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selected texts
projeto terra de José Ninguém, 2021
projeto eaux des colonies, 2020-2021
- eaux des colonies (les origines), 2020-2021
- eaux des colonies (en construction), 2021
aucune bête au monde, 2019
lanterna mágica, 2012
Río-Montevideo, 2011/2016
corpo extranho africano, 2011
menos-valia [leilão], 2010
matéria de poesia, 2008-2013
a última foto, 2006
apagamentos, 2004-2005
experiência de cinema, 2004
corpo da alma, 2003-2009
bibliotheca, 2002
espelho diário, 2001
série vermelha (militares), 2000-2003
cartologia, 2000
vera cruz, 2000
parede cega, 1998-2000
vulgo/texto, 1998
vulgo [alias], 1997-2003
cerimônia do adeus, 1997/2003
cicatriz, 1996/2023
paisagem de casamento, 1996
hipocampo, 1995/1998
imemorial, 1994
atentado ao poder, 1992
duas lições de realismo fantástico, 1991/2015
paz armada, 1990/2021
anti-cinema (fotogramas), 1989
anti-cinema (discos), 1989
- pequena ecologia da imagem, 1988
Seu espelho, um caleidoscópio
Her mirror, a kaleidoscopeAlém de conhecer as histórias que os arquivos e os livros contam dos sujeitos, é preciso refletir sobre as condições em que são produzidas. Isso envolve presumir o tanto de histórias que se escolheu não contar e, mais ainda, saber que ausências, abordagens e ênfases correspondem a percursos traçados por quem as escreveu e/ ou agenciou, os sujeitos da história. A autoria, geradora tanto dos discursos quanto da relevância social daqueles que a detêm, em muitos casos é praticada como uma agência oculta, ou ainda naturalizada como algo acessível a poucos, possivelmente para os mesmos donos de outras formas de poder. Exatamente por isso, ela se torna uma evidência incontornável, bem como uma instância estratégica para se reivindicar posse e cultivar outras narrativas e políticas de representação.
À história - ou às histórias, em uma perspectiva plural - cabe articular nexos para fatos já ocorridos a partir do repertório de análise a que se tem acesso. Dessa maneira, muito mais do que sobre o passado, a história versa sobre o presente, quando revisar e interpretar se tornam oportunidades tangíveis. “Pois não somos tocados por um sopro de ar que foi respirado antes? Não existem, nas vozes que escutamos, ecos de vozes que emudecem?”, perguntou-se o filósofo Walter Benjamin. A tese de um encontro entre tempos também mobilizou o crítico e historiador Salloma Salomão, que observou como, no contexto brasileiro, marcos cívicos muitas vezes reiteraram o legado de eventos predecessores, atualizando suas reminiscências e vocações.
A sobreposição de autorias, lugares e tempos é o cerne da série Operação Aranhas/Arapongas/Arapucas (2014-18), de Rosângela Rennó. Nos treze trípticos que a compõem, encontram-se fotografias feitas em três manifestações de rua emblemáticas. Em junho de 1968, no Rio de Janeiro, José Inacio Parente registrou a Passeata dos cem mil, organizada por movimentos estudantis contra a ditadura civil-militar. Em fevereiro de 1984, em Belo Horizonte, a própria artista fotografou o comício das Diretas já, principal evento de pressão popular pela redemocratização. Em junho de 2013, em São Paulo, o coletivo Cia de Foto documentou atos promovidos pelo Movimento passe livre em prol da gratuidade dos transportes. Esses eventos deflagraram uma escalada de outras manifestações conflitantes, que escancararam a drástica polarização política da sociedade brasileira atual.
Os conjuntos foram organizados para sugerir relações de continuidade entre as imagens e as memórias que advêm da participação da sociedade civil na política institucional. Uma folha de papel de seda translúcido e texturizado em relevo seco, bastante usada em álbuns antigos, recobre as imagens. Em alguns pontos, esse material é perfurado para que lentes de câmeras e filtros sejam fixados rentes às fotografias e ajudem a entrever alguns rostos destacados na multidão. Agências individuais e coletivas de cidadãos comuns são trazidas à tona e reverenciadas pelo trabalho, de modo a refutar narrativas que tentam deslegitimar seu ativismo político pelas vias da invisibilidade e da criminalização.
