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Seu espelho, um caleidoscópio



Her mirror, a kaleidoscope


    Uma ecologia de fotografias, pessoas, histórias, dispositivos de captura e visualização, arquivos, circuitos, gestos e jogos de poder. Uma ecologia de Rosângelas, “singulares plurais”, prolongadas em suas possibilidades e desafios de observação e espelhamento do que se pode entender por realidade, sob um ponto de vista sempre atribuído. Como ciência das relações, a ideia de ecologia traz a reboque a noção de ecossistema, cadeia de existências que estabelece vínculos entre cada ser vivo, as outras espécies, e as condições do ambiente nos quais estão inseridos. 

    A terminologia, mais comumente usada em referência à natureza, bem funciona para introduzir metodologias a partir das quais Rosângela Rennó tem lidado com as imagens do mundo. Imagens que quase nunca são produzidas num gesto fundante, num clique com autoria e origem marcadas, mas nascem à medida que são encontradas, deslocadas, articuladas e, desta maneira, ressignificadas. A constância dessas práticas no decorrer de cerca de 35 anos de carreira torna o conceito de ecologia central não só para uma revisão crítica da trajetória da artista como para a organização de sua mostra panorâmica na Pinacoteca Estação, na qual as vizinhanças entre obras realizadas em diferentes tempos e contextos ressaltam afinidades que têm entre si e persistências de temas e questões da ordem sociopolítica que acusam. 

    O recorte demonstra que toda volta ao passado cria oportunidades para refletir sobre o presente, essa instância de reencontro e elaboração em que heranças, traumas e potências do já vivido se manifestam, sempre familiares, embora sempre também de algum modo transformadas. 

    Um dos trabalhos mais antigos desse conjunto é justamente aquele que dá título à exposição: Pequena ecologia da imagem, realizado em 1988, um ano após a artista - nascida em Belo Horizonte (1962) e já arquiteta pela Universidade Federal de Minas Gerais (1986) - se formar em artes plásticas pela Escola Guignard (1987). A série parte de imagens achadas em álbuns de sua família, muitas das quais foram feitas por seu pai. As onze cenas são triviais, têm erros técnicos e carregam informações de uma domesticidade trazida à tona como tema e suporte. Com recursos de pós-produção em laboratório de fotografia analógica, Rosângela manipulou os elementos compositivos das imagens. Em uma das fotografias, que a registra criança em primeiro plano com sua irmã na praia de Copacabana, a artista escureceu as figuras. Abaixo das silhuetas, o que restou visível do retrato, escreveu de próprio punho a legenda “Mulheres iluminadas”, uma ironia e um indício de sua presença enquanto intérprete daquelas lembranças. Os comentários visuais e textuais constam em cada exemplar da série: Adeus às armas, Erro de concordância, Feixe de elétrons rumo ao século XXI, Sonho com serpentes e assim por diante. 

    Pequena ecologia da imagem estabelece um diálogo direto com a história da fotografia. Sua denominação cruza duas referências teóricas importantes para o campo. Há uma primeira alusão à “Pequena história da fotografia”, texto canônico de 1931 no qual Walter Benjamin percorreu eventos do centenário da linguagem a fim de refletir sobre suas especificidades expressivas e conjunções com práticas das vanguardas modernas. Há ainda uma resposta de Rosângela Rennó a um artigo publicado na revista European Photography em 1985, ou seja, apenas poucos anos antes da realização do referido trabalho, mas já com grande influência sobre muitos nomes de sua geração. “Information Strategies”, do artista e crítico alemão Andreas Müller-Pohle, fundamentou a perspectiva de uma “fotografia expandida”, que recusa a originalidade e a neutralidade como parâmetros para a criação fotográfica contemporânea e afirma como igualmente relevantes as instâncias de produção, distribuição e consumo. 

    Nesse espectro alargado, não apenas a imagem, mas os fenômenos, os aparatos técnicos e as conjunturas sociais que a constituem enquanto discurso tornam-se matéria artística. O excesso e a redundância de instantâneos já feitos convocam a assumir como ponto de partida justamente os resíduos: as fotografias descartadas ou consideradas desimportantes, as coleções pouco vistas, as máquinas anacrônicas, os artigos de “segunda mão”, tudo aquilo que perdura e se acumula, apesar da iminência de um fim físico e simbólico. Essa jornada da apropriação à “revitalização”, permeada por aspectos ideológicos, econômicos, psicanalíticos, entre tantos outros, Müller-Pohle chama de “ecologia da informação”.

    Ao parafrasear o autor, Rennó prefere adotar a nomenclatura “ecologia da imagem”, um termo não exatamente equivalente àquele, embora esteja contido na referência inicial, e eficaz para afirmar de forma mais explícita seu instrumento específico de intervenção. Como índice de todo um sistema de apreensão visual da realidade, a imagem - ou uma lógica imagética, também expandida para outros suportes, como textos ou objetos - é o elemento deflagrador do projeto crítico da artista. Um projeto que transita, portanto, do micro ao macro, de cada fotografia isolada às articulações e aos lugares-comuns que se pode sedimentar a partir dela ou de sua ausência, das pequenas às grandes narrativas, para exercer e instigar um olhar atento, que desconfia, provoca e se posiciona. 

    Nesse sentido, as imagens servem como pretexto, segundo Rennó, para reflexões estruturais sobre políticas das representações. Ao invés de promover uma adesão resoluta aos conteúdos formais e discursivos das fotografias que encontra, a artista opta por apresentá-las enquanto construções, ficções e, em certa medida, farsas, ainda que sejam documentais. Interessa-lhe justamente repercutir o hiato que as imagens carregam entre as nuances do real e suas reproduções técnicas, aquilo que o crítico Paulo Herkenhoff certa vez descreveu como um “abismo entre a emulsão e a celulose”. 

    Para ir ao encontro desses abismos, Rennó desenvolveu um vasto vocabulário, no qual são recorrentes a didática e a autorreferencialidade dos processos criativos, do fazer fotográfico às práticas de arquivo. Na série Insólidos (2014), por exemplo, camadas de organza de seda se somam para compor uma cena, dando-lhe espessura e vaporosidade da ordem de algo que não existe como coisa, apenas como acontecimento. Não raro, câmeras, lentes, mesas de luz, instrumentos óticos, pastas, taxonomias, etiquetas de tombo e grifos de pesquisa figuram na apresentação final das obras. Em um viés inaugurado pelos conceitualismos, essa conjunção indissociável com os dispositivos e fontes permite não apenas refletir sobre linguagem, como, sobretudo, atrelar a leitura dos trabalhos a elementos de seu universo material e performático. 

    Ações como observar, posar, guardar e lembrar ficam sempre sugeridas, de forma que podem acionar, por analogia, a memória afetiva de qualquer pessoa. Podem ainda remeter a relações e conflitos que as circunscrevem em âmbito interpessoal e também coletivo, cujo saldo é definidor de autorias, visibilidades, identidades, narrativas e contranarrativas. Quem vê? O que, quem, e como vê? Quem é visto? Quando e como poderá também repercutir sua visão? Em uma sociedade pautada por estratégias de poder retiniano, a subjetivação se dá por meio de gestos de produzir e ser produzido por imagens e de buscar, nessa lida, hipóteses sobre si, o outro e as diferenças. 

    Essa exposição panorâmica debruça-se sobre a vocação do trabalho de Rosângela Rennó para refletir sobre o papel da fotografia expandida na construção social das representações e da memória, tanto individuais quanto coletivas, tanto privadas quanto públicas, tanto presentes quanto históricas. Entre os inúmeros e profusos caminhos abertos em 35 anos de carreira, este, também vasto, perpassa a curadoria como uma espécie de fio condutor, que orientou a seleção e a articulação de cerca de 130 obras. O debate comparece desde os primeiros trabalhos e culmina em projetos inéditos, tais quais os trabalhos de 2021 Espelhos pensantes, Eaux des colonies [Águas das colônias], A imortalidade ao nosso alcance ou ainda a videoinstalação Terra de José Ninguém, comissionada pela mostra. O recorte cria oportunidades de perceber como essa preocupação é seminal e persistente na trajetória da artista, além de como seus conceitos são transformados e interpelados à medida que se fortalecem e se complexificam as pautas identitárias no Brasil. 

    Espelho diário (2001) é um dos raros trabalhos em que Rosângela Rennó somou os papéis de pesquisadora, arquivista e editora ao de atriz. Diante de uma câmera de vídeo, ela encenou pequenos monólogos baseados em biografias de 133 Rosângelas, incluindo ela própria e mulheres homônimas que identificou em matérias de jornais populares por oito anos. No campo audiovisual, fruto da parceria com a escritora Alícia Duarte Penna, o autorretrato da artista funde-se às etnografias, tornando seu corpo e sua imagem suportes para radicais disparidades. “Pelejava para se ver no espelho, una, cabeça-tronco-membros, mas qual! Qual! Eram miríades! Seu espelho, um caleidoscópio”, afirma o introito gravado pelo jornalista Cid Moreira com sua voz célebre e pomposa. 

    A presença de Rosângela Rennó traz à tona seu desejo de exercer uma agência social, evidenciando ainda mais aquilo que ela já faz quando atua apenas nos bastidores, nas engrenagens, nos abismos. Essa mesma presença, contudo, ajuda a continuar pensando que o hábito de agenciar, ou seja, de deflagrar processos articulando alteridades, não pode existir desatrelado do exercício de se perceber e implicar como feixe de leitura. Esse e outros trabalhos da artista prestam lições fundamentais sobre o fato de que tanto espelhos ampliam seu alcance em visões caleidoscópicas, quanto caleidoscópios exigem a posição política e ética de se autoespecular. 

