site em reconstruçãosite under reconstruction

Incorporação do olhar


Textos relacionados ao trabalho


Texts linked to the work Foreign African Body

    […] Rosangela Rennó é também uma fotógrafa que trabalha sem fotografar. Rennó vê na fotografia não uma representação, mas um locus onde delimita o terreno de seu trabalho. A foto surge como parte de um processo de reflexão, mais como ato do que como mimesis. Em uma sociedade cada vez mais mediada, suas escolhas vão no contra-fluxo da máquina voraz de produção de imagens de nosso tempo. O que lhe interessa é o refugo, o resto, o que iria para a lata de lixo do consumo vertiginoso: aparelhos obsoletos encontrados em antiquários, álbuns de fotografia descartados, personagens esquecidas e apagadas da história oficial – obra feita de sobras. 

    Em Corpos Extranhos vemos um antigo mapa mundi com a reprodução do continente africano. Ao lado dessa reprodução, como um enxerto soturno, Rennó acopla uma prótese dentária que lembra os objetos fetichizados dos rituais de matriz africana como o voodoo ou a santeria. Esse corpo estranho – termo médico utilizado para se referir a um invasor que de maneira não-natural se insere em um organismo o adoecendo – é entranhado ao terreno visual de maneira agressiva. Ele paira ameaçadoramente sobre o continente como se prestes a atracar em seus portos e em seguida feri-lo ou abocanhá-lo. A peça nos remete imediatamente à violência da escravidão, criando uma zona de mal estar. Gera um desconforto e traz um amargor na boca. Rennó subverte a racionalidade do mapa (tão útil ao colonizador) para inserir ali uma ferida que adoece a objetividade científica cartográfica. Na chave benjaminiana, produz um “monumento” a barbárie que subjaz todo monumento que é erguido aos vencedores. […]


    BERGAMASCHI, Bárbara. Incorporação do olhar (excerto de texto). In ArtRio, 10a edição, 2020.