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A fúria contra o estranho


Textos relacionados ao trabalho


Texts linked to the work Outrage against Power

    […]  Com poucas variações, é esse também o perfil dos treze homens assassinados cujas fotografias aparecem, enfileiradas e apoiadas no chão e na parede, no trabalho Atentado ao poder, que Rosângela Rennó realizou logo em seguida à Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada em 1992, no Rio de Janeiro (ECO 92), oito anos após o fim do regime autoritário militar. Todos os treze haviam sido mortos durante as duas semanas de realização do evento, e tiveram as imagens de seus corpos publicadas originalmente na imprensa carioca, de onde a artista as coletou. Não há identificação nominal dos retratados na instalação, e tampouco as causas de suas mortes são mencionadas, embora todas tenham sido claramente violentas, podendo ser resultado de linchamentos espontâneos ou de justiçamentos deliberados. Em quaisquer dos casos, é provável que sejam produto de uma sequela social que, ainda que antiga, amadureceu e foi disseminada nos anos ditatoriais: a ideia de que seria legítima a punição extralegal de crimes quando as autoridades fossem percebidas, por cidadãos comuns ou por milícias para-policiais armadas, como lenientes ou demoradas. Acima das duras imagens, somente a expressão The Earth Summit escrita sobre a parede, referência irônica à catástrofe humana que não se dissocia dos desastres naturais discutidos naquela reunião de cúpula. Se o título do trabalho parece sugerir que a mera existência dessas fotografias deveria ser tomada como uma afronta a quem tem o dever de proteger os cidadãos inocentes e também o de respeitar os direitos constitucionais dos que pareçam ter cometido algum crime, as imagens que o compõem indicam que há forças regressivas em operação no país que resistem a qualquer tipo de controle social, mesmo em tempos de retorno a um ambiente formalmente democrático. É curioso, ademais, que Rosângela Rennó subverta a horizontalidade original das imagens ao exibi-las como parte de seu trabalho. Arranjando-as verticalmente uma ao lado da outra, altera o que é a posição esperada dos mortos e os dota de uma presença que desestabiliza os sentidos do espectador, desacomodando ao menos um pouco o olhar anestesiado de quem já quase com coisa alguma se desconcerta. […]


    DOS ANJOS, Moacir. A fúria contra o estranho. ZUM (2016). Disponível em: https://revistazum.com.br/colunistas/a-furia-contra-o-estranho/