site em reconstruçãosite under reconstruction

Rosângela Rennó, a filosofia da instituição fotográfica


Rosângela Rennó, the philosophy of the photographic institution




    O lugar de Rosângela Rennó na história da arte se assegura pela construção do estatuto poético da fotografia e da espessura epistemológica do signo fotográfico. Compreender o significante “fotografia” a partir de Rennó é uma chave metalinguística para o entendimento da própria arte contemporânea em seu processo de incorporação do meio fotográfico. 

    O corpus fotográfico de Rennó perpassa a zona antropológica da produção do olhar, dos padrões do gosto ou de status e do imaginário na sociedade industrial e de consumo. Esses sistemas de representação são compostos por instantâneos, imagens de pose, álbuns de fotografia, fotos em jornais de pessoas exibindo fotografias, fotojornalismo, obituários, notícias baseadas em fotografia, fundos de negativos de estúdios e profissionais de fotos para documentos de identidade, de registros de efemérides familiares (como o casamento) e de lembranças turísticas. Ou são fotografias consignadas em instituições penais e arquivos mortos. A partir de processos cotidianos ou domésticos de transmissão da imagem, Rennó monta seus códigos icônicos de recepção e de emissão da fotografia. Rennó eleva esse campo antropológico de Susan Sontag à condição poética e agrega significados de que On photography não podia cogitar. Rosângela Rennó não é fotógrafa. Seus subtextos visuais retratam a crise da fotografia.

    É possível afirmar que Rennó ressignifica os usos sociais da fotografia, superando os limites discutidos por Pierre Bourdieu (Un art moyen, 1965); expande o compasso antropológico de Susan Sontag (On photogaphy, 1977); enfrenta os limites e a potência da fotografia diante da experiência divisados por Roland Barthes (La chambre claire, 1980) e dissente do entendimento da economia sócio semiológica de Villem Flusser (Towards a Philosophy of Photography, 1984) (1), quatro grandes textos sobre a fotografia das últimas décadas. É difícil imaginar a produção de Rennó sem justapô-la a alguns pensadores – afinal sua obra é uma instância de reflexão da fotografia. Sua verificação atua nos campos da ontologia, tecnologia, instituição, linguagem e poiesis. Se tais autores contribuem para a agenda de Rennó, no entanto, sua arte institui questões impensáveis por eles à época. 

    Na episteme de Rennó, a fotografia é mais studium que punctum. Se uma fotografia não poderia ser transformada filosoficamente, como disse Barthes em La chambre claire, Rennó isola imagens e objetos encontrados para construir um cogito da fotografia. O studium de Rennó não é gosto, como definido por Barthes, mas conceito. Sua obra, não sendo sobre nem se constituindo sob a filosofia, seria uma filosofia em si mesma estabelecida na empiria do processo de reconfiguração do discurso do meio “fotografia”. Seus imprevisíveis resultados fotográficos decorrem da consistência dos conceitos. Rennó não busca se sustentar através do potencial técnico em imagem (como as alterações digitais pós-produção) nem do sublime e do estranhamento. Sua arte reitera reflexões críticas sobre o dispositivo social, psíquico e cultural da fotografia.

    O posicionamento de Rennó evita o “mal d’archive” de Jacques Derrida (2), processo de poder exercido na consignação de documentos no arquivo. Fotografar seria antecipar o olvido e a crise da memória. A lógica de Rennó agencia a crise da fotografia como produção social de esquecimento (3). O trabalho é um domicílio anti-amnsésico. O fervor arquivista de Rennó é irredutível às pulsões de morte da memória consignada na fotografia descartada (state of death, time absent, depression, or mourning (4)), mas se configura como pulsão de vida investida na possibilidade de conferir sentido novo e transcendente à própria imagem fotográfica e removê-la de seu congelamento do real. 

