras me interessam. (33)
Naqueles anos, entre as batidas do canhestro e sentimental rock nacional e a alegria dos corpos livres que dançavam, as palavras passaram despercebidas. Mas, de alguma maneira, expressavam muito bem o que nos esperava naqueles tempos da redemocratização. Foi exatamente isso: raspas, restos, pequenas poções de ilusão, mentiras (não muito) sinceras se espalhavam pelo texto da Lei da Anistia e deslizavam nos atos da então chamada Nova República.
Com essas raspas e restos, com os resíduos de saberes interrompidos, de imagens apagadas ou falsificadas, de processos abortados, de memórias inventadas, foi se fazendo nosso presente. Aquela ecologiada informação que, nesses mesmos anos 1980, preconizara Andreas Müller-Pohle, foi a forma de abrir caminhos num cenário devastado e cambiante. Os restos e as raspas foram o material com o qual os artistas articularam as obras do que primeiro chamou-se neo- e, posteriormente, pós-, e depois não teve mais nome.
Rennó colecionou e coleciona restos: imagens, palavras, relatos, processos, dispositivos obsoletos, aparatos inúteis, pontas de filmes, sobras de edição, frascos vazios de perfumes, as migalhas, a poeira e, com eles, desgrana, cuidadosamente, a espiga dos nossos dias.
Ver Coleção/Colecionador
TESTEMUNHO
Nesse mundo, em que a sociedade do espetáculo, prevista há mais de quarenta anos por Guy Debord, alcança a estatura de uma figura extrema, o que está em jogo é a separação da comunicabilidade numa esfera autônoma. Para Giorgio Agamben, na sociedade do espetáculo, a linguagem - visual, falada, escrita - não revela nada ou revela o nada de todas as coisas. Por isso todos os povos têm em comum a alienação do seu ser linguístico, desarraigados do habitat vivo da língua. (34)
Se, seguindo Agamben, mudamos a perspectiva de Michel Foucault e olhamos os enunciados do ponto de vista do ato de falar, observaremos la langue como potência de dizer e constataremos que a fotografia aparece como lugar de resistência dos sujeitos, como o lugar do testemunho. Do outro lado do arquivo, o testemunho existe “entre uma potência de dizer e sua existência, entre uma possibilidade e uma impossibilidade de dizer”. (35)
Mas o testemunho da fotografia é perturbador, só consegue exibir, dizer do seu trânsito.
Ver Invisibilidade
TUMBAS I
A primeira foto que apareceu nos jornais lembrava um detalhe do painel Juízo final (1431-1435), de Fra Angélico (1395-1455), que vi num livro de Georges Didi-Huberman. (36) No livro, a imagem está recortada de modo a excluir Cristo na sua mandorla, a borda de anjos, a Virgem, são Joao Batista, santos e apóstolos, bem-aventurados e condena- dos. Só vemos as lápides afastadas, as fileiras de túmulos vazios, a perspectiva que foge até a paisagem. A fotografia também exibe uma fuga de túmulos vazios, mas nela não há lápides. Apenas as covas retangulares cavadas na terra vermelha. Logo elas receberão os corpos das mortes anunciadas.
A imagem foi se repetindo, dia após dia, desde março de 2020. Mudava só a perspectiva, a paisagem, a extensão. Continua aparecendo agora, talvez com menos frequência.
Como quer Georges Didi-Huberman, ante essas covas vazias, pode se responder com uma denegação do cheio, “do fato de este volume diante de nós, estar [vir a estar] cheio de um ser semelhante a nós, mas morto”. (37)
A denegação do vazio, “um verdadeiro horror [...] do vazio: uma vontade de permanecer nas arestas discerníveis do volume”, (38) nos conduz à verdade rasa, a uma tautologia que nos protege do que sabemos, do final certeiro e fatal.
A memória escorregou das tumbas vazias do Brasil para as tumbas esvaziadas do Juízo final, da morte prevista pela pandemia para o juízo final. Do inelutável destino da pandemia ao imaginado destino final dos católicos. Túmulos vazios, enfim, costumam provocar um terror sagrado.
Mas, mesmo quando supomos as tumbas pacificamente fechadas, elas nos inquietam. O trabalho de Rosângela Rennó Paz armada (1990/2021) exibe e oculta o irremediável fluir das imagens e das palavras. São duas caixas de zinco, cujas tampas estão feitas de acrílico vermelho translúcido sobre as quais está gravado o nome do trabalho, acrescido das frases “o futuro da linguagem” e “o futuro da imagem”. Em cada uma das duas caixas está guardada a fotografia de um túmulo. Um deles é um obelisco em cuja base duas mãos se apertam num medalhão circular. No primeiro degrau está escrito FAMILLE. O outro túmulo é o da família Lefevre-Tournachon, nessa tumba está também Gaspard-Félix Tournachon, conhecido como Nadar, um dos mais famosos fotógrafos do século XIX. Qual será o futuro da imagem, qual será o da linguagem? Os túmulos, nas fotos, indicam-no claramente, porque uma não existiria sem a outra. Estratos de sentidos superpõem-se e se articulam: o texto gravado, a simbólica cor vermelha do acrílico, as fotos dos túmulos, as mãos enlaçadas, o fotógrafo ilustre, a palavra família. Junto a todas essas e muitas outras pistas, uma questão técnica desliza, descodificável só por aquele que lê a placa museográfica. Um suplemento de informação: “fotos p&b não fixadas”. A imagem perdura porque as tampas das caixas, feitas de acrílico vermelho, evitam a entrada de luz branca. Tanto a imagem como a linguagem está ameaçada de desaparição; é só retirar a tampa vermelha e o primeiro raio de luz que toque o papel fotográfico o velará.
Na realidade, dado que o acrílico vermelho é um filtro imperfeito, uma lenta deterioração está em processo. Um dia só restarão sobre a tampa as palavras gravadas, significantes órfãos em decorrência do apagamento do referente.
A imagem falsamente especular da fotografia demonstra-se especular e falsa, como o reflexo de Narciso no lago. Numa caixa de tampa vermelha, a imagem está em suspenso, instável e, como a memória, ameaçada de se afundar na obscuridade total. A linguagem também está extraviada, matéria pura, significante absoluto, signo vazio.
TUMBAS II
Quem jaz nessas tumbas? Ninguém, pois os mortos são ninguéns, eles já não existem e, portanto, não jazem em lugar nenhum. O que guardam esses túmulos são despojos, os despojos de quem, então? De Hippolyte Bayard (1801-1887) e de Hércules Florence (1804-1879), dois pioneiros da foto- grafia pouco reconhecidos na sua época. O apoio de François Arago (1786-1853), secretário da Academia de Ciências da França, fez que Louis Daguerre (1787-1851) patenteasse seu invento, ficando outros pesquisa- dores sem crédito. Bayard divulga, pouco tempo depois, uma espécie de “protesto-fotográfico” - um autor- retrato em que Bayard fingia ter cometido suicídio. Com o torso nu, olhos fechados, as mãos e o rosto escurecidos, o fotógrafo está apoiado numa parede. No verso, escreve:
O cadáver que aqui vê é o de M. Bayard, inventor do processo que acabou de vos ser mostrado. Até quanto sei, este incansável experimentador andou ocupado por cerca de três anos com a sua descoberta. O governo, que por um lado tem sido muito generoso com o Senhor Daguerre, disse que nada poderia ser feito em prol do Senhor Bayard; assim o pobre desgraçado afogou-se. Ah os caprichos da vida humana...! (39)
Em Campinas (SP), Hércules Florence, cientista francês radicado no país, cunhou o termo fotografia e inventou a impressão fotográfica. Suas descobertas foram resgatadas do esquecimento quase um século depois de sua morte.
