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O espírito de Rosângela Rennó



Textos relacionados ao trabalho


Texts linked to the work Transcendental Tourist Series

    [...] A experiência de um mundo no qual fenece nossa capacidade de esperar é a mesma que nos coloca em um caldo de aceleração. Um frenesi por mudanças acompanha a corrida proposta por uma sociedade de consumo onde a ansiedade impera. Uma urgência de satisfação e uma sensação de vazio permeiam o ar. Nessa dinâmica, toda demora, também a demora da satisfação, perde seu significado, afinal, parece não haver ponto de chegada. Esse mundo em constante movimento gerou uma figura emblemática, a do turista.

    Sabemos que o turista é a figura exemplar do consumidor apressado de paisagens e culturas, sempre visando um resultado diante daquilo. Daí a necessidade de tudo fotografar e postar, mesmo que jamais tais imagens sejam revistas algum dia. O turista seria o oposto do viajante do século XIX, para o qual o percurso era mais importante do que o destino final. A grande instalação Turista transcendental, que ocupa todo o segundo andar do Oi Futuro, encarna uma mescla de ambos. Ao longo de dezenas de projeções acompanhadas de textos e áudios, somos levados a uma imersão por diferentes paisagens do mundo. Valendo-se de uma voltagem crítica que faz uso do humor e da ironia, Rennó edifica um admirável pensamento poético que se apropria da figura do turista para, a partir daí, sinalizar o que seriam novos e inauditos modos de nos relacionarmos com o tempo, o espaço, e com aquilo que é da ordem do intangível.

    O turista transcendental seria uma espécie de utopia de nosso tempo. Munidos de celulares, podemos facilmente nos somar à legião de zumbis ventríloquos na era das selfies, nos tornando parte da engrenagem sintomática que o filósofo italiano Giorgio Agamben batizou de “vida nua”. A hipótese do “turista transcendental” seria justamente o reverso disso; como diz a artista:

    O turista transcendental é, então, aquele que, ao viajar para um lugar, traz junto consigo a memória de outro lugar. No plano teórico, se sua mirada é prospectiva, funciona como se, ao contemplar o mar, se preocupasse mais em demonstrar que aquela imensidão azul é a mesma que toca todos os demais continentes. De maneira oposta e retrospectiva, seria como olhar para um seixo rolado tentando mapear todas as pedras espalhadas pelo mundo que foram nascidas da mesma rocha. Na prática, ao documentar uma paisagem exótica, ele agrega, de forma alegórica, dados pertinentes a outros povos e lugares, como se construísse entre eles pontes delicadas, multidirecionais, permitindo-se novas travessias e amalgamando tudo isso a sua própria noção de paisagem. O foco de sua câmera de vídeo é ao mesmo tempo preciso e difuso e convida a todos a imaginar experiências muito além do mundo material. [...]


    DUARTE, Luisa. O espírito de Rosângela Rennó. In Zum, 2017. Disponível em: https://revistazum.com.br/radar/espirito-de-tudo/.

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