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lanterna mágica, 2012-2016

magic lantern series, 2012-2016
doze fotografias em papel de prata/gelatina Ilford Multigrad IV, com viragem de selênio
155 x 105 cm cada

oito lanternas mágicas de várias marcas e idades, fabricadas entre os sçulos XIX e XX, mesas de ferro, temprizadores, diapositivos em película Kodalith
dimensões variáveis

twelve photographs on selenium toned gelatin-silver paper
155 x 105 cm each

eight magic lanterns from diffeent brands and ages, manufactured in the 19th and 20th centuries, iron tables and timers
variable dimensions

© Gabriela Carrera
© Gabriela Carrera
© Cia de Foto

Em 2012, um pequeno conjunto de negativos fotográficos de grande formato, adquirido numa ‘loja de garagem’, deu origem à série Lanterna Mágica. Os negativos a preto-e-branco retratavam paisagens naturais onde a ausência da figura humana impossibilitava ainda mais a sua datação precisa. Além disso, era possível perceber pequenas imperfeições na imagem, tais como uma dupla exposição muito sutil ou um detalhe importante sem o devido foco. O escrutínio daquelas películas meio maltratadas pelo tempo e abandono, além da ausência de qualquer ser humano ali retratado, provocava uma certa excitação, como deve ocorrer quando se ‘desbrava’ um território desconhecido. Porém, a falta da enunciação de uma história, ali, não aliviava o desconforto voyerístico, pois aquela paisagem poderia ter sido desabitada em função de alguma tragédia, ocorrida ou ainda por vir. Ao habitar a paisagem, o ser humano sempre deixa uma marca, que pode ir do extrativismo consciente e sustentável ao dano irreversível, tudo depende da intensidade ou do peso de sua presença. Porém, o anonimato daquela cena fotográfica revelava muito pouco sobre si própria, deixando para o espectador uma sensação de tempo suspenso, onde algo está na iminência de desaparecer ou acabando de se reconstituir.

No laboratório de fotografia analógica, sob lanternas vermelhas, o tempo e a luminosidade do ampliador são controlados para que a dose correta de luz atravesse a película fotográfica e projete as sombras adequadas sobre o papel emulsionado com gelatina e sais de prata e, só assim, uma boa cópia fotográfica poderá ser revelada. Há tempos sabemos que é a dose que faz o veneno. Aplicando esse adágio à prática no laboratório fotográfico, sabemos que se a luz for excessiva, a imagem será consumida pela escuridão produzida sobre o papel fotográfico, sua morte sendo revelada quimicamente. 

Na série Lanterna Mágica, cada negativo preto e branco gerou quatro imagens distintas, de acordo com a intensidade da luz de uma lanterna projetada sobre o papel fotográfico, antes do processo químico de revelação. Cada paisagem foi, portanto, parcialmente consumida quatro vezes, cada uma delas por uma mancha, ou melhor, um buraco negro, inescapável, de tamanho diferente, produzido pela exposição a uma luz intensa e pontual. Como se uma lanterna invertida, ao invés de clarear, escurecesse a paisagem para onde ela apontou, demonstrando que o veneno sempre pode ser mais fatal do que imaginamos. 

Na contramão da documentação de base digital, esse exercício visual construído dentro do laboratório fotográfico pretendia abrir caminho para a discussão sobre a ontologia da imagem fotográfica original e a construção de uma possível ponte filosófica com um breve episódio da história da humanidade (que pode estar situado entre seus primórdios ou seus estertores…), representado por fotografias banais.

A série Lanterna Mágica está formada por um conjunto de 14 fotografias realizadas em laboratório fotográfico analógico, sobre papel de fibra, à base de gelatina e sais de prata.


Rosângela Rennó, 2012/2024


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