Agora, os dois jazem lado a lado, nesse trabalho (Hercule & Hippolyte #2, 2019), nestas duas caixas chinesas que guardam outras caixas, as caixas-fotografias que exibem as caixas-túmulos onde restam os resíduos humanos dos corpos que foram Hippolyte e Hércules... Dois homens postergados. Mas também duas câmeras fotográficas, caixas fechadas, que contêm...
Ver Assassinato
VULGO
Em português, o substantivo vulgo quer dizer povo, populacho, tropa, multidão, plebe, ralé. Mas também se utiliza para designar o apelido, aquele nome outro que a família, a crônica popular, o grupo social ou mesmo a imprensa costumam colar sobre o nome próprio. Ao nomear uma instalação que exibe fotos de supostos delinquentes, a palavra vulgo multiplica seus sentidos. O vulgo, um sobrenome, um nome metonímico, às vezes, rasura a inscrição do registro civil e coloca o renomeado no elenco da infâmia; Jack the Ripper, Landrú, o Vampiro de Düsserdorf, El Pibe Cabeza, o Bandido da Luz Vermelha, El Ángel de la Muerte, o Motoboy. O vulgo, o povo, a plebe, a ralé.
Por outro lado, vulgo, em latim, é um verbo cujo significado é propagar, divulgar. Sendo a arte um dos modos de reflexionar sobre a vida, a condição para a experiência artística é a capacidade que a obra tem de convocar ao espectador para essa reflexão. Na galeria, imagens e textos deixam vislumbrar, através das frestas e dos intervalos, promessa de uma totalidade que resista a irreversível fragmentação da experiência contemporânea. Vulgo (1997-1999) propaga e divulga a possibilidade de se inscrever, de se escrever e de se imprimir outra história, a história dos vencidos. Uma história que vem resistindo, entre os arquivos do mal e o mal do arquivo, à amnésia e à invisibilidade.
Ver Tumbas
1. DERRIDA, Jacques. Mal de archivo: una impresión freudiana. Madrid: Trotta, 1997.
2. BORGES, Jorge Luis. Obras completas. Buenos Aires: Espasa Calpe, 1976, p. 238, tradução nossa.
3. DERRIDA, op. cit., p. 16.
4. bid., p. 19.
5. RENNÓ, Rosângela. Rosângela Rennó. São Paulo: Edusp, 1997, p. 159.
6. FOSTER, Hal. Archives of Modern art. In: FOSTER, Hal. Design and crime and other diatribes. London: Verso, 2002.
7. 7 FOUCAULT, Michel. “The historical a priori and the Archive”. In: MERWETHER, Charles (org.). The Archive. London: Whitechapel, 2006, p. 27, tradução nossa.
8. FOSTER, Hal. “An archival impulse”. In: MERWETHER, Charles (org.). The archive. London: Whitechapel, 2006, p. 78.
9. Ibid., p. 146, tradução nossa.
10. RENNÓ, Rosângela. Fotoportátil: apagamentos. São Paulo: Cosac & Naify, 2005.
11. BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2019, v. 1, p. 358.
12. BENJAMIN, Walter. “Desempacotando minha biblioteca”. In: Rua de mão única: obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1993, v. 2, p. 228.
13. Ibid.
14. CALVINO, Ítalo. Colección de Arena. Madrid: Alianza Editorial, 1987, p. 13 e ss.
15. MÜLLER-POHLE, Andreas. “Estratégias de informação”. Boletim Grupo de Estudos Arte & Fotografia, São Paulo, n. 3, p. 13-23, maio 2009.
16. Ibid.
17. “Em Orihuela, sua terra e a minha, se me morreu como de raio, Ramón Sijé, com quem tanto queria” (tradução nossa).
18. HERNANDEZ, Miguel. Obra escogida: poesía- teatro. México: Emecé, 1962, p. 139.
19. BORGES, Jorge Luis. “Tlon, Uqbar, Orbis Tertius”. In: Obras completas. Buenos Aires: Emece, 1976, p. 431.
20. AZOULAY, Ariella. “Desaprendendo momentos decisivos”. Zum Revista de Fotografia, São Paulo, 2019, p. 117.
21. AZOULAY, Ariella. The civil contract of photography. New York: Zone Books, 2008, p. 291, tradução nossa.
22. Ibid., p. 143, tradução nossa.
23. Id., 2019, p. 136.
24. CONRAD, Joseph. O coração das trevas. São Paulo: Ubu Editora, 2019.
25. Em 1996, Rosângela Rennó realizou uma montagem em que misturava a série Vermelha com textos do Arquivo Universal.
26. PAPE, Lygia. Lygia Pape. Rio de Janeiro: Funarte, 1983, p. 46.
27. RENNÓ, Rosângela. 2005-510117385-5. Livro de artista [versão offset]. São Paulo: Iphan, 2009. Disponível em: https://bit.ly/2WLeuLh. Acesso em: 29 jul. 2021.
28. RENNÓ, Rosângela. A01[COD.19.1.1.43] - A27 [S|COD.23]. Livro de artista [versão offset]. Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro e Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2013.
29. SELIGMANN-SILVA, Márcio. “Decolonial, des- outrização: imaginando uma política pós-nacional e instituidora de novas subjetividades” (2a parte). Arte! Brasileiros, [s. l.], 2020. Disponível em: https://bit.ly/2VoPPLM. Acesso em: 29 jul. 2021.
30. HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000, p. 7.
31. HUYSSEN, Andreas. En busca del futuro perdido. Ciudad de México: Fondo de Cultura Economica, 2002, p. 15.
32. BLOM, Philipp. Ter e manter. Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 73.
33. Maior abandonado. Intérprete: Cazuza. Compositor: Cazuza. In: Maior Abandonado. Intérprete: Barão Vermelho. Rio de Janeiro: Columbia, 1984. 1 CD, faixa 1.
34. AGAMBEN, Giorgio. Lo que queda de Auschwitz: el archivo y el testigo. Homo sacer III. Valencia: Pre- Textos, 1999.
35. Ibid., p. 151-152.
6. DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 1998.
37. DIDI-HUBERMAN, op. cit., p. 38.
38. Ibid., p. 39.
39. SILVA, Rogério Paulo da. O Dispositivo no “afogado” de Hyppolite Bayard. [S. l.]: [s. n.], [20]. Disponível em: https://bit.ly/3jd4D8p. Acesso em: 29 jul. 2021.
MELENDI, Maria Angélica. Pequena ecologia da imagem: um glossário em construção. In Rosângela Rennó: pequena ecologia da imagem. São Paulo: Pinacoteca de São Paulo, 2021, pp. 129-162.
A shower of words falls on the sheet of paper and collects in puddles: elegy, specter, mirror, spectacle, and also memory, lie, monument, death, museum. These words— imprecise, erased—seem to melt in between the images and no longer say or show anything. Liquefied in this primeval clay, images and words gather their remnants and merge their fluids to reach what is left of meaning, whatever has not been wrecked in the endless drift.
In this year 2021 of the Christian era, we have wandered astray as our ancestors once did on the southern prairies, the tropical savannahs, the tundra or the highlands, fleeing from the plague. The improbable has befallen us, and even before we could celebrate some small utopia we felt as if all dystopias were coming true among us. One inside the other, like little Chinese boxes that we never stop opening. One inside the other, infinitely.
Little Ecology of the Image is like a game of Chinese boxes that has been unfolding over time. We browse through the exhibition. We open the lids of the boxes only to find inside yet another tiny closed box.
I take the lid off the box and choose an image or a word, I weave in a gloss. The images remain for a second; the glosses, like photographs in an album, sail away to account for the part and the whole at the same time. So I cut out older texts, laced them with new reflections, took loans, stole some quotes, and ended up by creating an imperfect order that can be modified at any moment. Glosses came and went; some returned, others were discarded, some were changed.