A obra constitui um jogo de múltiplas perspectivas, entre o que se revela, o que se oculta e o movimento dos corpos, para se colocar de modo investigativo e prospectivo diante de uma trama discursiva. [...]
MAIA. Ana Maria. Seu espelho, um caleidoscópio (excerto de texto). In Rosângela Rennó: pequena ecologia da imagem. São Paulo: Pinacoteca de São Paulo, 2021, pp. 9-35.
Besides getting to know the stories that archives and books tell about human subjects, one must reflect on the conditions in which they are produced. This involves assuming that many stories were chosen not to be told and, even more so, finding out which absences, approaches and emphases correspond to the courses plotted by those who wrote and/or acted on them, the subjects of history. Authorship, which generates both the discourses and the social significance of those who are recognized as authors, is practiced in many cases as a hidden agency or naturalized as something that only a few can have access to—if possible, the same people who hold other forms of power. This is exactly why it becomes an unavoidable evidence, as well as a strategic stance for claiming ownership and cultivating other narratives and politics of representation.
History—or histories, in a plural perspective—is (or are) made by establishing links between facts that have already occurred from the point of view of the analytical repertoire one has access to. In this way, history is much more about the present than about the past, because it opens up opportunities for revision and interpretation. “Are we not touched by a breath of air that has been breathed in before? Are there not, in the voices we hear, echoes of voices that have been muted?,” asked Walter Benjamin. The idea of a meeting between two ages was also taken up by the critic and historian Salloma Salomão, who observed that in the Brazilian context civic landmarks13 often reiterate the legacy of former events, making their memory and their calling up to date.
Overlapping authorships, places and times is the core of Rennó’s series Operação Aranhas/Arapongas/ Arapucas [Operation Spiders/Bellbirds/ Traps] (2014-18). Its 13 triptychs include photographs taken at three emblematic street demonstrations.In June 1968, in Rio de Janeiro, José Inacio Parente recorded the Passeata dos cem mil [Demonstration of the One Hundred Thousand], organized by student movements against the civil-military dictatorship. In February 1984, in Belo Horizonte, the artist herself photographed the Diretas já rally, the main event of popular pressure for redemocratization. In June 2013, in São Paulo, the Cia de Foto collective documented demonstrations organized by the Movimento passe livre [Free Pass Movement] in favor of free public transportation. These events triggered an escalation of other conflicting demonstrations, which revealed the drastic political polarization of current Brazilian society.
The sets were organized to suggest a relationship of continuity between the images and the memories they evoke of the participation of civil society in institutional politics. Images are covered by sheets of translucent textured tissue paper, commonly used in old photo albums. This material is perforated at certain points in which camera lenses and filters fixed close to the photographs offer glimpses of some of the faces in the crowd. The individual and collective agency of ordinary citizens is brought to the fore by the work and payed homage to, in order to refute a narrative that attempts to delegitimize their political activism by making it invisible and criminalizing it.
Multiple perspectives are at play in this work: what is revealed, what is hidden, and the movement of bodies that investigatively and prospectively face a discursive plot. [...]
MAIA. Ana Maria. Her mirror, a kaleidoscope (text excerpt). In Rosângela Rennó: Little Ecology of the Image. São Paulo: Pinacoteca de São Paulo, 2021, pp. 9- 35.
Texto completo
Três esquivas rumo ao arquivo de Rosângela Rennó
Three Sidesteps to Rosângela Rennó's Archive
RANGEL. Gabriela. Três esquivas rumo ao arquivo de Rosângela Rennó (excerto de texto). In Rosângela Rennó: pequena ecologia da imagem. São Paulo: Pinacoteca de São Paulo, 2021, pp. 117-127.
RANGEL. Gabriela. Three Sidesteps to Rosângela Rennó's Archive (text excerpt). In Rosângela Rennó: Little Ecology of the Image. São Paulo: Pinacoteca de São Paulo, 2021, pp. 117-127.