    HISTÓRIAS DE SUJEITOS
    Dos álbuns e coleções de família e amigos, predominantes nos primeiros anos de carreira, Rennó passou a recorrer a novas fontes, com as quais não possuía vínculo pessoal, mas nas quais tinha e segue tendo um interesse antropológico. No início dos anos 1990, quando se mudou de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro, a artista adotou a rotina de frequentar feiras, sebos e estúdios fotográficos da rua da Carioca, no centro da cidade, em busca de material obsoleto ou inutilizado. Achou milhares de negativos de fotografias 3x4 descartados e começou a produzir a partir desses rostos desconhecidos e do lugar de anonimato que lhes é forjado, entre o ato do retrato, a circulação e a guarda. 

    Duas lições de realismo fantástico (retratos) (1991) constitui-se a partir de um fragmento monumentalizado dessa coleção. Ampliadas com 1m de altura (e não mais com 4cm, como de costume), as 33 fotografias ganharam escala para dar visibilidade aos detalhes das fisionomias puídas pelo tempo e pelo esquecimento e situá-las em um lugar simbólico de aparição. Todavia, tanto as poses endurecidas, características de documentos de registro civil, quanto a decisão da artista de montá-las justapostas, reforçam a metáfora de uma malha institucional (o Estado, o capital, a história oficial) que acomoda e aniquila as individualidades, tornando cada sujeito número de estatística. A coleção de fotografias 3x4 suscitou outros trabalhos potentes para se pensar paridades entre práticas de identificação e controle. É o caso de A Bela e a Fera (1992) e Primários (1992), que reproduzem os retratos em caixas de luz cujos elementos formais sugerem estereótipos. 

    Todo um repertório normativo que pululava daquela coleção informal e privada muniu a busca de Rosângela Rennó também pelos arquivos públicos, em que se poderia ver o papel de instituições como o Estado ou a imprensa enquanto mediadores de representações e histórias de sujeitos. Em 1995, a artista teve acesso a um conjunto de mais de 15.000 negativos fotográficos de vidro pertencentes ao Museu Penitenciário Paulista, localizado na Penitenciária do Estado de São Paulo, no complexo do Carandiru. Iniciados em 1915 pelo setor de Psiquiatria e Criminologia, os registros tinham a finalidade de recensear a população carcerária masculina. Neles, a fotografia cumpre uma missão afim à da arquitetura panóptica da prisão: vigiar por meio de um plano de visão total. A abundância imagética não blinda nem os detentos nem seus retratos da invisibilidade social. Pelo contrário, ajuda a produzi-la como decorrência dos estigmas do confinamento. 

    A intervenção de Rennó sobre o imaginário desse arquivo é sutil, porém, bastante eloquente. Em Cicatriz (1996), ela retoma um grupo de imagens feitas diante de fundo neutro, sempre muito de perto, de modo a capturar detalhes dos corpos seminus dos presos, sobretudo torços e braços. A fragmentação dos retratos e a exclusão dos rostos culmina em uma representação objetificada. No entanto, o contexto narrativo articulado pela artista aguça a percepção do que tange aos sujeitos na construção das identidades. Por exemplo, as tatuagens aparecem como uma estratégia de singularização, uma escrita de si que resiste à despossessão do próprio corpo no regime disciplinar da cadeia. De maneira similar, os apelidos reunidos em Vulgo/ texto (1998) reivindicam o direito à autodeclaração. Essa obra se relaciona diretamente com a série Vulgo (1997-99), que amplia em grande formato fotografias de cabeças dos detentos, majoritariamente vistas pela parte de trás. Enquanto essa documentação criminal os indistingue, uma lista de apelidos - como Dente de lata, Diabo louro, Marcinho Maluco e Mão Santa -, projetada logo ao lado, em um pequeno aparato autoportante, os retira do anonimato, desfazendo a premissa inaugural da desumanização. 

    Se a linguagem abriga doses de violência amortizadas pela rotina, é nela que convém cavar brechas possíveis para se praticar denúncia, por meio do simples gesto de modificar ou suspender signos habituais. Com o intuito de descondicionar narrativas, Rosângela Rennó assumiu o jornalismo como mais um campo de pesquisa. Durante a Eco-92, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, sediada no Rio de Janeiro em junho de 1992, a artista acompanhou a pauta de jornais populares com linha editorial sensacionalista. Aquelas páginas seguiram veiculando predominantemente coberturas policiais, a despeito do evento, que ganhou pouca repercussão. 

    Rennó selecionou treze imagens de assassinatos publicadas naquele período, uma em cada dia. Todas documentavam de forma explícita um local de crime, onde figuram em primeiro plano cadáveres de homens e mulheres estendidos no chão. A instalação Atentado ao poder (1992), originada dessa sequência, apresenta uma composição em duas alturas que emula uma hierarquia social das notícias. No nível dos olhos, um letreiro adesivo estampa, com distinção de manchete, o termo “The Earth Summit” [A cúpula da Terra], uma menção à conferência e à sua audiência internacional. No rodapé da parede, portanto, bem abaixo, as fotografias dos tabloides são apoiadas lado a lado. Posicionadas na vertical, elas ratificam a tradição do retrato e refutam o formato horizontal geralmente usado em pautas desse gênero. Ao espacializar esses elementos, a artista situa a tensão desmedida entre as lutas para dignificar as vidas da população preta e pobre frente à “necropolítica” vigente no país, responsável por subjugar suas existências e as atrelar a narrativas de delito e morte. A experiência da obra é intensificada por lâmpadas de tubo verdes que saem de trás das imagens, gerando um halo, uma aura, ou simplesmente uma zona de contraluz, que abarca sensações físicas e metáforas de ofuscamento e cegueira diante do horror. 

    Luzes e textos descritivos emulam atributos do fotográfico, mas, sobretudo, existem para afirmar e significar a ausência da fotografia. A opção por não mostrar certas imagens desponta como uma tentativa de quebrar um estado de anestesia e voltar às bases de uma política do olhar. Eis o raciocínio deflagrador do Arquivo Universal (1992-), o projeto mais longevo de Rennó, que, ainda em curso, aproxima-se de seus trinta anos. Nesse período, a artista tem constituído uma larga coleção de matérias de jornais que inserem, na descrição de histórias pessoais, referências à fotografia. Seu filtro capta passagens diversas, como “Os funcionários da Funai ficaram revoltados com o descaso da empresa, que enviou apenas uma relação de nomes, sem fotografias” ou “a mulher indiana, V., tirou de sua roupa a foto encardida”. Cada relato é diagramado para ganhar uma visualidade específica e tornar-se uma espécie de imagem mental, o que Rennó chama de “imagem latente”. Há diagramações simples, que promovem um ruído de fruição pelo simples fato de estarem em paredes, onde se costuma exibir obras pictóricas. 

    Há ainda a concepção de um ambiente imersivo para textos do Arquivo Universal em Hipocampo (1995-98). A instalação requer uma sala completamente fechada e dotada de um temporizador de luz. Quando iluminado por refletores potentes, o espaço parece vazio, apenas pintado do chão ao teto em um tom de amarelo. Quando o mecanismo é acionado, de minuto em minuto, o escuro revela existir, camuflada nas paredes e colunas, uma série de textos perspectivados com pigmento fosforescente, igualmente amarelado, mas reagente à luz. O hipocampo, parte do cérebro humano que dá nome à instalação, é responsável por organizar a memória, além de regular as emoções e comportamentos. Ao promover a experiência de um instante de aparição, seguido por um hiato propício à falta e à formulação, a obra procura demonstrar justamente a lembrança como um fenômeno que acontece entre a fisiologia dos corpos e sua exposição às vivências e aos enunciados. 

    Como tecnologia de captura ocular do instante, a fotografia bem se adequa a essa acepção fenomenológica e em certa medida virtual dos ritos geradores de memória. Em contrapartida, seus usos, sobretudo mas não somente na era analógica, recobram processos de significação e valoração que se dão na materialidade. Logo, a saudade, o apego, a pista e a prova exigem que a fotografia se mantenha física, ao alcance das mãos ou bem guardada em lugares de afeto, pois presume-se que a imagem, uma vez fixada na emulsão e na ausência muitas vezes irreversível do instante original, deixa de ser apenas índice e se torna metonímia da realidade. 

    Em Corpo da alma (2003-09) e Corpo da alma (o estado do mundo) (2006-09), o ato de colecionar citações à fotografia na imprensa desloca-se do universo dos textos e volta-se a um gênero recorrente no fotojornalismo diário em diversas partes do mundo. São imagens em que figuram pessoas segurando retratos impressos de líderes religiosos ou principalmente de familiares ou amigos desaparecidos. O gesto nunca é despropositado: ele envolve apontar diretamente para a câmera, como se assim se pudesse lançar um apelo. Entre fotografias - as que sustentam e as que as documentam em sua busca -, essas pessoas tomam posse dos códigos de aparição para reivindicar sua própria existência e a de seus entes queridos, a despeito da iminência de morte física ou simbólica enquanto imagem. Como uma terceira camada, a reprodução reticulada e em grandes proporções que a obra faz desses originais não desmancha, e sim potencializa, suas tensões. Torna-os mais uma vez imagem, repetição de um atestado de finitude, apesar da promessa de transcendência. Por outro lado, ratifica a inteligência política daqueles que ocupam brechas possíveis para disputar a memória social e, só assim, salvaguardar suas memórias pessoais do total apagamento. 

    É lógico que, em um país como o Brasil, o sentido de disputa, que é inerente à vida e às relações de alteridade, ganha contornos drásticos, advindos de uma conjuntura de extrema desigualdade socioeconômica, acompanhada da ineficiência das instituições políticas e jurídicas para refrear a concentração de renda e garantir direitos básicos a toda a população. Esse quadro exige que se parta de marcos claros de gênero, mas principalmente de raça e classe, para analisar dinâmicas formadoras de identidade, representação e memória. Convém escrutinar como esses marcadores ramificam o próprio conceito de memória, além de outros, como autoria, anonimato, originalidade, transcendência, apropriação e fantasmagoria, caros às histórias da fotografia, da arte e das humanidades, às quais se endereça a pesquisa de Rosângela Rennó. 