A glossary is usually a kind of dictionary that, attached to some work, explains little-known, archaic, or wandering terms. In this incomplete glossary, the end of each entry suggests a new one, but it can be read in different orders other than alphabetically. Any order is possible and probably better.
AMNESIA
Amnesia, not just forgetfulness. Amnesia: total or partial loss of memory. The medical term points to an erasure of the senses. One forgets that something has been forgotten. Social, collective amnesia, as Heinrich Böll defined the relationship of post-war Germany with its Nazi past. Böll’s novels, written between 1950 and 1960, look at Germany’s efforts to create a new identity while exorcising the demons of its Nazi past. The author mercilessly unveils the social amnesia, the moral blindness, the greed, and the indifference to values of a society that embraced materialism as the only means to forget its past.
Nowadays, historical and colonial amnesia do not seem to correspond only to the psychological desire to delegitimize new migrants arriving from devastated countries; they are also institutionalized in places of memory, which exclude the painful integration of immigrants from the American, European, or Asian periphery and erase the colonial and neocolonial relations between the countries that take them in and their original territories.
But photographs always remain. If something has been irretrievably lost, there are still photographs that testify to the oblivion, although they do not rescue memory. The forgotten photos—the remnants of a family album, abandoned identification photos, criminal files, cut-out frames in film editing—can be rescued as evidence of social amnesia.
See Memory
ARCHIVE
Many contemporary artists, dominated by the totalizing and obsessive principle that governs the idea of an archive, have appropriated, reconfigured, interpreted, interrogated, or created archives. The (factual or invented) archival form suggests a deep and complex relationship between current art and trauma, memory, identity, and time.
ARCHIVE, MAL D’ [ARCHIVE FEVER] In Archive Fever (1995), Jacques Derrida sets out to distinguish archives from what they have been reduced to: the experience of memory and a return to the origin, the archaic and the archaeological, remembrance or excavation. In short: the search for lost time. (1)
An archive holds within itself the nomological principle of arkhé: the beginning and the mandate. The origin according to nature or history: the place where things begin. The place where men or gods command, where order is given. Arkheîon is the home of the archons, those who preserve, organize, and interpret the archives.
Every archive presupposes inscriptions, marks, and impressions, as well as the decoding of the first two and the storage and preservation of the third. Every archive also presupposes a place of consignment—a place where signs are gathered—and a technique of repetition.
Jorge Luis Borges regrets “adding to the Infinite series one more symbol;” (2) in Civilization and Its Discontents (1929), Sigmund Freud worries about wearing out the printing press, squandering ink and paper and mobilizing a heavy archival machinery to tell stories that everybody already knows. Jacques Derrida3 has said that the rhetorical phrase captatio benevolentiae allows Freud to introduce the concept of the death drive: an aggressive and mute drive—always silent and, therefore, not archivable—which destroys the archive even before producing it.
Censorship and repression work to destroy the archive. Death drives hurl the archive into oblivion, amnesia, the annihilation of memory, the eradication of truth. A radical evil seems to have always been at work in archival custody and interpretation and in the relationship we have with archives, in the ways we remember, memorize and monumentalize things in the need to record everything, with no remainder or loss. That is because the archive will never be the memory or the anamnesis in its spontaneous, living, inner experience: “the archive takes place at the place of originary and structural breakdown of the said memory.” (4)
ARQUIVO UNIVERSAL [UNIVERSAL ARCHIVE]/RENNÓ, ROSÂNGELA
Since 1992, Rosângela Rennó has been selecting material for and organizing the work Arquivo Universal [Universal Archive], made up of newspaper excerpts that narrate “ordinary stories about people and photography.” (5) From the gossip column to crime news, Arquivo Universal comprises texts in which the photographic image becomes a piece of evidence, a fetish, an object of desire, a memory, a witness. In its textual collection, photographic images are named or described. Thus, it is an archive of images without images.
Yesterday, at M.’s home, the officer spent half an hour asking questions such as: How much do the people who live here earn? What church do they attend? What language do they speak? Is there a bathroom in the house? M., 25, recalls that last time census takers took account of him and his family by plane. No exaggeration. In the days of the racist regime, the number of inhabitants in the black district was known only through aerial photography: the houses were counted and their sum was multiplied by four, the presumed number of members of a household. [Our translation]
Arquivo Universal is a virtual archive in which texts are included after being polished by the elimination of names, places and dates. An archive of written images, in which the identity of individuals is mutilated and replaced by the capitalized first letter of their names followed by a period. The indetermination of the individual reinforces and accentuates a false objectivity. The anonymity of the situation is also the seal of its extension. In Arquivo Universal, we are all murderers and accomplices, but we are also all victims.
The artist deals with texts just as she does with photographs. The text musters more imaginal power than the photograph, which is immersed in the constant flow of visuality. The accounts of Arquivo Universal — ordinary stories about people and photography—are trivial, bankrupt, fragmentary. Like our memory, Arquivo thrives on those trivialities, those failures, those fragments.
ARCHIVES/FOSTER, HAL
In “Archives of Modern Art,”6 Hal Foster uses Michel Foucault’s concept of archive; an archive would be, then, “the system that governs the appearance of statements.” (7) Unlike Foucault, however, Foster establishes a dialectical relationship between his archives. His intention is to outline the significant changes which took place in the first half of the 20th century in the dominant archival relations between the practice of art, the art museum, and art history in the West: the “memory-structure” produced by those three instances in the said period.
So he creates three dialectic pairs: Charles Baudelaire (1821-1867) and Édouard Manet (1832-1883), Heinrich Wölfflin (1864-1945) and Aby Warburg (1866-1929), André Malraux (1901-1976) and Walter Benjamin (1892-1940). This last pair is particularly interesting for us, for while Benjamin sees the ultimate ruin of the museum (i.e., of the archive) as being brought about by the emergence of photography, Malraux proposes its infinite expansion, also set in motion by mechanical reproduction. Malraux’s imaginary museum—a museum without walls—gathers the shattered fragments of tradition in a meta-translation whose subject would be the human family. In this archive—the art book The Voices of Silence (1951), illustrated with photographs—a remnant of the aura persists through the insistent life of certain forms that emerge again and again, like specters from the past. To the catastrophe announced by Benjamin, Malraux opposes a global system of continuities, which will transform the chaos of images into an archival or museological order.
Years later, Foster (8) no longer appropriates the Freudian concept, but speaks of material archives. He detects in modern art a trend to use archives as subject matter; that trend seemed to have had its beginningsin the pre-war period—in Alexander Rodchenko’s (1891-1956) photofiles or John Heartfield’s (1891-1968) photomontages—and gained momentum in the post-war period, when appropriated images and serial formats acquired the status of an artistic language in themselves.
Foster comes across obscure works made in alternative spaces of recognition or counter-memory, works that propose new orders of partial and provisional affective association, even if by that very act they capture the difficulty or absurdity of doing so.
Private archives question public ones, as they can be seen as perverse orders that seek to disrupt the symbolic order.
Perhaps the paranoid dimension of archival art is the other side of its utopian ambition—its desire to turn belatedness into becomingness, to recoup failed visions in art, literature, philosophy, and everyday life into possible scenarios of alternative kinds of social relations, to transform the no-place of the archive into the no-place of a utopia. (9)
This movement that shifts the artist from places of excavation (the artist as ethnographer) to the construction of places of conservation (the artist as archivist) is welcome, since it seems to suggest a shift in the melancholic culture that sees the historical as traumatic. Or worse, in a culture that cultivates trauma as the founding marker of an imperialist triumphalism.
See Museum
BOOKS
Among many other things, books are sequential devices, organizers of temporality. Visual artists resort to the book form because they wish to include stories, but above all time, in their works. The book, as Lygia Pape would have it, is the place “where a non-verbal language determines a verbal narrative,” a “story that emerge naturally from its own structure.” (10)
Since 1990 Rosângela Rennó has been creating hybrid books in which verbal and non-verbal narratives intertwine with, complement, and exclude each other.
