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Rennó ou a beleza e o dulçor do presente


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Texts linked to the work Outrage against Power


    [...] A exposição Anti-Cinema (1989) partia da incorporação na obra de fotogramas achados no lixo da PUC-Rio e da moviola da ECA. A mostra era constituída por sete fotografias em grande formato, extraídas dos fotogramas de cinema, isolados em forma congelada, com a aplicação de um título dado pela artista, impresso na própria foto. Há títulos como Sonora; A Deusa da Fortuna; A Espera; A Primeira Promessa; A Última Promessa; Semeadores de Trigo; Má Notícia, cujo título deriva de uma pintura de Rodolfo Amoedo (Más Notícias, 1895, Museu Nacional de Belas-Artes) e Fugitiva; Tocata e Fuga. Em Anti-Cinema, Rennó também utilizou três instantâneos de uma tia, tirados por seu pai. Formam o tríptico Otília. Rennó impôs um movimento na ordem estática da imagem, como uma leve pulsação visual, produzida por retículas de uso em artes gráficas. Na série Anti-Cinema também se incluem quatro discos com fotografias a que se atribuíram falsos movimentos. Eram fotos para “tocar”, isto é, girar numa radiola antiga. Os quatro discos são Photographic Gun (para Muybridge e Marey), Olho de Peixe (duas mulheres em cenário de cortina de banheiro com peixinhos), Conchacustic (foto de uma concha que se parece com Anémic Cinéma) e, com seu silêncio, Sonata de Outono (uma panorâmica de 360 graus, feita de fotos emendadas como na obra do holandês Jan Dibbets). Na fase inicial do projeto de Cronofotografia do francês E. J. Marey, com as placas de fuzil automático com doze clichês (1), podem ser encontrados precedentes históricos de Rennó, sobretudo no arranjo formal de seus discos. Como um recurso cinemático, esses discos trazem a fina ironia sobre o tempo e a imobilidade da imagem fotográfica. A imobilidade da fotografia, que era um limite, passa a ser uma qualidade. O olhar contemporâneo, que se formou vendo as bolachas redondas de vinil girando no toca-discos, é capaz de fazer girar imaginariamente o disco, posto que este era o destino do objeto. Prisioneira do congelamento, a fotografia em movimento, no entanto, não será como o disco, capaz de fazer emergir mecanicamente o discurso-música. Há uma obra dessa série com o título específico de Photographic Gun. Na sequência de fotos, orientadas pela artista, o modelo saca de uma pistola para atirar. Numa delas ele olha para trás, porque na sequência ele haveria de estar atirando em si mesmo. Esta consciência do lugar da fotografia constitui-se no momento de reconhecimento do modelo. Encontra-se aqui uma certa ironia com uma das passagens de um dos mais importantes textos da teoria da fotografia, a “Pequena História da Fotografia”, de Walter Benjamin, quando comenta que “No fundo, o amador que volta para casa com inúmeras fotografias não é mais sério que o caçador, regressando do campo com massas de animais abatidos”(2). Girado um disco mudo de Rosângela Rennó produzirá uma espécie de silêncio e opacidade dolorida.  […]


        1.    Tratava-se de um mecanismo técnico, uma espécie de revólver inspirado na arma de repetição de Colt em que uma placa sensível (daguerreótipo), em rotação intermitente, é descoberta regular- mente por um disco obturador com 12 janelas, que permitem uma fotografia a cada 1,5 segundo. E. J. Mar(1830-1904), La Photographie em Mouvement, Paris, Centre Georges Pompidou, 1977,e nunca nos estudos do movimento n obra fotográfica do americano Eadweard Muybridge. 
        2.    Walter Benjamin, op. cit., p. 101. 


    HERKENHOFF, Paulo. Rennó ou a beleza e o dulçor do presente (excerto de texto). In Rosângela Rennó. Edusp: São Paulo, 1996, pp. 115-191.


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