    A relatividade semântica ainda afeta conceitos de um vocabulário político, como as noções de público e privado, a todo tempo presentes nos modos com que a artista comenta questões estruturais da sociedade contemporânea, sobremaneira a brasileira. São públicos os corpos e imagens daqueles que já detêm poder político e econômico, mas também, em espectro radicalmente oposto, os daqueles que vivem em situação de vulnerabilidade, sobre os quais as instituições de controle tentam sedimentar narrativas disciplinares: moradores de rua, jovens negros, encarcerados, trabalhadores, pessoas com identidades dissidentes etc. 

    Enquanto esses imaginários públicos embutem violências, seja decorrentes do exercício do poder, seja da sujeição ao mesmo, o âmbito privado abarca narrativas sobre indivíduos munidos de aparente livre arbítrio para se expor ou se resguardar. Obras como Private Collection [Coleção privada] (1992-95) e Parede cega (2000) mobilizam, respectivamente, subtextos sobre interdições e subtrações poéticas em acervos fotográficos de família. Carregam pistas de uma domesticidade dominante em sua realidade material e em sua condição autorreflexiva, dada a paridade entre fontes e perspectivas de interpretação. A opção de não mostrar existe e essa decisão cabe apenas aos diretamente envolvidos, sem ferir nem tampouco invisibilizar sua existência. Ambos os trabalhos não versam sobre essas questões, mas ajudam a pensá-las. A privacidade e tudo aquilo que se pode enunciar a partir dela - como a visada colecionista ou o relato íntimo em primeira pessoa - não acontecem desatrelados da posse patrimonial e de uma lógica patrimonialista, o que sinaliza a seletividade dos direitos civis no país pelo viés de um recorte de classe. 

    Um dos poucos projetos de apropriação fotográfica que Rosângela Rennó realizou sobre pessoas que ou detêm ou performam distinção socioeconômica é a série Vermelha (militares) (2000-03). Trata-se de uma etnografia do poder, que desloca o olhar antropológico para os corpos hegemônicos com o objetivo de os escrutinar e lançar sobre eles premissas de alteridade. O ponto de partida são dezesseis fotografias de adultos e crianças, todos do gênero masculino, trajando uniformes militares. Reproduzidas a partir de álbuns encontrados em sebos ou em coleções pessoais, essas imagens sofreram intervenções da artista e foram ampliadas a tamanho próximo à escala humana. 

    Por trás dos personagens centrais, é marcante o vislumbre de algum traço de paisagem, ao invés dos fundos neutros, tão próprios das fotografias de registro civil. Esses são retratos de recordações, que vinculam a tarefa de representar indivíduos à de repertoriar suas vestes, poses, lugares e hábitos de lazer no momento específico do retrato. Nessa situação em que a contextualidade imagética e identitária parece constar como um privilégio de classe, é possível analisar, apesar das especificidades, o desejo afim dos retratados de se caracterizarem para justificar uma posição de superioridade na hierarquia social. Assim, as cenas escolhidas servem como indicativo de um universo muito maior e de uma mentalidade a partir da qual ser fotografado como um oficial militar supostamente agrega a esses indivíduos insígnias de bravura e poder. 

    As cenas não se restringem ao Brasil, mas aqui acionam com assombro o legado de autoritarismo que governos militares tiveram e têm como marca. Ao trauma das mais de duas décadas de um regime ditatorial, entre 1964 e 1985, soma-se a revolta diante da gestão de Jair Bolsonaro, capitão reformado e presidente da república desde 2019, responsável pelo desastre humanitário, sanitário, ambiental e institucional em que o país se encontra. Como um ciclo sem fim nem reparação, os crimes da ditadura foram anistiados; a Comissão Nacional da Verdade, dedicada a apurá-los, foi concluída sem grandes desdobramentos em 2014; e o atual presidente, então deputado federal, na votação que culminou no impeachment de sua antecessora Dilma Rousseff, homenageou Carlos Brilhante Ustra, coronel e reconhecido torturador, inclusive da presidenta em vias de afastamento. Face a esse histórico, que sentimentos provoca a apologia sistemática ao gestual militarista em fotografias cotidianas e banais? 

    A intervenção de Rennó é muito anterior a esses últimos eventos, mas brinda o momento presente com uma crítica contundente e atual. Por meio de ferramentas de edição digital, a artista aplicou uma veladura avermelhada sobre todas as imagens. As figuras se fundem quase por completo à camada espessa de cor, resultando em monocromos tanto impactantes quanto insólitos. Na qualidade de símbolo, o vermelho traz a alusão inevitável a sangue e violência, além de remeter, possivelmente em segunda instância, ao comunismo, ideário político a que os militares de ontem e de hoje fizeram e fazem uma oposição anedótica. Na qualidade de matéria, por sua vez, essa cor proporciona a opacidade necessária para se quebrar o sistema de crenças gerado pelas imagens e mais uma vez acessá-las enquanto construção ou já reconstrução. 

    SUJEITOS DA HISTÓRIA
    Além de conhecer as histórias que os arquivos e os livros contam dos sujeitos, é preciso refletir sobre as condições em que são produzidas. Isso envolve presumir o tanto de histórias que se escolheu não contar e, mais ainda, saber que ausências, abordagens e ênfases correspondem a percursos traçados por quem as escreveu e/ ou agenciou, os sujeitos da história. A autoria, geradora tanto dos discursos quanto da relevância social daqueles que a detêm, em muitos casos é praticada como uma agência oculta, ou ainda naturalizada como algo acessível a poucos, possivelmente para os mesmos donos de outras formas de poder. Exatamente por isso, ela se torna uma evidência incontornável, bem como uma instância estratégica para se reivindicar posse e cultivar outras narrativas e políticas de representação. 

    À história - ou às histórias, em uma perspectiva plural - cabe articular nexos para fatos já ocorridos a partir do repertório de análise a que se tem acesso. Dessa maneira, muito mais do que sobre o passado, a história versa sobre o presente, quando revisar e interpretar se tornam oportunidades tangíveis. “Pois não somos tocados por um sopro de ar que foi respirado antes? Não existem, nas vozes que escutamos, ecos de vozes que emudecem?”, perguntou-se o filósofo Walter Benjamin. A tese de um encontro entre tempos também mobilizou o crítico e historiador Salloma Salomão, que observou como, no contexto brasileiro, marcos cívicos muitas vezes reiteraram o legado de eventos predecessores, atualizando suas reminiscências e vocações.

    A sobreposição de autorias, lugares e tempos é o cerne da série Operação Aranhas/Arapongas/Arapucas (2014-18), de Rosângela Rennó. Nos treze trípticos que a compõem, encontram-se fotografias feitas em três manifestações de rua emblemáticas. Em junho de 1968, no Rio de Janeiro, José Inacio Parente registrou a Passeata dos cem mil, organizada por movimentos estudantis contra a ditadura civil-militar. Em fevereiro de 1984, em Belo Horizonte, a própria artista fotografou o comício das Diretas já, principal evento de pressão popular pela redemocratização. Em junho de 2013, em São Paulo, o coletivo Cia de Foto documentou atos promovidos pelo Movimento passe livre em prol da gratuidade dos transportes. Esses eventos deflagraram uma escalada de outras manifestações conflitantes, que escancararam a drástica polarização política da sociedade brasileira atual. 

    Os conjuntos foram organizados para sugerir relações de continuidade entre as imagens e as memórias que advêm da participação da sociedade civil na política institucional. Uma folha de papel de seda translúcido e texturizado em relevo seco, bastante usada em álbuns antigos, recobre as imagens. Em alguns pontos, esse material é perfurado para que lentes de câmeras e filtros sejam fixados rentes às fotografias e ajudem a entrever alguns rostos destacados na multidão. Agências individuais e coletivas de cidadãos comuns são trazidas à tona e reverenciadas pelo trabalho, de modo a refutar narrativas que tentam deslegitimar seu ativismo político pelas vias da invisibilidade e da criminalização. 

    A obra constitui um jogo de múltiplas perspectivas, entre o que se revela, o que se oculta e o movimento dos corpos, para se colocar de modo investigativo e prospectivo diante de uma trama discursiva. Isso acontece com frequência na trajetória de Rennó, haja vista o dilema visual da série Vermelha ou ainda as proposições de Espelhos pensantes (2021). Esta última é feita com inscrições de textos curtos sobre espelhos circulares, alguns planos, outros curvos. No âmbito de uma mostra panorâmica, uma das funções da série, desmembrada em diferentes salas, é remeter a trabalhos vizinhos e interpelar seus enunciados originais. Outra função é a de franquear exercícios simples de subjetivação política aos públicos visitantes, por meio da criação de diferentes situações para desconstruir paradigmas de verdade e verossimilhança. Defronte dos Espelhos pensantes, cada pessoa é convidada a se tornar ponto de espelhamento e dúvida, protagonista de discursos críticos, agente reflexivo em ambos os sentidos do termo. 