2005-510117385-511 and A01[COD.19.1.1.43] - A27 [S|COD.23]12 are not part of this exhibition, but they hover over and sometimes land on some key issues for Rennó. Both books address the fragility of the collections kept in Brazilian repositories. After a number of historical documents were discovered in the hands of auctioneers in the antiques market, it was ascertained that about a thousand of them had been stolen, almost all from the D. Thereza Christina Maria Collection, having been donated by D. Pedro II, Emperor of Brazil, to the National Library in Rio de Janeiro.
2005-510117385-5, which takes its title from the number of the police investigation opened to look into the theft, reproduces in actual size the back of each one of 101 recovered photographs, ordered according to the date of their reinsertion in the collection of the Iconography Division of the National Library Foundation. To photograph the back of a photograph is to direct the spectator’s gaze toward the materiality of this object, inviting him or her to see the object only and to imagine the image itself, which subtly transpires on the other side.
A01 [cod.19.1.1.43] - A27 [s|cod.23] is the original archival code for the albums from the Pereira Passos Collection, belonging to the Rio de Janeiro City General Archive, which were vandalized in 2006. The book, with the same title, reproduces the inside and the contents of each box as they were found after the theft was discovered: photos cut out, pages torn out.
Based on Márcio Seligmann-Silva’s considerations about the planned and systematically reiterated memoricide13 that takes place in Brazil, Rennó thinks that this memoricide may go back to the very beginnings of the nation, building on the aegis of “structural ignorance.” A country that erases its documents, its history, its past...
If we understand books as a den or a crypt, as nocturnal spaces where foundational, sensorial, mystical, and sacred narratives can live and spread, Rosângela’s books can be seen as anarchives, where survive the traces of what has been erased.
See Vulgo
COLLABORATION
Not photographing, rather just re-photographing or appropriating others’ images. Stealing, requesting, commissioning. Collaborative work requires the presence of others: if I don’t photograph, I need someone to do it, so I request, commission, suggest, seek the image I want.
In A última foto [The Last Photo] (2006), Rosângela requests collabo- rations in order to weave a possible elegy to old photography. Each collaborator produced an image with an analog camera whose lens was sealed shortly thereafter (the last photo). All photos had the same reference: Christ the Redeemer, in Rio de Janeiro. Thus, besides discussing—once again—the future of the photographic image, the artist draws attention to the question of the dispute over image rights, wrongly claimed by the heirs of the author of the Christ’s face and hands
Years later, Rennó collected from the internet a handful of portraits that illustrated marriage proposals by men living in the town of Carrazeda de Ansiães, Portugal. After being enlarged, the portraits were sent to photo painters from the Cariri region, in the state of Ceará—masters Abom, Demontier, Jean and Cícero, from Juazeiro doNorte, and master Júlio dos Santos, from Fortaleza—so that each one of them could colorize the images with chalk or oil pastels. In Carrazeda+Cariri (2009) the portraits of men from Carrazeda were embellished; the northeastern artists painted elegant clothes and hairstyles over the photos and defined the vague facial features. These painted photographic portraits are the swan song of an artisanal production that represents our affection for images and exposes the eternal dilemma between who we are and who we would like to be.
So many collaborators, so many partners to create an elegy that forces us to evaluate losses and gains, to review, even if only mentally, our small photographic museum, the one that many of us keep in the back of the closet, in a forgotten drawer, or perhaps on a shelf in the library.
See Elegy
COLLECTION/COLLECTOR
The enigmatic line “Animals (birds, ants), children, and old men as col- lectors,” located in file “H4a, 2” of Walter Benjamin’s Passages, seems to suggest a certain biologism, a primordial impulse to collect that had already been refuted by the author. That is because in Benjamin’s view—he was himself a collector—each simple object within the collection is so full of meaning that it becomes an encyclopedic sum of the knowledge of its time. (14)
The collector is someone who maintains a very mysterious relationship with his objects. It is not their usefulness that is prioritized; rather, he “studies and loves them as the stage, the scenery, of their fate.” (15) Collectors are interpreters of chance and look through things in the direction of a remote past, holding the power to take a worthless object and turn it into something valuable, at least for them. This operation would apparently enable them to unveil the secret meaning of objects. From this point of view, collecting would be a way of exercising practical and active memory and the most convincing profane manifestation of closeness and presence. (16)
Since each acquired object is linked to a place and a date, every collection is also a diary—a travel diary, but also a diary of feelings and moods, of that obscure mania that leads us to organize the flow of life through a series of objects that we try to rescue from oblivion. (17)
Rosângela Rennó is a collector: she hoards and organizes the leftovers of culture—discarded photograms, archives of grassroots photographers, prison files, forgotten family albums, lost travel memories, irrelevant news from society or crime reporting.
The obscure drive that compels her to gather and reorganize multiple collections—of albums, photos, texts—seems to cater to a need to stop the flow of life and of the images themselves and to collect them in a series of moments snatched away from dispersion in common forgetful- ness or dissolution in social amnesia.
See Photography
ECOLOGY
The word “ecology” was created in 1869 by German scientist Ernst Haeckel (1834-1919) from the Greek words oikos (house) and logos (knowledge). Haeckel needed a term to name the science that would study how abiotic factors (humidity, tempera- ture, and others) interact with biotic factors (the relationships between the great diversity of living beings that are found in the same habitat).
In the mid-1980s, Andreas Müller- Pohle (1951) reflected on the directions of photographic production at the time. In “Information Strategies,” (18) the critic substitutes the notion of information for the notion of beauty. Thus, the task of the auteur as critic would be to “recycle or revitalize received information,”19 which Müller- Pohle calls “information ecology.” In this case, the critic seems to use the term ecology as a synonym for sustainability, since he proposes to reintegrate residual information into the communication cycle.
See Leftovers
ELEGY
En Orihuela, su pueblo y el mío, se me ha muerto como del rayo Ramón Sijé, con quien tanto quería. (20)
Thus begins the poem Elegy, (21) which Miguel Hernandez wrote for his friend Ramon Sijé.
There are at least two strange features in this verse. The first is the reflexive use of the verb “to die,” se me ha muerto22, used in popular language as an intensifier. The other is “with whom I loved so much,” and even though some versions omit the unexpected “with” (or, in Spanish, substitute a for con) it is this that carries the whole pathos of the verse. There are so many things that we loved (together) with those who have passed away before us.
Little ecology of the image places before us as an elegy, in both images and image-evoking words, the bodies and souls of those who loved with us.
A farewell, a poetic and melancholic lament for all and everything we have lost. And we have lost a lot: friends, lovers, family members, places, objects; we have also lost photography itself, which no longer has the unobtrusive medium of a piece of paper or the fleeting of a cardstock sheet, and is just a smattering of ordinary light in an ordinary device; even cameras, dark rooms, red lights, and the acrid perfume of chemicals have been lost. We will also lose the specular image, the image of the simple identity photo, the image of ourselves, when we are all identified by fingerprints, by iris scanning, by DNA, or by the detection of lack of empathy through the questions asked in the Voight-Kampff test, the one administered by Rick Deckard in the movie Blade Runner (1982)...
See Collaboration
GRAVES I
The first picture that showed up in the newspapers reminded me of a detail of Fra Angelico’s (1395-1455) panel The Last Judgment (1431-1435), which I had seen in a book by Georges Didi-Hu- berman.23 In the book, the image is cropped so as to exclude Christ in his mandorla, the crown of angels, the Virgin, St. John the Baptist, saints and apostles, the blessed and the damned. All we see are the distant gravestones, the rows of empty graves, a perspective that eludes the landscape itself. The photograph also displays a flight of empty graves, but there are no gravestones in it, only the rectangular graves dug in the red earth. They will soon receive the bodies of those whose death has been announced.