    Espelho diário

    Em A Prosa do Mundo, Maurice Merleau-Ponty cogita que os indivíduos sejam capturados por seu nome pessoal (5). Rosângela Rennó tinha dificuldade em aceitar seu nome. A videoinstalação Espelho diário reúne as histórias de 133 “Rosângelas” que a artista recolheu em jornais e narra em fluxo delirante (6). Em comentário àqueles argumentos de Merleau-Ponty, Claude Lefort agrega que, antes da fase do espelho lacaniana, na qual a criança descobre sua unidade corporal, existe o encontro com o nome que determina o início de uma nova relação de alteridade (7). Rosângela Rennó constrói uma identificação pelo nome. Interpretando Rennó via Lacan, Pedro Lapa observa que “existe uma impossibilidade de que o todo se diga, existe um real que sobra. [...] É aí que se joga a possibilidade de um discurso não submetido a condição de pertença de um arquivo da ideologia do cotidiano” (8). O Espelho diário é o campo dessa relação de conhecimento. Se o sujeito é feito por seu nome, Rennó argumenta que o sujeito moderno seja constituído pela informação por imagens e pelo sistema de comunicação, por isso o título Espelho diário remeter ao jornal britânico Daily Mirror, criado para o público feminino. 

    Se o pintor empresta seu corpo à pintura, como observou Merleau-Ponty, marcado por Valéry (9), Rennó empresta sua imagem ao vídeo para designar uma reversibilidade fenomenológica entre ela e suas homônimas. A fotografia captura o sujeito. Do Espelho diário ao nome, a mesma Rosângela é todas. “Elas era umas”, escreveu Alícia Duarte Penna. O jogo visual de Rennó se identifica com Rimbaud que escreve “Je est un autre” (10). As identidades não resistem ao caudal dos relatos e se dissolvem: uma é a outra da outra, numa rede de alteridades como O Divisor (1968) de Lygia Pape, um enorme lençol branco com aberturas em que as pessoas metiam suas cabeças e interagiam. Eu sou você - esta é a especularidade buscada, que aparentemente não estaria na fisionomia, mas no nome. Rennó acede à ordem simbólica pela linguagem visual, ultrapassando a relação especular eu/outro da instância do imaginário lacaniano– o outro fotográfico. Em posição instável no discurso, Rosângela ora é significante ora significado. Na fisionomia da narradora, o Espelho diário instaura a carne da fotografia (11).

    Apagamento

    Os Apagamentos agrupam fotografias de investigação criminal, provenientes da Austrália. Quatro crimes foram trabalhados individualmente em sequências de imagens em tom sutil próprio. O método inclui sanduíches de slides, cortes, justaposição e superposição das imagens para levar o olhar ao corpo do assassinado. Fotos embaralham o quebra-cabeças mental da investigação. O corte e a cisão da prova jurídica nas fotocolagens dos Apagamentos se assemelham à colagem de Magritte, analisada por Didier Ottinger, que evoca “desencadeamento sadiano” (Battaille) e o caráter antropofágico (12). Rennó faz uma inversão parodística da fotocolagem e da fotomontagem na manipulação das massas nos regimes liberais e totalitários. 

    Ao produzir Apagamentos, Rennó comete delitos: subtrai imagens de um arquivo público e deturpa provas fotográficas de crimes, conforme o viés criminológico na arte definido pelos procedimentos e não pelo tema (13). Em Ornamento e Crime (1908), Adolf Loos defendeu a arquitetura despojada, fazendo analogias entre ornamentos e tatuagens dos prisioneiros. Ao incluir heroína numa pintura, Rudolf Scwarzkogler anuncia: Malerei als Verbrechen (pintura como crime) (14). As Cosmococas (1973) de Hélio Oiticica e Neville d’Almeida são provas da infração: as fotografias indicavam o uso de cocaína (15). Rennó indaga sobre a extensão da ação do artista (para além da ordem jurídica) e o procedimento epistemológico de produção da verdade.