    É na escala desses sujeitos, de qualquer indivíduo munido de consciência sobre as implicações de seus pequenos gestos, que se aquecem utopias de intervenção em grandes narrativas. Existe um elo de consequencialidade entre opostos: o presente dos indivíduos e o passado sedimentado enquanto história oficial. Isso se dá não só pelo poder de influência dessas estruturas dominantes na vida cotidiana, mas porque só revisando-as em sentido reverso se consegue transformar o cotidiano em suas possibilidades. Em um país como o Brasil, o colonialismo é a matriz histórica que fundamenta violências epistêmicas, ambientais e raciais até hoje vigentes. Sua perpetuação enquanto lógica social apoia-se em documentos e discursos considerados basilares e, por isso, supostamente irrefutáveis. Assim, requalificar esses testemunhos desponta como ferramenta para romper com suas heranças. Isso ocorre em Vera Cruz (2000), em que Rosângela Rennó forjou um registro audiovisual da chegada dos primeiros portugueses no litoral brasileiro. O tempo teria apagado da película a imagem e parte do som, restando apenas o barulho do mar e diálogos transcritos em legendas. Uma vez que as câmeras de fotografia e filme estavam longe de serem inventadas em 1500, trata-se de fato de um documentário impossível, uma ficção de documentário. Essa torção entre gêneros, no entanto, volta-se para outra direção, isto é, leva a perceber a carga subjetiva, imaginária e, portanto, até certo ponto ficcional, daquilo que se apresenta como documento histórico. Entre o que a carta de Pero Vaz de Caminha relatou para a Corte portuguesa e tudo o que ocorreu naquela invasão, por muito tempo chamada de descobrimento, há uma distância considerável, que, apesar de a historiografia povoar com estudos e versões, nunca poderá superar por completo, justamente por se tratar de ciência de apuração interpretativa e especulativa. 

    Os objetos de época atravessam o tempo como vestígios parciais das realidades que os abarcaram, enquanto também acumulam narrativas e imaginários só depois convencionados. Também em 2000, quando o marco dos 500 anos da chegada dos portugueses reavivou um ambiente de debate, Rennó produziu Cartologia. A instalação cria uma alegoria do Brasil colonial a partir da articulação de elementos simbólicos, alguns históricos e outros contemporâneos. Sua base é feita com fotografias de detalhes de peles de diferentes tonalidades sobrepostas umas às outras. No topo do conjunto, uma mesa de estilo império apoia um álbum robusto, cuja capa contém o mapa do país feito em marchetaria com sete espécies de madeiras nativas. A hierarquia desse empilhamento representa de forma esquemática como o colonialismo fundou uma ideia de Brasil baseada na espoliação de recursos e na exploração de trabalho de indígenas e, principalmente, de africanos escravizados. A alegoria, pois, abarca o fruto do extrativismo sem remeter à floresta enquanto fonte; aborda a força produtiva, mas prescinde de detalhar identidades. 

    Para além de serem ocasionais, as omissões que a artista repercute, como algo recorrente nos documentos da história colonial, dizem respeito ao controle narrativo exercido no intuito de evitar representações que pudessem fomentar o desejo de emancipação. Por exemplo, os retratos de cidadãos comuns eram evitados, a não ser no contexto de etnografias e pesquisas científicas financiadas pela Coroa com finalidade recenseadora e, consequentemente, de dominação. 

    As condições dessa retratística convocam Rosângela Rennó a desenvolver trabalhos como Seres notáveis do mundo (2014-21), iniciado durante uma residência em Las Palmas, nas Ilhas Canárias, Espanha. Foi ali, no El Museo Canario, que a artista teve acesso à coleção de mais de sessenta bustos em gesso encomendados pelo frenólogo francês Pierre Marie Alexandre Dumoutier, integrante de expedição de pesquisa ao Polo Sul e à Oceania entre 1837 e 1840. Com essa técnica tridimensional, peculiar diante das etnografias mais difundidas em desenho, pintura ou gravura, o frenólogo registrou tipos humanos em diversos lugares, inclusive no Brasil. Os moldes foram feitos diretamente no rosto ou a partir de máscaras mortuárias, no caso de pessoas já falecidas. Cada escultura recebeu em sua base uma plaquinha com o nome e a origem dos retratados. 

    Por estarem identificados, esses sujeitos alcançaram o requisito da “notabilidade” a que Rennó se refere, com ironia, no título de sua obra. Duas exceções do conjunto inteiro de fato tiveram reconhecidas trajetórias: o filósofo Jean-Jacques Rousseau e o paleontólogo Georges Cuvier. Todos os outros, no entanto, viveram subalternizados e receberam essa menção pontual em um arquivo histórico. A artista fotografou os bustos brancos e os imprimiu em folhas de papel marmorizado. Isso provocou uma espécie de mimetização entre figuras e fundos, efeito que atenuou as presenças e recobrou uma tendência existente, embora que velada no acervo original, de delimitar identidades para salvaguardar a hegemonia geopolítica daqueles que as produzem enquanto representação. 

    As contranarrativas parecem demandar outras estruturas discursivas, capazes de existir à revelia das instâncias de poder ou cooptando-as com senso tático suficiente para compensar a inequidade de forças. A mesma viagem às Canárias introduziu Rennó ao silbo gomero, uma linguagem existente na ilha La Gomera desde antes da chegada dos espanhóis, no século XIV. Trata-se de uma comunicação apenas oral, feita por meio de assovios, que resistiu à colonização e virou patrimônio cultural do país. A artista acercou-se do fenômeno e se propôs a mediar uma tradução entre silbo gomero e a língua tupi, uma ponte entre duas culturas indígenas autóctones. 

    Para tanto, selecionou palavras e expressões tupi no Arte da gramática da língua mais falada na costa do Brasil, o primeiro livro aqui publicado, em 1595, pelo padre jesuíta José de Anchieta, espanhol nascido nas Canárias. O material foi gravado em áudio por especialistas em tupi antigo e enviado para que o “silbador” Olivier Escuela o escutasse e traduzisse. O vídeo Método básico de assovio gomero-tupi (2014-16) demonstra o resultado desse processo. Na beira da praia, Rennó escreve em tupi na areia, a quem Escuela imediatamente responde em gomero. Ao som dos assovios, mistura-se o barulho do oceano Atlântico, principal eixo do colonialismo, que manteve esses povos geograficamente distantes, embora fossem tão próximos não apenas do ponto de vista das histórias de violência, mas também de resistência. 

    De ritual de devoração do inimigo à metáfora de incorporação de traços de alteridade, o canibalismo subjaz como uma maneira de disputar narrativas e enfrentar heranças do pensamento colonial. “Só me interessa o que não é meu”, declarou o Manifesto Antropófago de 1924, abrindo um flanco de práticas no contexto da arte moderna que se desdobram ainda na contemporaneidade. Um dos projetos mais recentes de Rosângela Rennó vai nessa direção e se presta a canibalizar a própria ideia de colônia, dando visibilidade à origem do termo e a como seus usos o impregnam de conotações geo-políticas. Eaux des colonies [Águas das colônias] (2021) divide-se em duas partes. Les origines [As origens], a primeira, consiste em um dossiê em construção sobre a história da água de Colônia, que passou de elixir mágico a sinônimo para qualquer tipo de perfume. 

    Essa história coincide com o crescimento das rotas mercantis na Europa e, por isso, carrega o espírito expansionista que está no cerne do colonialismo. Inventada na Europa no século XVII, na Itália, sob a designação de Aqua Mirabilis, a fórmula foi levada para a cidade de Colônia, Alemanha, importante entreposto comercial na época. Ali, também passou a ser produzida e foi rebatizada por soldados franceses como Eau de Cologne. A água de Colônia tornou-se objeto de desejo e começou a ser falsificada em diversos lugares da Europa e, logo, do mundo. Para além de uma discussão sobre autorias, as cópias correspondem à busca por pertencer a um estrato social por meio da reprodução de hábitos de consumo. Ao mesmo tempo, elas também demonstram a importância da lógica pirata, que viabiliza o acesso a esses lugares de desejo a partir da quebra de patentes e da reinvenção de centralidades. 

    A obra reúne fatos importantes dessa história em uma extensa linha do tempo, na qual se pode perceber a mescla de fontes físicas e virtuais, notas editoriais manuscritas em post-it e carimbos de indexação dos conteúdos, além de lacunas inerentes a uma pesquisa em andamento. O gesto de canibalização da artista se deu na medida em que ela promoveu um desvio de narrativa. No decorrer da leitura, logo se percebe que contar a história do produto virou um pretexto para falar sobre modelos de colonização. 

    O dossiê culmina na segunda parte do projeto, En construction [Em construção], que deflagra um processo de identificação de águas das colônias, não uma, mas muitas, diversas, plurais, fruto de outras agências e protagonismos. Sobre uma base retangular branca, marcada com um corte ao meio que remete à Linha do Equador, são posicionadas 207 garrafas de vidro, cada uma correspondente a um país que já foi colonizado. Os tamanhos dos frascos são proporcionais à extensão dos territórios e
    sua distribuição na base remonta à sua localização no mapa mundi. Para fazer uma água de colônia, costuma-se usar cerca de 94% de base alcoólica e a essência ocupa o percentual restante. A instalação apresenta as garrafas preenchidas apenas com o álcool. Em texto, a artista informa sobre essa falta crucial no conteúdo e, ainda assim, convida a admirar a incompletude como um estado de espera. Rennó pretende realizar uma enquete com pessoas naturais das ex-colônias em questão e pedir-lhes que respondam à pergunta: “qual aroma melhor define hoje o seu país?”. 

    Essas escutas reservam a definição de traços ou essências de identidade aos sujeitos e a suas comunidades, nunca a terceiros. Nelas e em outras dinâmicas afins estariam os caminhos para suspender representações políticas que mantêm intactas as cartografias do poder. Ou seja, nelas estariam as chances de, pelo contrário, defender o estabelecimento de políticas representativas que devolvam acento e voz a quem a história colonial silenciou. 

    O pensamento decolonial evidenciou que é insuficiente a reescrita de narrativas pelo viés descentrado e diaspórico, como defendiam as teorias pós-coloniais, caso não se debrucem sobre esses fatores condicionantes. São necessárias presenças concretas de corpos ora subalternizados para transformar as estruturas de fala, memória e sociabilidade e fazê-las abarcar suas existências. 