The image started repeating itself, day after day, since March 2020. Only the perspective, the landscape, the extent changed. It still comes up, although perhaps less often.
As Georges Didi-Huberman would have it, faced with those empty graves one can respond with a denial of fullness, “of the fact that this volume before us is taken up by a being similar to us, only he’s dead.”24 The denial of emptiness, “a real horror [...] of emptiness: the wish to remain at the discernible edges of the volume,”25 leads us to the shallow truth, to a tautology that protects us from what we know, from the certain and fatal end.
Memory has slipped from the empty graves of Brazil to the emptied graves of the The Last Judgment, from the death predicted by the pandemic to the final judgment. From the pandemic’s inevitable fate to Roman Catholics’ imagined final destiny. Empty graves, in short, usually stir a sacred terror.
But graves unsettle us even when we suppose them to be peacefully closed. Rosângela Rennó’s work Paz armada [Armed Peace] (1990/2021) displays and conceals the irremediable flow of images and words. There are two zinc boxes with lids made of translucent red acrylic glass on which is engraved the name of the work plus the phrases "o futuro da linguagem" [the future of language] and "o futuro da imagem" [the future of the image]. Inside each box there is a photograph of a grave. One of them is an obelisk on whose plinth two hands are clasped in a circular medallion. The word FAMILLE is written on the first step. The other tomb belongs to the Lefevre-Tournachon family and contains the body of Gaspard-Félix Tournachon, known as Nadar, one of the most famous photographers of the 19th century. What will be the future of the image? What will be the future of language? The graves in the photos clearly indicate it, because one would not exist without the other. Several layers of meaning are superimposed and connected herein: the engraved text, the symbolic red color of the acrylic glass, the photos of the graves, the entwined hands, the illustrious photographer, the word family. Besides all these and many other clues there is a technical issue that can only be decoded by those who read the museum captions. A supplemental piece of information: “unfixed black-and-white photographs.” The image only endures on the partially processed photo paper because the box lids, made of red acrylic glass, block the entrance of white light. Both image and language are in danger of disappearance; just remove the red cover and the first ray of light that touches the photographic paper will veil it.
Actually, since red acrylic glass is an imperfect filter, a slow deterioration is in process. One day, as a result of the erasure of the referent, only the engraved words will remain on the lid—as orphaned signifiers.
The falsely specular photographic image proves to be specular and false, like Narcissus’ reflection in the lake. In a box with a red lid, the image is suspended and unstable; like memory, it risks sinking into total obscurity. Language also has gone astray and is pure matter, an absolute signifier, an empty sign.
GRAVES II
Who lies in these graves? Nobody, because the dead are nobodies, they no longer exist and therefore lie nowhere. These graves hold the remains—but of whom? Of Hippolyte Bayard (1801-1887) and Hercule Florence (1804-1879), two pioneers of photography who gained little rec- ognition in their time. Louis Daguerre (1787-1851) patented his invention with the support of François Arago (1786-1853), secretary of the French Academy of Sciences, and no other researchers got any credit. Soon afterwards, Bayard released a kind of “protest-photograph”—a self-por- trait in which he pretended to have committed suicide. With a naked torso, closed eyes, blackened hands and face, the photographer is leaning on a wall. On the back, he writes:
The corpse you see here is that of Mr. Bayard, inventor of the process that has just been shown to you. As far as I know, this tireless experimenter busied himself for about three years with his discovery. The government, which on the one hand has been very generous to Mr. Daguerre, said that nothing could be done for Mr. Bayard; so the poor wretch drowned himself. Ah! the vagaries of human life...! (26)
In Campinas (SP), Hercule Florence, a French scientist living in Brazil, coined the term photography and invented photographic printing. His discoveries were rescued from oblivion almost a century after his death.
Now both lie side by side in this work (Hercule & Hippolyte #2, 2019) [p. 53], in two Chinese boxes that hold other boxes, the photo-boxes that display the tomb-boxes containing the human remains of the bodies that were Hippolyte and Hercule... Two men who were left behind. But also two cameras, two closed boxes, which contain...
See Murder
IDENTITY
Identity is always in play, always in negotiation, always adrift. So many ID card photos. What for? Outside the document they mean nothing to others, or maybe they are souvenirs for lovers, friends...
On the wall, photos of anonymous, faceless beings, deprived of identity, and also texts that talk of anonymous, nameless beings, deprived of identity.
See Testimony
IMAGO
In ancient Greek, “idol”, eidôlon, designated the intangible shadow that exits the body of the dead—tenuous but still corporeal. In Latin, simulacrum is a specter, imago, from which the word “image” is derived, and also belongs to the world of the dead.
In ancient Rome, the imago was the wax mask that duplicated the face of the dead, the double of
the ancestor exhibited in periodic religious ceremonies. After a plaster mask was cast from the face of the corpse, the imago was the positive cast in polychrome wax, imitating a living face. In the ancestors’ gallery, in the house courtyard, the imago was venerated as one of the family deities that protected the gens. As an adumbrative sculpture, it carried in its very substance the fluids and skin scabs of the dead person. The imago was more than just an image: it was the image of the beloved deceased and was imbued with vital affections.
Rennó’s insistence on working with portraits—Duas lições de realismo fantástico [Two Lessons of Fantastic Realism] (1991) [pp. 88-91], Carrazeda+Cariri (2009), O cidadão sem qualidade [The Citizen With No Quality] (1990/2020), Seres notáveis do mundo [Notable Beings of the World] (2014-2021) —and specifically family portraits—Vermelha [Red] series (2000-2003), Pequena ecologia da imagem [Little Ecology of the Image] (1988), Corpo da alma [Body of Soul] series (2003-2009) —runs across different mediums and different assemblages and lays bare the transparency of the photographic image. Before they became objects full of meanings, works of art, treasures for collectors, these photos were only ID pictures or vernacular images; they were used for purposes of official identification, but were also carried in wallets, pasted in albums, shown to friends, kissed... time changed them into memories, relics—imago.
In the series Seres notáveis do mundo (2019), created for a special edition of the Brazilian translation of Joseph Conrad’s The Heart of Darkness, (27) Rennó appropriates the images of plaster busts belonging to the collection of El Museo Canario (Las Palmas de Gran Canaria, Spain). The busts, made between 1840 and 1870 and intended to represent the “distinct races of the globe,” were bought in Paris until 1890 to be shown in the museum’s Anthropology Room. Many were made from mortuary masks of people identified by their name and place of origin.
Imagos. Of those dead men, only the masks remained, which were made into plaster busts for a positivist anthropology cabinet, then photographic images of those busts, and finally ghosts, shadows, specters in the pages of a book.
See Marginalia
INVISIBILITY
Rennó likes to veil images to a near invisibility. A boy appears in the photo, but he is vanishing, alone, with a big tree behind him. Everything is fully, intensely red. It is impossible to specify who this boy is. Two texts, one in Spanish and another in Portuguese, go along with the image. The multiplicity of languages and means of expression points to a relativization of meanings. Unexpectedly, the coexistence of those three texts—one visual text and two written texts—in a same space erodes the legibility of each one. Each one undermines the others’ meaning, and it is impossible to fix one’s attention on one image (or text).28
The intense red cannot but refer to blood, like that which flows darkly from the eyes of the virgin in the photo reproduced on the page of the book described in the text.
The fair-skinned boy also refers to the blonde child offered by the cabocla woman to a tourist. As in a web, two different messages intertwine: imprecise photography and textual references to the photograph.
The big red photo does not unveil itself to the eye all at once: we must look for it, sharpening our senses. The texts are read in a time continuum. The photographs do not illustrate the writing. The writing is not a caption for the photo. Our cultural habit leads us to look for a caption that is not there (who is this boy after all?) and for photographs that do not exist (how to see the woman who does not allow herself to be photographed? How to see the virgin who cries in the picture of a book?). Apparently, there is no relationship between the two categories, but in art the connections between language and image are infinite.