    Ocorridos entre os anos 1980 e a atualidade, esse debate e a virada epistemológica que acarreta são contemporâneos, no Brasil, a uma sucessão de eventos orientados pelo ideal de justiça social, como a reconquista de direitos civis, mediante a Constituição de 1988; a implementação das cotas raciais em universidades (2003); ou mesmo a erradicação da fome (2014). No entanto, e justo por isso, o período também abarcou, por entropia, o fortalecimento de uma agenda conservadora, imbuída, por exemplo, de fazer ferrenha oposição a pautas ligadas aos direitos humanos, tais quais o aborto e a ideologia de gênero. 

    Da abertura à crise democrática em que hoje o país se encontra, o que parecia ser processos com potencial para reformar as bases da sociedade brasileira, comprovou-se ser apenas mais uma janela histórica. Essa circularidade, na qual a “ferida colonial” não se cura, e sim volta a sangrar, decorre de uma dinâmica em que pactos sociais são estabelecidos e logo quebrados, sem dúvidas devido à sua fragilidade. Em um momento de profunda distopia, retornar a essas janelas permite refletir sobre o que as levou à falência, enquanto também permite reacender as vocações que tinham e ainda podem ter pulsantes. 

    Do reencontro com o imaginário da redemocratização deflagrado em meados dos anos 1980, Rosângela Rennó extraiu o trabalho comissionado para esta mostra na Pinacoteca Estação. A artista ganhou de um professor universitário uma coleção quase completa de slides, fitas e manuais que compunham um material audiovisual de ensino para jovens e adultos. Os kits foram concluídos por volta de 1986 e são fruto de uma parceria entre editoras e alas progressistas da Igreja Católica, como as Comunidades Eclesiais de Base e as Pastorais da Terra e da Juventude do Brasil, cuja atuação desde o período da ditadura envolvia não só disseminar preceitos cristãos, mas também promover uma pedagogia politicamente emancipatória, como proferia o educador Paulo Freire. As aulas perpassavam tópicos de “Estudos de problemas brasileiros”, parte do currículo escolar àquela altura, com linguagem simples e rica em humor, ilustrações e referências ao cotidiano do trabalhador, tendo em vista motivá-lo a sair de um estado de alienação e a participar da vida pública. 

    Rennó restaurou esse material e o utilizou para criar uma nova narrativa, o que pressupôs reordenar os slides; entremeá-los e sobrepô-los com imagens de arquivos contemporâneos, como o Mídia Ninja ou o #rioutópico (em construção) (2017), de sua autoria junto com jovens fotógrafos da periferia do Rio de Janeiro. Ainda agregou ao material outra locução e uma trilha sonora do coletivo O Grivo. Terra de José Ninguém (2021) resulta em uma videoinstalação com quatro capítulos, a serem sincronizados dois a dois. Entre os demais, dedicados a abordar as incertezas, a questão agrária, e o futuro, o primeiro assume um papel central, por caracterizar um personagem, ao mesmo tempo um sintoma do meio social e um potencial agente crítico. Seja “Zé Ninguém”, como sinal da falta de posses ou reputação, na gíria popular; seja “José Ninguém”, como pista de uma dignidade ou diferenciação exigida, o fato é que se trata de alguém cuja identidade individual abarca, no exercício da artista, o cerne de enunciações coletivas, de país e de sociedade. 

    Tão particular, embora tão genérico, esse personagem também se porta diante do espelho para refutar a história como narrativa de exclusão e usufruir de seu direito inalienável à cidadania e à memória. Nesse projeto de educação política para o qual toda a trajetória de Rosângela Rennó presta sua contribuição, cabe a cada pessoa especular-se não para encontrar uma imagem, mas para exercê-la, em um percurso de enfrentamento e busca que começa pelo olhar e exige o corpo, o tempo e as relações - ou melhor, as ecologias. 


    MAIA. Ana Maria. Seu espelho, um caleidoscópio. In Rosângela Rennó: pequena ecologia da imagem. São Paulo: Pinacoteca de São Paulo, 2021, pp. 9- 35.
    An ecology of photographs, people, stories, devices for capture and visualization, files, circuits, gestures and power games. An ecology of “plurally singular” Rosângelas, extended in their possibilities and in the challenge of observing and mirroring that which— from a point of view that is always assigned—can be understood as reality. As a science of relationships, the idea of ecology entails the notion of an ecosystem, a chain of existences that establishes links between each living being, other species and the conditions of the environment they are part of. 

    This terminology, more commonly used in reference to nature, is quite fitting to introduce the methodologies Rosângela Rennó has been using to deal with images of the world. These images are almost never produced by a founding gesture, a click with an assigned origin and authorship, but rather come to life in the course of being found, displaced, articulated and thus re-signified. The constancy of these practices over the course of her 35-year career makes the concept of ecology not only central to a critical review of the artist’s trajectory, but also to the organization of her retrospective exhibition at Pinacoteca Estação, in which juxtaposed works produced in different times and contexts highlight the affinities they have among themselves and the persistence of topics and issues in the sociopolitical order they denounce. 

    The choice of works for the exhibition and the way they are set up shows that every look back to the past creates an opportunity to reflect on the present, a locus for reunion and reflection, where the legacies, traumas and powers of the past are manifested as something that is always familiar, but also transformed somehow. 

    One of the earliest works in this set is precisely the one that names the exhibition: Pequena ecologia da imagem [Little Ecology of the Image], made in 1988, one year after the artist—born in Belo Horizonte (1962) and having already graduated as an architect at the Federal University of Minas Gerais (1986)—graduated in fine arts at Escola Guignard (1987). The series is based on photographs found in her family albums, many of which were taken by her father. The eleven scenes are quite trivial and technically defective, and they have a homely quality that is brought up as a theme and a prop. With post-production resources in an analog photo lab, Rosângela manipulated the images’ compositional elements. In one of the photographs, which shows her and her sister (as children) in the foreground on Copacabana beach, she darkened the figures. Under the darkened silhouettes that remained from the original portrait, she wrote in her own handwriting the caption “Mulheres iluminadas” [Enlightened women], an irony and an indication of her presence as an interpreter of those memories. Visual and textual commentaries appear in every single work of the series: Adeus às armas [Farewell to Arms], Erro de concordância [An Error in Agreement], Feixe de elétrons rumo ao século XXI [Electron Beam Towards 21st Century], Sonho com serpentes [Dream of Snakes], and so on. 

    Pequena ecologia da imagem establishes a direct dialogue with the history of photography. Its name alludes to two important theoretical references in the field. The first allusion refers to “Little History of Photography,” a 1931 canonical text in which Walter Benjamin explored the events that commemorated one hundred years of photography in order to reflect on the expressive uniqueness of the medium and its concurrence with certain practices of the modern avant-garde. Rosângela Rennó also responds to an article published in the European Photography magazine in 1985, i.e., only a few years before the series was made, which had already had great influence on many names of that generation. “Information Strategies,” by German artist and critic Andreas Müller-Pohle, substantiated the perspective of an “expanded photography” which denied the primacy of originality and neutrality as benchmarks for contemporary photographic creation and affirmed the instances of production, distribution and consumption as equally relevant. 

    In this expanded spectrum, the image is no longer the one and only material of art; the technical apparatus and the social conditions—also phenomena—that set the image up as a discourse also rise up to that status. The excess and redundancy of ready-made snapshots invites us to take the very waste as a starting point: discarded or unimportant photographs, collections that no one sees, anachronistic machines, “second- hand” articles, everything that remains and is accumulated even in the face of physical and symbolic termination. Müller-Pohle gives the name “ecology of information” to this journey from appropriation to “revitalization,”a journey which has ideological, economic and psychoanalytical
    aspects, among many others. 

    Paraphrasing Müller-Pohle, Rennó chooses an “ecology of images”. The term is not exactly equivalent to Müller- Pohle’s, although it is contained in the initial reference and effectively affirms her own specific instrument of intervention in a more explicit way. As an index of a whole visual system of apprehension of reality, the image—or a logic of imagery that also expands to other media, such as texts or objects—is the element that triggers Rennó’s critical project. This is, therefore, a project that moves from a micro to a macro level, from each photograph in isolation to the connections and clichés that can be derived from the image itself or from its absence; it moves from small narratives to large ones in order to apply and instigate an attentive gaze that distrusts, provokes, and takes its own stance. 

    In this sense, according to Rennó, the images work as a pretext for structural reflections on the politics of representation. Instead of promoting a firm adherence to the formal and discursive contents of the photographs she encounters, the artist chooses to present them as constructions, as fictions and, to a certain extent, as a farce, even if they are documental. She is interested precisely in giving voice to the gap between nuances of the real and their technical reproductions, which the critic Paulo Herkenhoff once described as the “abyss between emulsion and cellulose.”

    To face that abyss, Rennó developed a vast vocabulary in which the didactic character and the self-referentiality of creative processes, from photography to archival practices, are recurring elements. In the series Insólidos [Insolids] (2014), for instance, layers of silk organza make up a scene, giving it the depth and the vaporous character of something that does not exist as an object, but rather as an event. Not infrequently, cameras, lenses, light tables, optical instruments, folders, taxonomies, labels for heritage- listing and research clichés are included in the works’ final presentation. In a conceptualist bias, this inseparable conjunction with devices and sources not only allows a reflection on language, but above all relates the reading of the works to elements taken from their material and performative universe. 

    Actions such as observing, posing, archiving and remembering are always intimated. By analogy, they can trigger anyone’s affective memory. They can also refer to relationships and conflicts that keep them enclosed in interpersonal and collective spheres whose sum-total defines authorship, visibility, identities, narratives and counter-narratives. Who sees? What, who, how does one see? Who is seen? When and how can one’s vision also resonate? In a society ruled by visual power strategies, subjectivization occurs through the gesture of producing images and being produced by them; the gesture of seeking, in this process, hypotheses about the self, the other, and their differences. 

    This retrospective exhibition focuses on Rosângela Rennó’s calling to reflect on the role of expanded photography in the social construction of representations and memory—both individual and collective, private and public, present and historical. Among the countless paths opened in her 35-year career, this one—as vast as any other—pervades the exhibition as a kind of leitmotif that guided the selection and positioning of nearly 130 works. The debate begins with Rennó’s earliest works and culminates in hitherto-unexhibited projects, all from 2021, such as Espelhos pensantes [Thinking Mirrors] Eaux des colonies [Waters from the Colonies], A imortalidade ao nosso alcance [Immortality Within Our Reach] and the video installation Terra de José Ninguém [Mr. Nobody’s Land], commissioned by the exhibition. The selection gives one the opportunity to realize the way in which this founding concern persists throughout the artist’s trajectory, as well as how her concepts were transformed and challenged as identity agendas in Brazil became stronger and more complex. 

    Espelho diário [Daily Mirror] (2001) is a rare work in which Rosângela Rennó added the roles of researcher, archivist, and editor to that of an actress. In front of a video camera, she staged short monologues based on the biographies of 133 Rosângelas, including herself and homonymous women she found in tabloid articles over an eight-year period. In the audiovisual work, fruit of a partnership with writer Alícia Duarte Penna, the artist’s self- portrait merges with ethnographical narratives, so that her body and image underpin radical disparities. “She struggled to see herself in the mirror as one, head, body and limbs, but no! They were myriads! Her mirror was a kaleidoscope,” states the introduction recorded by journalist Cid Moreira with his famous resounding voice. 

    Rosângela Rennó’s presence brings to the surface her desire to carry out some form of social agency, evincing more and more what she already does when she acts only behind the scenes, in the engine-room—in the abyss. This very presence, however, keeps us thinking that the act of brokering, i.e., of triggering certain processes by articulating otherness, cannot exist without the exercise of perceiving and implicating oneself as an interpretive focus. This and other works by the artist provide a fundamental lesson: mirrors broaden their range in kaleidoscopic visions, and kaleidoscopes require a political and ethical attitude of self-speculation. 

    SUBJECT STORIES
    From the photo collections of family and friends, dominant in the early years of her career, Rennó began to turn to new sources with which she had no personal bond, but in which she had and still has an anthropological interest. In the early 1990s, when she moved from Belo Horizonte to Rio de Janeiro, she adopted the routine of frequenting fairs, bookstores and photographic studios downtown on Carioca Street, looking for obsolete or unused material. She found thousands of discarded negatives of ID-sized photographs and began to produce art from these unknown faces and from the place of anonymity that is forged in between the acts of portraying, circulating and safekeeping. 

    Duas lições de realismo fantástico [Two Lessons of Fantastic Realism] (Portraits) (1991) is a monumentalized fragment of this collection. Enlarged to 1m in height (and no longer 4cm, as usual), 33 photographs gain scale to show the details of facial features worn away by time and oblivion and to situate them in a symbolic place of appearance. However, both the hardened poses that are usual in civil registration documents and the artist’s decision to juxtapose them reinforce the metaphor of an institutional mesh (the state, capital, official history) that both accommodates and annihilates individuality, turning subjects into statistics. The ID-photo collection has given rise to other powerful works that reflect about the close relationship between practices of identification and control. This is the case of A Bela e a Fera [The Beauty and the Beast] (1992) and Primários [Primaries] (1992), which reproduce portraits in light boxes whose formal elements suggest a stereotype. 

    The normative repertoire that sprang from that informal private collection inspired Rosângela Rennó’s search in public archives, a search that evinced the role of institutions such as the state or the press as mediators of subjects’ representations and histories. In 1995, the artist had access to a set of more than 15,000 glass plate negatives belonging to the Museu Penitenciário Paulista (São Paulo Penitentiary Museum), located in the Carandiru complex of the State of São Paulo Penitentiary. Started in 1915 by the Psychiatry and Criminology sector, the records were meant to take a census of the male prison population. In them, photography’s mission is similar to that of panoptic prison architecture: to keep watch by means of total vision. The abundance of images does mean that detainees or their portraits are not subject to social invisibility. On the contrary, it helps to make them invisible as a result of the stigmas of confinement. 

    Rennó’s intervention on the imagery of these archives is subtle, yet quite eloquent. In Cicatriz [Scar] (1996), she works with a group of close-ups taken in front of a neutral background in order to capture details of the prisoners’ half-naked bodies, especially their arms and torso. The portraits’ fragmentation and the exclusion of faces makes for an objectified representation. However, the narrative context articulated by the artist sharpens the perception of the subjects in the construction of their identities. Tattoos appear as a singularization strategy, a writing of the self that resists the dispossession of the body in the prison’s disciplinary regime. In a similar way, the nicknames gathered in Vulgo/texto [Alias/Text] (1998) claim their right to self-declaration. This work relates directly to the Vulgo [Alias] (1997-99) series, which enlarges photographs of inmates’ heads, mostly viewed from the back. While the criminal documentation blurs their identities, a list of nicknames—such as Dente de lata [Tin Tooth], Diabo louro [Blonde Devil], Marcinho Maluco [Crazy Little Márcio] and Mão Santa [Holy Hand]— projected right next to them, in a small self-contained apparatus, removes them from anonymity, undoing the premise of dehumanization. 

    If language contains doses of violence to which routine unsensitizes us, it is in language itself that possible breaches can be opened to denounce that very same violence, and those breaches are opened up by the simple gesture of modifying or suspending usual signs. As such, Rosângela Rennó took journalism as another field of research with the intention of deconditioning its narratives. In Eco-92, The United Nations Conference on Environment and Development, held in Rio de Janeiro in June 1992, she followed the agenda of sensationalist tabloids. In those pages, the event gained little repercussion and police coverage was dominant. 

    Rennó selected thirteen images of murders published in that period, one a day. All of them explicitly documented crimes scenes in which corpses of men and women lay on the foreground. The installation Atentado ao poder [Attack on Power] (1992) originates from this sequence. Its two-layered composition emulates the social hierarchy of the news. At eye level, a sticker sign prints with headline lettering the term “The Earth Summit,” referring to the conference and its international audience. At the bottom of the wall, far below, the tabloid pictures are propped up side by side. Put up vertically, they refer to the portrait tradition and negate the horizontal format usually employed in this genre. By spatializing these elements, the artist reproduces the unbridled tension between a struggle to dignify the lives of the black and poor population and the “necropolitics” in force in Brazil, which was responsible for subjugating their existence and tying them to narratives of crime and death. The work’s experience is intensified by green tube lamps that come out from behind the images, generating a halo, an aura, or simply a backlight zone that encompasses the physical sensation and the metaphor of blindness in the face of horror. 

    Lamps and descriptive texts emulate photographic attributes, but they exist above all to affirm and signify the absence of photography. The choice of not showing certain images emerges as an attempt to break with a state of anesthesia and return to the foundations of a politics of the gaze. This is the reasoning behind Arquivo Universal [Universal Archive] (1992-) Rennó’s longest- running project, which is still in progress and approaching its 30th anniversary. During this period, the artist has been building up a large collection of newspaper articles in which references to photography are interspersed in the description of personal stories. Her filter captures quite diverse passages, such as “The Funai employees were outraged by the company’s carelessness, as only a list of names was sent, without photographs,” or “The Indian woman, V., pulled the grimy photo from between her clothes.” Each story is typeset to gain a specific visuality and become a kind of mental image, or what Rennó calls a “latent image.” Simple layouts promote a back noise of enjoyment by the simple fact of being set up on walls, where one usually exhibits pictorial works. 

    Hipocampo [Hippocampus] (1995- 98) brings in the concept of an immersive environment using texts from Arquivo Universal. The installation requires a completely enclosed room equipped with a light timer. When lit by powerful spotlights, the space appears empty and painted from floor to ceiling in a shade of yellow. When the lights are turned off—which happens every few minutes—darkness reveals on the walls and pillars a series of texts painted with phosphorescent pigment. They are also yellowish, but reactive to light. The hippocampus is a part of the human brain responsible for organizing memory, as well as regulating emotions and behavior. By promoting the experience of an instant apparition, followed by a hiatus conducive to absence and verbal formulation, the work seeks precisely to demonstrate how memory is a phenomenon that takes place in the interface between the physiology of the body and its exposure to experiences and statements. 

    As a visual technology that captures instants of time, photography is well suited to this phenomenological and to some extent virtual sense of the rites that generate memory. On the other hand, its uses, especially but not only in the analog era, recover processes of meaning and valuation that take place in materiality. Longing, attachment, leads and proofs demand that photography retain a physical character in order to be within reach or well kept in places of affection. It is assumed that the image, once fixed on the emulsion—and in the face of the absence of the original instant, which is often irreversible—will cease to be just an index and become an emblem, a metonymy of reality. 

    In Corpo da alma [Body of Soul] (2003-09) and Corpo da alma (o estado do mundo) [Body of Soul (The State of the World)] (2006- 09), the act of collecting press quotations that refer to photography moves away from the universe of the text and turns to a genre that recurs in daily photojournalism in several parts of the world: images in which people hold up printed portraits of religious leaders or, more importantly, of missing family members or friends. The gesture is never random. It involves pointing directly at the camera, as if making an appeal. Between photo shots—those that they hold up and those that document them in their search—these people take up the codes of appearance to claim their own existence and that of their loved ones, despite the imminence of physical or symbolic death as an image. As a third layer, the work’s large-scale, reticulated reproduction of these originals does not defuse tensions, but rather enhances them. It makes them once again an image, giving them another certificate of finitude despite the promise of transcendence. On the other hand, it ratifies the political intelligence of those who occupy small spaces to dispute the social memory and, thus, to safeguard their personal memories from total erasure. 