In the Vermelha (Militares) [Red (Military)] series (2000-2003, the author foregoes the written text, although it is there at some point. Just pictures of men and children in military uniform and once again submerged in a dense, murky red. There is no need to contextualize anything, because these almost invisible beings bear within them the lineage of unending violence, a lineage to which we belong. Don’t all our family albums have an image that looks like this?
See Amnesia
LEFTOVERS
Nothing seems so far away as the last time we were young. The chorus of an old 1980s song said:
I’m interested in scraps and leftovers, Small potions of illusion; I’m interested in honest lies. (29)
In those days, in between the beats of a sentimentally awkward Brazilian rock song and the joy of free dancing bodies, the words went unnoticed. But they somehow expressed very well what layied in wait for us in the redemocratization process. (30) It was exactly like that: scraps, leftovers, small potions of illusion, (not very) honest lies spread through the text of the Amnesty Law and slid into the acts of the so-called New Republic.
Our present was being built with those scraps and leftovers, with the remains of interrupted knowledges, of erased or counterfeit images, of aborted processes, of invented memories. The ecology of information advocated by Andreas Müller-Pohle in those same 1980s was the way in which pathways could be opened in a devastated and ever-changing scenario. Leftovers and scraps constituted the material with which artists put together the works of a movement that at first was called neo-, then was called post-, and finally no longer had a name.
Rennó has collected and still collects leftovers: images, words, reports, processes, obsolete devices, useless apparatuses, film ends, editing scraps, empty perfume bottles, the crumbs, the dust; and she carefully threshes with them the corncobs of our days.
See Collection/Collector
MARGINALIA
At the margins of the mainstream, works in which prevails an archival and investigative impulse grow and develop: works that have only a slight contact with photography, but which advance through almost fictional territories, in which the master narratives hide other narratives, sometimes smaller but always more significant. The origins of “eau de cologne” navigate from a Roman colony in Germania to remote European colonies in other continents. The colonization of perfumes, like that of bodies, hearts, and minds, has traversed the same routes and the conquered have often changed the conquerors. Eaux des colonies [Waters from the Colonies (2020-2021) [pp. 112-15] shows, in some way, what remains (leftovers again) from the original formula of the elixir that was later made into a delicate fragrance and today, modified by time and space, incorporates essences from all continents, both colonies and colonizers.
In Terra de José Ninguém [Mr. Nobody’s Land] (2021), the artist has recovered sequences of slides from the 1970s, which were digitalized and mixed with contemporary images. The character in the original narrative, a “Nobody,” is an alienated man with no goals in life, who realizes he is a free agent when he recovers his own identity and opens himself to participate in society and love other people. Rennó reverses the sequence and disrupts the story; her “Mr. Nobody” becomes an ordinary citizen submerged in a timeless inertia, from which he can neither redeem himself nor be redeemed.
Multiple projections sustain fixed images of the audiovisuals, which are, however, reworked and super- imposed on others. The pre-existing material, a series of slides that were projected to the sound of a soundtrack, was devised for teaching, adding yet another layer of signification: fifty years later, everything is still the same.
The works at the margin can be a video in which sound and image have disappeared, as in Vera Cruz [True Cross] (31) (2000), or in which an unknown hand writes words in Tupi on the sand while someone else translates them into sound in silbo gomero: Método básico de assovio gomero-tupi [Basic Method for gomero-tupi Whistle] (2014-2016). Or yet Círculo mágico [Magic Circle] (2014-2016), in which the artist gives voice to mute objects from the Casa Museu Eva Klabin collection.
See Books
MEMORY
Modernist culture was driven by imagined utopias based on the paradigms of modernization, including allegories of racial or class purity that would later produce the authoritarian governments that perpetrated the genocides and massacres of the 20th century. Andreas Huyssen uses the notion of “present pasts” to reflect on a shift in the experience of and sensitivity to time that would happen from the 1980s on. Present pasts, formed perhaps as a reaction to globalization, are constituted by means of an instantaneous musealization of the wider cultural space and point to an impossible desire for total recall. (32) The memorial discourse that intensifies after the 1980s, especially in Europe and the United States, media-driven by the Holocaust television series (1979) and the “German anniversaries,” (33) has materialized in the construction of multiple museums and memorials that are now being created in the Western world.
MIRRORS
Jorge Luis Borges:
We have discovered (late at night this discovery is inevitable) that mirrors have something monstrous about them. Then Bioy Casares remembered that one of the Uqbar heresiarchs had stated that mirrors and copulation are abhorrent, because they multiply the number of men. (34)
See Imago
MONUMENT/COUNTERMONUMENT
One of the most fascinating responses to the essential issue of memory is the emergence of countermonuments: unusual, painfully self-conscious memorial spaces designed to change the very premises of their existence. Ethically aware of their obligation to remind, but aesthetically skeptical about traditional memorial forms, a new generation of contemporary artists is testing the limits of artistic making and of the very notion of memorial. They are heirs to the post-war legacy, to a deep disbelief in monumental forms due to their systematic exploitation by totalitarian systems and to an intense desire to differentiate them- selves from the killers of memory.
The didactic logic of the monument, its demagogic rigidity, is too close to the traits one associates with fascism. A monument against fascism, then, must be a monument against itself, against the traditional didactic function of monuments, against the tendency to displace the past they wanted us to contemplate—and, finally, against the authoritarian propensity of art that reduces viewers to passive beings.
For German artists and sculptors such as Jochen Gerz (1940) or Horst Hoheisel (1944), the possibility of reducing the memory of such serious events to displays of public virtue or vulgar pathos remains intolerable. They disdainfully reject the traditional forms and rationales for public memorial art, those spaces that comfort the spectators and redeem them from tragic events, or that forgive too easily, or yet intend redressment for the memory of murdered people. They fear that conventional memorials, instead of converting memory into public consciousness, will push memory away from all consciousness. They fear that the power which builds monuments to do the work of memory for us will turn us into amnesiac beings. They believe that the initial impulse to remember such terrible events may actually give rise to an opposite and equal desire to forget.
I would like to think of almost all of Rosângela Rennó’s work as a kind of countermonument, starting from Imemorial [Immemorial], the title she gave to a 1994 installation which evokes the candangos (construction workers) who died during the building of Brasilia. Like those dead workers, other ordinary unqualified people have been constantly present in her works: single men looking for a wife, military men of low or no rank, mothers and fathers displaying the photos of their dead or missing children, murder victims, crowds demanding civil liberties.
After all, the appeal to memory that pervades this anthology doesn’t just affect the history of photography, its devices, its practices, its protocols, and its theories, but also and above all presents itself as the recovered memory of the history of those who were photographed, defeated, left behind...
MONUMENT/ICONOCLASM
Iconoclasm, the destruction of images, considered an anachronistic action in the increasingly secularized and multicultural societies of the 20th century, seems to be on the agenda again. The contemporary world, submerged in an uninterrupted flow of images, has paradoxically begun to manifest certain symptoms that lead us to evoke distant debates. Before the current debate about and destruction of monuments dedicated to slaver-owners and colonizers, monuments in honor of overthrown tyrants, disgraced rulers, or representatives of forsaken ideologies were torn down in isolated places. Good Apples/Bad Apples (2019) is a reflection on the transience of recent monuments, taking as its corpus the sculptures of Lenin that abounded in the former Union of Soviet Socialist Republics and that were removed or hidden after its fall.
See Archive
MURDER
Every photo is the evidence of a crime. Every crime requires a photograph. Or many. In 1993, Rennó joined the Estado de Minas newspaper’s crime news team and visited crime scenes with the journalists as if she were a forensic photographer. The result is Evaporação de sentido [Evaporation of Meaning] (1993-94).