    In a country such as Brazil, it is only to be expected that the sense of dispute—which is inherent to life and relations of otherness— should take drastic contours which arise from a situation of extreme socioeconomic inequality, together with the powerlessness of political and legal institutions to curb income concentration and ensure basic rights to the entire population. This framework demands that we start from clear benchmarks not only of gender, but especially of race and class, to analyze the dynamics that shape identity, representation, and memory. It is worth looking at how these markers subdivide the very concept of memory as well as other ones, such as authorship, anonymity, originality, transcendence, appropriation, and phantasmagoria, dear to the history of photography, art, and the humanities, to which Rosângela Rennó’s research is addressed. 

    Semantic relativity still affects the concepts of a political vocabulary, such as the notions of public and private, constantly present in the ways Rennó comments on structural issues of contemporary society, especially in Brazil. The bodies and images of those who already hold political and economic power are public; however, in a radically opposite spectrum, the same can be said of those who live in vulnerable situations, on the basis of which the institutions of control try to consolidate a disciplinary narrative: street dwellers, young black people, prisoners, workers, people with dissident identities, etc. 

    While violence is embodied in those public imaginaries and arises either from the exercise of power
    or from subjection to it, the private realm encompasses narratives about individuals who apparently have
    the choice of exposing or protecting themselves. Works such as Private Collection (1992-95) and Parede cega [Blind Wall] (2000) respectively put into action a subtext that talks about interdictions and poetic subtractions in collections of family photographs. Given the parity between sources and perspectives of interpretation, they carry hints of a dominant homeliness in their material reality and in their self-reflexive condition. There is an option not to show them, and this decision devolves on those directly involved and on them only, without hurting their existence or making it invisible. The works in question do not deal with these issues but help us to think about them. Privacy and everything that can be stated based on it—such as, for example, the collecting bias or the intimate first- person account—are not unconnected to the possession of property and to a logic of property, which leads us to conclude that in Brazil civil rights are a privilege based on class. 

    One of Rosângela Rennó’s few projects of photographic appropriation that have as their subject people who either hold socioeconomic power or implement socioeconomic distinctions is Vermelha (militares) [Red (Military men)] series (2000-03). It is an ethnography of power in which the anthropological gaze is shifted to hegemonic bodies, with the aim of scrutinizing them and also viewing them on a premise of alterity. The starting point are 16 photographs of adults and children, all male, wearing military uniforms. Reproduced from albums found in bookstores or personal collections, these images were intervened on by the artist and were enlarged to a size close to human scale. 

    It is remarkable that traces of landscape can be glimpsed behind the main characters instead of the neutral backgrounds typical of civil registration photos. These are portraits of memories, in which the task of representing individuals is linked to that of registering their clothing, poses, places and leisure habits at the specific moment of the portrait. In this situation, in which the contexts of image and identity seem to be tied to class privileges, one may—despite the specifics of each shot—detect the models’ desire to characterize themselves so as to justify a position of superiority in the social hierarchy. The chosen scenes are indications of a much larger universe and a mindset according to which being photographed as a soldier supposedly affixes emblems of bravery and power to these individuals. 

    These scenes are not restricted to Brazil, but here they evoke with bewilderment the legacy of authoritarianism that has marked and still marks the country’s military governments. The trauma of a two- decade-long dictatorial regime (1964- 1985) is compounded by disgust at the Jair Bolsonaro administration. Bolsonaro, a retired captain and president since 2019, is responsible for the humanitarian, health, environmental and institutional disaster that has swept the country. In an endless cycle that leaves no space for reparation, the crimes of the military dictatorship were forgiven; the National Truth Commission, dedicated to their investigation, was closed without major developments in 2014; the current president, then a federal representative, in thevoting session that culminated in the impeachment of his predecessor Dilma Rousseff, honored Carlos Brilhante Ustra, an army colonel and known torturer, one of whose victims was the former president. In such a historical context, what feelings are stirred by the systematic approval of militaristic gestures in everyday trivial photographs? 

    Rennó’s intervention was carried out well before the Bolsonaro era, but it fits the present moment as a forceful and up-to-date critique. Using digital editing tools, she applied a reddish veil over all images. The figures are almost completely merged into the thick layer of color, resulting in both striking and unusual monochromes. As a symbol, the red color inevitably alludes to blood and violence, besides referring, perhaps secondarily, to communism, a political ideology to which the military of yesterday and today are typically opposed. In its materiality, in turn, red provides the opacity needed to break the belief system generated by the images and to once again access them as something to be constructed or reconstructed. 

    SUBJECTS OF HISTORY
    Besides getting to know the stories that archives and books tell about human subjects, one must reflect on the conditions in which they are produced. This involves assuming that many stories were chosen not to be told and, even more so, finding out which absences, approaches and emphases correspond to the courses plotted by those who wrote and/or acted on them, the subjects of history. Authorship, which generates both the discourses and the social significance of those who are recognized as authors, is practiced in many cases as a hidden agency or naturalized as something that only a few can have access to—if possible, the same people who hold other forms of power. This is exactly why it becomes an unavoidable evidence, as well as a strategic stance for claiming ownership and cultivating other narratives and politics of representation. 

    History—or histories, in a plural perspective—is (or are) made by establishing links between facts that have already occurred from the point of view of the analytical repertoire one has access to. In this way, history is much more about the present than about the past, because it opens up opportunities for revision and interpretation. “Are we not touched by a breath of air that has been breathed in before? Are there not, in the voices we hear, echoes of voices that have been muted?,” asked Walter Benjamin. The idea of a meeting between two ages was also taken up by the critic and historian Salloma Salomão, who observed that in the Brazilian context civic landmarks13 often reiterate the legacy of former events, making their memory and their calling up to date. 

    Overlapping authorships, places and times is the core of Rennó’s series Operação Aranhas/Arapongas/ Arapucas [Operation Spiders/Bellbirds/ Traps] (2014-18). Its 13 triptychs include photographs taken at three emblematic street demonstrations. In June 1968, in Rio de Janeiro, José Inacio Parente recorded the Passeata dos cem mil [Demonstration of the One Hundred Thousand], organized by student movements against the civil-military dictatorship. In February 1984, in Belo Horizonte, the artist herself photographed the Diretas já rally, the main event of popular pressure for redemocratization. In June 2013, in São Paulo, the Cia de Foto collective documented demonstrations organized by the Movimento passe livre [Free Pass Movement] in favor of free public transportation. These events triggered an escalation of other conflicting demonstrations, which revealed the drastic political polarization of current Brazilian society. 

    The sets were organized to suggest a relationship of continuity between the images and the memories they evoke of the participation of civil society in institutional politics. Images are covered by sheets of translucent textured tissue paper, commonly used in old photo albums. This material is perforated at certain points in which camera lenses and filters fixed close to the photographs offer glimpses of some of the faces in the crowd. The individual and collective agency of ordinary citizens is brought to the fore by the work and payed homage to, in order to refute a narrative that attempts to delegitimize their political activism by making it invisible and criminalizing it. 

    Multiple perspectives are at play in this work: what is revealed, what is hidden, and the movement of bodies that investigatively and prospectively face a discursive plot. This happens frequently in Rennó’s oeuvre, as seen in the visual dilemmas of series Vermelha or the propositions of Espelhos pensantes [Thinking Mirrors] (2021). The latter shows short texts written on circular mirrors, some of which are flat and others curved. In the context of a retrospective exhibition, one of the series’ functions, distributed in different rooms, is to refer to neighboring works and question their original statements. Another function has to do with its ability to offer simple exercises of political subjectivization to the visiting public by creating different opportunities to deconstruct paradigms of truth and verisimilitude. In front of the Espelhos pensantes, each person is invited to self-reflection and self-doubt as a protagonist of critical discourses, a reflective agent in both senses of the term. 

    It is on the scale of these subjects, of any individual who is aware of the implications of his or her small gestures, that the utopia of intervening in large narratives is quickened. There is a causal link between two opposites: the individual’s present and the past sedimented as official history. This happens not only because of the influence of those dominant structures in everyday life, but also because, precisely due to that influence, now in the opposite sense, it is only by revisiting such structures that one can transform the possibilities of everyday life. 

    In a country like Brazil, colonialism is the historical matrix for the epistemic, environmental, and racial violence that still happens. Its social perpetuation is supported by documents and discourses that are seen as foundational and therefore as supposedly irrefutable. Requalifying such testimonies emerges as a tool to break with their heritage. This occurs in Vera Cruz [True Cross]* (2000), in which Rosângela Rennó made up an audiovisual record of the arrival of the first Portuguese explorers on the Brazilian coast. It is done as if time had erased the image and part of the sound from the film, leaving only the sound of the sea and dialogues transcribed in subtitles. Since cameras and film were far from having been invented in 1500, this is in fact an impossible documentary, a documentary fiction. This twist between genres, however, turns in another direction. It leads one to perceive the subjective, imaginary and therefore, to a certain extent fictional character of whatever is presented as a historical document. There is a considerable distance between what Pero Vaz de Caminha’s letter reported to the Portuguese court and what really happened in the Portuguese invasion, long called the “Discovery.” Historiography provides studies and versions that try tobridge that distance, which however can never completely overcome, precisely because historiography is an interpretative and speculative science. 

    Period objects are brought through time as partial remains of the realities that encompassed them, while they also accumulate narratives and imaginaries which only become conventional later on. In 2000, when the 500th anniversary of the arrival of the Portuguese stirred an atmosphere of debate, Rennó produced Cartologia [Cartology]. The installation creates an allegory of colonial Brazil by juxtaposing symbolic elements, some of which are historical while others are contemporary. Its basis is made of superimposed close-up photographs of different shades of skin. At the top of the set, an empire-style table props up a sturdy photo album, whose cover shows a map of Brazil in marquetry made with seven kinds of native wood. The hierarchy of the stack represents in a schematic way how colonialism founded an idea of the country based on the plundering of resources and the exploitation of the labor of indigenous people and especially of enslaved Africans. The allegory, therefore, encompasses the fruit of extractivism without referring to the forest as a source; it addresses the productive force, but does not detail its identity. 