The artist captured crime scenes and related subjects: the streets, the police station, the police station corridor, the policemen, the humble house, as well as the victim’s employment card, the newspaper-covered body left by the Pampulha Lagoon, the decom- posing face of the corpse, the flies.
The photos are undoubtedly less important than the very fact that they were taken.
Many years later, in Apagamento [Erasure] (2004-05), Rosângela visited four crime scenes, but the photos were taken by others. The exhibition version is organized on tables or light boxes on which clipped forensic photographs mounted in slide frames focus on details, incongruities, and investigational flaws.
Separated from one another by the frames, each photo displays a detail of each murder, a piece of the puzzle the artist has put together that could have been put together during the investigation itself. The careful orthogonal presentation somehow mitigates the violence. Press and television images have taught us how to view these photos, spread out on the investigator’s desk or carefully arranged on a corkboard.
In the supreme disorder of death, images of the murders will find rest in folders containing the evidence of solved or unsolved crimes. Apagamentos, (35) a small accordion-shaped book, displays four series of photos of four murders. In the book, neither the clarity of the printed object nor the elusive lividity of the photographs can drown out the crimes’ deafening noise, their scandal. And even if we look at the photos with a detective’s inquisitive eye, searching for clues, looking for inconsistencies, the silent brutality of these images still stuns and hurts us.
See Identity
MUSEUM
In the 16th and 17th centuries, the Wunderkammer (chamber of wonders), the museum’s predecessor, housed a multitude of objects selected for their strangeness, exoticism, or beauty. In the nobleman’s palace or the bourgeois’ house, in cabinets and shelves of exquisite workmanship were accumulated (real or counterfeit) specimens of the natural sciences, historical or religious relics, artworks, and antiquities. The chamber of wonders was a private microcosm and also functioned as a theater of memory in which the most disparate, bizarre, and precious objects came together to provide analogies, stimulate comparisons, and give rise to fabulous narratives of a world that was expanding its boundaries at an astonishing rate.
In 1639, a traveler from Nuremberg listed the wonders seen in Tradescant’s Ark or Musaeum Tradescantianum, the John Tradescant collection, which is now part of the Ashmolean Museum in Oxford:
A mermaid’s hand, a mummy’s hand, a wax hand, all very natural on a glass counter [...], a painting made of feathers, a small wooden piece of Christ’s cross [...], images from the church of Hagia Sophia in Constantinople copied by a Jew in a book [...], many Turkish and foreign shoes and boots, a frogfish, an elk hoof with three nails, a 42-pound human bone, an instrument used by Jews in circumcision, the cloak of the King of Virginia [...], a wax Saint Francis on a glass counter [...], a whip that Charles V supposedly used to scourge himself. (36)
The vague wide world offered its material testimonies so that the sea of stories in which we are grounded and that some call memory or history could begin to be woven with them and from them. Evidence of the existence of mermaids and mummies, relics of the crucifixion, remains of anomalies, animalia.
Every change in the space where meaning shifts implies an evaporation of meaning. As such, whenever we take an object of religious devotion or of everyday use to a museum, we tear its essence out of it: we convert it into a mere “museum object.” Away from the altar, the niche or the pocket, its only purpose is to be contemplated as a residue or ruin of a more or less distant past. All contexts are erased in the museum, and this is perhaps the reason why the fantasy of museum pieces coming back to life whenever the doors are closed is so recurrent.
The museum’s role, then, would be to resurrect the memories impregnated in each object in its collection: those memories that have become extinct because they are linked to customs that no longer exist, to cultures that are not propagated through durable material objects, or to destroyed or neglected cultures.
Our community urgently needs to crave a visit to a museum, to know that this museum belongs to it, because the museum is the place where, as if in a mirror-in-reverse, it will be able to contemplate itself as part of a story that includes the very museum. In short, a museum that is not the museum, or that is the museum because it is not; a museum that is always to come, that never comes to be: it is open to all possible museums, but never finished. If everything ends up belonging to the museum, it should not be the matrix of everything, nor the mother, nor the model; it should not be a temple, a school, a prison, a cemetery; let it be no more than a passage, a crossing point open to all, where one can remember, but also forget.
See Ecology
PHOTOGRAPHY
The function of photography is not to represent reality or even to make us believe it, but rather to name and, above all, to order visuality—with an order that goes beyond true and false, but that is the transmission of the visual order of our days.
The beginning of photography is where the “search for another” begins. “Another” that is always an object of study or an object to be taken possession of: the foreigner, the exotic, but also the custodian or transmitter of an original inadequacy, a disease, a fetish, a propensity to crime... Later, photographers engaged in social reform tried to give visibility to the “social other”: the poor, the excluded, the rejected.
Photography, which always aimed to set up an inventory of the world, is now mixed up with hybrid practices that run through the fields of contemporary art and literature. Suffice it to speak of the work of writers such as Winfried Sebald (1944-2001) and Paul Auster (1947), or of artists such as Gerhard Richter (1932), Hans Peter Feldmann (1941), Christian Boltanski (1944-2021), Sophie Calle (1953), and Rosângela Rennó (1962). In their works, photographic images or texts do not survive as proofs or as findings; they are there, but they point to something beyond the place and time in which they are materialized or actualized.
PHOTOGRAPHER-PHOTOGRAPHED
The first photographers—from Alphonse Bertillon (1853-1914) to Robert Frank (1924-2019)—probably took the photographed subjects to be objects. In the 1980s, however, some photographers felt the need to introduce an exchange between photographer and photographed in the photographic process in order to respect people’s autonomy, their freedom. As time goes by, therefore, there is a change not only in the relationship between photography and the world, but also in the question of truth, the formal criteria and even the uses of photography. Different stances, procedures, and marginalized or forbidden territories emerge or manifest through the photographic image.
From the late 1980s, the decline of the documental value of photography released it from certain entrenched assumptions associated with its being conceived as a record, and opened up pathways to reflect about the articulation between the author, the photo- graphed subject, and the reader, as well as the relationships among them.
In the 1990s, this process became more intense: we witnessed the decline of the concept of photo documentation and the appearance of a new category of subjects: the victims of a cracked, enclosed, divided world, where the other ceases to be an object to become a subject, an actor, a companion, a colleague, another photographer...
Today the image aims to go beyond the moment of the photographic act and to photograph the transitory states of things or people. Photography would like to be much more than a proof of material existence. Thus, we can say that, as in Roland Barthes’ view, the image represents a preexistent world in which photography, as an abstract machine, is a consistent form of representation because of the direct contact it establishes with the world in an encounter which is exclusively limited to its material dimension. In this sense, Barthes reduces photography to a document and the document to sensory representation, to the act of naming. This stance does not contemplate the infinite mediations between things and images.
The Barthesian this was subjects photography to a fourfold authority: the authority of the thing—the adhered-to referent—of a past considered as a present that once was, of representation, and of substances. One can contemplate the existence of a photograph comprising an expression, i.e., a photograph that incorporates the notion of the event—a photograph that expresses the event, but does not represent it. In this way one can shift from naming to expression, enabling a transition from a world of bodies and things to a world of incorporeal events, i.e. from the industrial society to the information society.
In The Civil Contract of Photography, Ariella Azoulay sets out to write a history of photography on the basis of its practices, and in order to do so focuses on the political body of those involved in the photographic act, shifting the origins of history away from the realms of technology.37 She starts from the conditions of life in Palestine, where, as she tells us, catastrophe has altered its usual definition to become an event that can affect anyone at any moment: “Existing on the verge of catastrophe means being exposed at all times, with no relief, to injuries of all kinds.” (38)
The photo-maker, according to Azoulay, “initiate[s] the restoration of the conditions of visibility through the reconstruction of the four elements of the photographic énoncé: addresser, addressee, referent, and meaning.” (39)
No one can be the author of a photograph, she says, because photography is a plural action involving multiple agents. Whenever someone sees and explains a photograph, he or she adds meanings to it and effectuates a change; statements overlap and accumulate, and each one transforms the initial configuration. Now that citizens in general have permanent access to instruments that can record the horrors of the world and share them with others, now that photos go from hand to hand or from screen to screen, changes effected by the viewers seem to be endless. Thus, the responsibility for what is photo- graphed and distributed grows and is shared among countless agents.
The encounter facilitated by the camera—people who happen to be in the same place and time, photographers and those they photograph— produces a common work. This work, however, does not belong to all those involved, because it usually excludes the photographed and bends to the will of the powers that be.40 The images of the oppressed—Palestinians, slum dwellers, victims of war or natural disasters, people who have been murdered and arrested— always belong to the oppressors.
See Mirrors
TESTIMONY
In this world in which the society of the spectacle (predicted more than forty years ago by Guy Debord) reaches extreme proportions, what is at stake is the isolation of communicability in an autonomous sphere. According to Giorgio Agamben, in the society of the spectacle, language—visual, spoken, written—reveals nothing, or reveals the nothingness of all things. That is why all peoples have in common the alienation of their linguistic being, uprooted from the living habitat of language. (41)
If, following Agamben, we change Michel Foucault’s perspective and look at statements from the point of view of the act of speech, we will define la langue as a potentiality of speech and find that photography arises as a place for subjects’ resistance, a place of testimony. On the other side of the archive, testimony exists “between a potentiality of speech and its existence, between a possibility and an impossibility of speech.” (42)
But photography’s testimony is disturbing: all it can display and speak about is its own becoming.
See Invisibility
VULGO [ALIAS]
In Portuguese, vulgo means the common people, the populace, the crowd, plebs, rabble. But it is also used as the abbreviation “aka” in English to designate the nickname, the other name that the family, the popular chronicle, the social group, or even the press usually paste over the first name. In naming an installation that exhibits photos of alleged criminals, the word vulgo multiplies its meanings. The vulgo or alias, a surname, a metonymic name, sometimes erases the civil name and places the one renamed in the roster of infamy: Jack the Ripper, Landrú, the Vampire of Düsseldorf, El Pibe Cabeza, the Red Light Bandit, El Ángel de la Muerte, the Motoboy. The vulgar, common people, the plebs, the rabble.
On the other hand, vulgo in Latin is a verb which means to propagate, to spread. As art is one of the ways of reflecting on life, the condition for the artistic experience is the ability of the work to invite this reflection in the spectator. In the gallery, images and texts let us glimpse through their gaps and intervals the promise of a wholeness that resists the irreversible fragmentation of contemporary experience. Vulgo [Alias] (1997-1999) propagates and disseminates the possibility of inscribing, writing, and printing another history, the history of the defeated, a history that has been resisting amnesia and invisibility in between the archives of evil and the evil of archives.
See Graves
1. Jacques Derrida and Eric Prenowitz, “Archive Fever: A Freudian Impression,” Diacritics 25, no. 2 (1995): 9-63.
2. Jorge Luis Borges, Obras completas (Buenos Aires: Espasa Calpe, 1976), 238. Our translation.
3. Jacques Derrida, op. cit., 16.
4. Ibid., 19.
5. Rosângela Rennó, Rosângela Rennó (São Paulo: Edusp, 1997), 159. Our translation.
6. Hal Foster, “Archives of Modern art,” in Design and crime and other diatribes (London: Verso, 2002).
7. Michel Foucault, “The historical a priori and the Archive,” in The archive, eds. Char Merwether (London: Whitechapel, 2006), 27.
8. Hal Foster, “An Archival Impulse,” in The archive, eds. Char Merwether (London: Whitechapel, 2006), 78.
9. Ibid., 146.
10. Lygia Pape, Lygia Pape (Rio de Janeiro: Funarte, 1983), 46. Our translation.
11. Rosângela Rennó, 2005-510117385-5. Artist’s book [offset version] (São Paulo: Iphan, 2009). Available at: https://bit.ly/2WLeuLh. Accessed in: July 29, 2021.
12. Rosângela Rennó, A01[COD.19.1.1.43] - A27 [S|COD.23]. Artist’s book [offset version]. Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro e Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro: Author’s Edition, 2013).
13. Márcio Seligmann-Silva, “Decolonial, des- outrização: imaginando uma política pós-nacional e instituidora de novas subjetividades (2a parte),” Arte! Brasileiros (2020). Available at: https://bit. ly/2VoPPLM. Accessed in: July 29, 2021.
14. Walter Benjamin, The arcades project, trans. Howard Eiland and Kevin McLaughlin (Cambridge: Harvard University Press, 1999), 211.
15. Walter Benjamin, “Unpacking My Library,” in Illuminations: essays and reflections, trans. Harry Zohn (New York: Schocken Books, 1969), 60.
16. Ibid.
17. Ítalo Calvino, Colección de Arena (Madrid: Alianza Editorial, 1987), 13.
18. Andreas Müller-Pohle, “Estratégias de informação,” Boletim Grupo de Estudos Arte & Fotografia, no. 3 (2009): 13-23.
19. Ibid. Our translation.
20. “In Orihuela, his homeland and mine, Ramón Sijé, with whom I loved so much, passed away as if struck by lightning” (Our translation).
21. Miguel Hernandez, Obra escogida: poesía-teatro (Mexico City: Emecé, 1962), 139.
22. This cannot be translated literally. It is an expression that denotes surprise with a touch of outrage. (Translator’s note.)
23. Georges Didi-Huberman, O que vemos, o que nos olha (São Paulo: Editora 34), 1998.
24. Georges Didi-Huberman, op. cit., 38. Our translation.
25. Ibid., 39. Our translation.
6. Rogério Paulo da Silva, O Dispositivo no “afogado” de Hyppolite Bayard. Available at: https:// bit.ly/3jd4D8p. Accessed in: July 29, 2021. Our translation.
27. Joseph Conrad, O coração das trevas (São Paulo: Ubu Editora, 2019).
28. In 1996, Rosângela Rennó coupled her Vermelha [Red] series with texts drawn from the Arquivo Universal [Universal Archive] series.
29. Cazuza. Maior abandonado. Rio de Janeiro: Columbia, 1984. 1 CD, track 1. Our translation.
30. The political process that took place when the military dictatorship (1964-1985) was officially terminated. (Translator’s note.)
31. The first name given by Portuguese settlers to the territory now known as Brazil. (Translator’s note.)
32. Andreas Huyssen, Seduzidos pela memória (Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000), 7.
33. Andreas Huyssen, En busca del futuro perdido (Ciudad de México: Fondo de Cultura Economica, 2002), 15.
34. Jorge Luis Borges, “Tlon, Uqbar, Orbis Tertius,” in Obras completas (Buenos Aires: Emece, 1976), 431. Our translation.
35. Rosângela Rennó, Fotoportátil: apagamentos (São Paulo: Cosac & Naify, 2005).
36. Philipp Blom, Ter e manter (Rio de Janeiro: Record, 2003), 73. Our translation.
37. Ariella Azoulay, “Desaprendendo momentos decisivos,” Zum Revista de Fotografia, no. 17 (2019).
38. Ariella Azoulay, The civil contract of photography (New York: Zone Books, 2008), 291.
39. Ibid., 143.
40. Ibid., 2019, 136.
41. Giorgio Agamben, Remnantes of Auschwitz: The Witness and the Archive (New York: Zone Books, 1999).
42. Ibid., 145.
MELENDI, Maria Angélica. Little Ecology of the image: a glossary under construction. In Rosângela Rennó: Little Ecology of the Image. São Paulo: Pinacoteca de São Paulo, 2021, pp. 129-162.