    This omission is not accidental at all. Rather, it echoes a recurrent element in colonial history documents: the exercise of narrative control in order to avoid representations that could foster the desire for emancipation. Portraits of common citizens were avoided, for example, except in ethnographical and scientific researches financed by the Crown as census surveys made to reinforce its dominion. 

    The specific features of that kind of portraiture led Rennó to develop works such as Seres notáveis do mundo [Notable Beings of the World] (2014-21), initiated when she took part in an art residency program in Las Palmas, in the Canary Islands, Spain. It was there, at El Museo Canario, that the artist had access to a collection of more than 60 plaster busts commissioned by French phrenologist Pierre Marie Alexandre Dumoutier, who took part in a research expedition to the South Pole and Oceania between 1837 and 1840. With this peculiar three-dimensional technique that differed from the drawings paintings and engravings used in standard ethnography, Dumoutier recorded human types in several places, including Brazil. The molds were made directly on the face or from mortuary masks, in the case of deceased people. Each sculpture had on its base a small plaque with the name and origin of the person portrayed. 

    By being identified, these subjects achieved the “notability” requirement that Rennó ironically refers to in the title of her work. Two exceptions inside the set indeed had recognized trajectories: the philosopher Jean-Jacques Rousseau and the paleontologist Georges Cuvier. All others, however, lived as subalterns and only received this occasional mention in a historical archive. The artist photographed the white busts and printed the images on sheets of marbled paper, thus creating a similarity between figure and background, an effect that attenuated the presence of the original models and evinced a tendency—which was, however, veiled in the original collection—of delimiting their identity to safeguard the geopolitical hegemony of those who produced their representations. 

    The setting up of a counternarrative seems to demand an alternative discursive structure that is able to exist either irrespective of power institutions or by co-opting them with enough tactical sense to make up for the disparity of forces. The trip to the Canary Islands also introduced Rennó to Silbo Gomero, a language that has been used in La Gomera island since before the Spaniards’ arrival in the 14th century. It is an oral-only communication by whistling, which resisted colonization and became part of the country’s cultural heritage. The artist approached the phenomenon and proposed to mediate a translation between Silbo Gomero and the Tupi language—a bridge between two indigenous cultures. 

    To do so, she selected Tupi words and expressions from Arte da gramática da língua mais falada na costa do Brasil [Grammar of the Most Spoken Language on the Brazilian Coast], the first book published here in 1595 by Jesuit priest José de Anchieta, a Spaniard born in the Canary Islands. The material was recorded in audio by experts in ancient Tupi and sent to “silbador” [whistler] Olivier Escuela in order to be translated. The video Método básico de assovio gomero-tupi [Basic Method for Gomero-Tupi Whistle] (2014-16) demonstrates the result of this process. On the beach, Rennó writes in Tupi on the sand, and Escuela immediately replies in Gomero. The sound of whistling is mixed with the noise of the Atlantic Ocean, the main axis of colonialism, which kept these peoples geographically distant in spite of being so close as regards their stories not only of violence, but also of resistance. 

    From a ritual of devouring the enemy to a metaphor for incorporating features of otherness, cannibalism has been an ongoing underlying presence that disputes official narratives and confronts the legacies of colonial thought in Brazil. “I am only interested in what is not mine,” declared the Manifesto Antropófago [Anthropofagic Manifesto] of 1924, opening up a stream of modern art practices which still runs nowadays. One of Rosângela Rennó’s most recent projects goes in this direction and lends itself to cannibalizing the very idea of a colony, showing where the term comes from and how its uses impregnate it with geopolitical connotations. Eaux des colonies [Waters from the Colonies] (2021) is divided into two parts. The first one, Les origines [The Origins], comprises an ongoing report on the history of Eau de Cologne itself, which was originally a magic elixir and has now become almost a synonym for any kind of perfume. 

    This history coincides with the growth of trade routes in Europe and therefore carries the expansionist spirit that is at the heart of colonialism. Invented in Europe in the 17th century as Aqua Mirabilis, the formula was taken from Italy to the city of Cologne, an important trading post at the time in Germany. It began to be produced there and was renamed Eau de Cologne by French soldiers. This “Cologne Water” became an object of desire and began to be counterfeited in several places in Europe and soon around the world. The copies go beyond a discussion on authorship and correspond to the quest for belonging to a certain social stratum through the reproduction of consumption habits. At the same time, they also demonstrate the importance of the logic of piracy, which enables access to these places of desire by breaking patents and reinventing centrality. 

    The work gathers important facts of this history in an extensive timeline, in which one can perceive a mix of physical and virtual sources, handwritten editorial notes on post-it note pads and stamps for indexing the contents, besides the inevitable gaps that characterize any ongoing research. The artist’s gestures can be considered as a form of cannibalism to the extent that she has promoted a detour of the narrative. In the course of reading, one soon realizes that telling the story of the product becomes a pretext to talk about colonization models. 

    The report culminates in the second part of the project, En construction [Under Construction], which sets off to identify the waters of the colonies— not one, but many, diverse, plural, the product of other agencies and leading roles. On a white rectangular base, with a cut in the middle to suggest the Equator, Rennó positions 207 glass bottles. Each one corresponds to a country that was once colonized. The bottle sizes are proportional to the countries’ size, and their distribution goes back to their location on the world map. Eau de Cologne is usually about 94% alcohol, while the rest are essential oils. In the installation, the bottles have alcohol only, and Rennó reveals this crucial absence in her text, while at the same time inviting one to admire this incompleteness as if it represented a waiting status. She states her intention of conducting a poll with people from the former colonies and asking them to answer the question: “Which aroma best defines your country today?” 

    In these hearings, the definition of identity traits or “essences” belong to the subjects and their communities, never to third parties. In these and other similar dynamics lies the way to discontinuing all political representations that safeguard the cartographies of power. On the contrary, it would be possible to defend representative policies that give back a voice and a local accent to those who have been silenced by colonial history. 

    Decolonial thought has shown that rewriting a narrative from a decentered and diasporic perspective, as defended by postcolonial theories, is not enough if they do not address these conditioning factors. The concrete presence of currently subjugated bodies is necessary to transform the structures of speech, memory and sociability so that the existence of those bodies is encompassed by these structures. 

    In Brazil, between the 1980s and today, this debate and the epistemological shift it entails have been contemporary to a succession of events guided by the ideal of social justice, such as the regaining of civil rights through the 1988 Constitution, the implementation of racial quotas in universities (2003) or even the eradication of hunger (2014). However, and for this very reason, the period also saw the entropic strengthening of a conservative agenda tied to a staunch opposition to human rights agendas, such as abortion and gender ideology. 

    From the end of the civil-military dictatorship to the democratic crisis in which the country finds itself today, processes that seemed endowed with the potential to reform the foundations of Brazilian society proved to be just another historical window. This circularity, in which the “colonial wound” does not heal, but rather bleeds again, stems from a dynamic in which social pacts are established and then broken, no doubt due to their fragility. In a moment of profound dystopia, returning to these windows allows us to reflect on what led them to failure, while also allowing us to rekindle the pulsating vocations they had and may still have. 

    The work commissioned for this exhibition at the Pinacoteca Estação was based on the recovered imaginary of redemocratization that took hold in the mid-1980s. A university professor gave Rosângela Rennó an almost complete collection of slides, tapes, and manuals used as teaching material for young people and adults. The kits, published around 1986, resulted from a partnership between publishers and progressive wings of the Catholic Church, such as the Basic Ecclesiastic Communities and the Pastoral Land Commission and the Youth Pastoral Ministry, whose activities since the dictatorial period involved not only disseminating Christian precepts, but also promoting a politically emancipatory pedagogy as formulated by educator Paulo Freire. The classes covered topics of Brazilian Problems, part of the school curriculum at that time, with simple language, rich in humor, illustrations and references to workers’ daily life, aiming to motivate them to leave alienation aside and participate in public life. 

    Rennó restored this material and used it to create a new narrative, with a view to which it was necessary to rearrange the slides, interspersing and superimposing them with images from contemporary archives, such as Mídia Ninja or #rioutópico (em contrução) [#utopianRio (Under Construction)] (2017), authored by Rennó together with young photographers from the outskirts of Rio de Janeiro. She also added another voice-over and a soundtrack by the collective O Grivo. Terra de José Ninguém [Mr. Nobody’s Land] (2021) is a video installation in four chapters, synchronized two by two. Three of them address uncertainties, agrarian issues and the future, but the first chapter plays a central role insofar as it describes a character, a symptom of the social environment and at the same time a potential critical agent. Both under the name “Zé Ninguém”—a sign of lack of possessions or reputation in popular slang—and “José Ninguém”—which hints at a claim of dignity or differentiation—the fact is that this is someone whose individual identity, in the artistic exercise, embraces the core of a country’s and a society’s collective statements. 

    Simultaneously particular and general, the character also stands in front of the mirror to refute history as a narrative of exclusion and enjoys his inviolable right to citizenship and memory. In this project of political education to which the entire trajectory of Rosângela Rennó contributes, it is up to each person to look at him or herself in the mirror and “speculate,” not to find an image, but to wield one, in a journey of confrontation and search that begins with the gaze and then calls in the body, time, and relationships—or rather, ecologies. 


    MAIA. Ana Maria. Her mirror, a kaleidoscope . In Rosângela Rennó: Little Ecology of the Image. São Paulo: Pinacoteca de São Paulo, 2021, pp. 9- 35.