    Rennó opõe conceitos às técnicas de falseamento da fotografia, portanto da notícia e da verdade jurídica. Os Apagamentos remetem menos ao mal d’archive de Derrida que ao Michel Foucault de A verdade e as formas jurídicas: “entrar no domínio do direito significa matar o assassino, mas matá-lo segundo certas regras” (16). Os Apagamentos situam o espectador na cena do crime em busca da verdade. Eles expõem a genealogia do poder na constituição da verdade. Com isso, Rennó inscreve o olhar na questão de Foucault: a própria relação de poder é constitutiva do conhecimento.

    Corpo da alma

    Corpo da alma reúne retratos de jornal de gente que exibia fotografias de pessoas desaparecidas. A fotografia é o campo de batalha contra o esquecimento afetivo e da revolta. Se a imagem trata da carnalidade do nome (Espelho diário), Corpo da alma politiza conceitualmente a materialidade da fotografia. Diante da strangeness e da foreigness de Corpo da alma e da Bibliotheca, cabe citar Julia Kristeva: “Uncanny, the foreignness is within us: we are our own foreigners, we are divided” (17).

    Corpo da alma, Rennó recorre à Gestalt da percepção da forma: os círculos, recortes das fotografias de jornal, perfazem imagens. Para Rennó, a retícula (os círculos) é índice da fotografia impressa. Os círculos são apresentados em plotagem de vinil ou são gravados em aço inox. Essas versões solicitam raciocínios gestálticos para o princípio da emergência da figura. Com zonas opacas e espelhadas, a superfície brilha e “desbrilha”, a imagem fotográfica emerge e some. Essa é, etimologicamente, a origem da escrita da luz (fotografia). Qualquer meneio do olhar, como as superfícies recobertas por areia com sílica nas pinturas neoconcretas de Hercules Barsotti, busca a fulgência da forma. A imagem é fugidia no aço, como se repelida. O espelho destorce, a camuflagem confunde. A tarefa aqui é problematizar distorções e confusões estabelecidas pela fotografia para tratá-las como questões fenomenológicas. Em Cardiff, a versão em vinil exposta é cinza sobre cinza traz imediata referência à fotografia em preto e branco como ponderável índice da cor. Pela camuflagem, elabora-se a hipótese de inferência de cores da fotografia em preto e branco, apontada por Ludwig Wittgenstein (Remarks on color, III, 271-277). São esses os códigos do visível de Corpo e alma: o compromisso material e seus modos de percepção.

    Vítimas de desaparecimento ou morte (por atos de guerra, terrorismo ou violência urbana), as pessoas, cujos retratos são exibidos por parentes, aludem a um estado de impotência. Em diagrama, Rennó expõe o olhar do espectador ao abandono entre o reflexo fugidio e os efeitos dispersivos da camuflagem. Corpo da alma pressupõe, pois, um olho vigilante. Fotografias, argumenta Flusser, são superfícies imóveis e mudas (18). Onde a tradição fotográfica mobiliza pelo congelamento do acontecimento e desmobiliza pelos processos de institucionalização, a trajetória de Rennó inclui “desimobilizar” sentidos da fotografia sob sono arquivístico e tornar visíveis fatos extra imagéticos. Seriam o acontecimento da pose e sua intencionalidade simbólica uma forma de constrangimento do corpo sobre a alma? O corpo já não é a prisão da alma, mas o oposto – no perfil das indagações de Michel Foucault em Vigiar e Punir. Como a alma para Foucault, a fotografia no trabalho Rennó é efeito e instrumento de uma anatomia política (19).

    Bibliotheca

    Durante anos, Rennó reuniu álbuns de fotografias e pequenos grupos de slides adquiridos pelo mundo. Refotografou certas imagens. Selou os álbuns para sempre. A Bibliotheca incorporou cem álbuns, reunidos 37 vitrines, distribuídas em 10 grupos. Passando entre as vitrines, não se reconhecem itinerários das imagens, pois não há etiquetas e os álbuns estão fechados. No arquivo está a descrição dos conteúdos e a restauração da teia afetiva e do percurso geográfico dos álbuns. O resultado propõe uma cartografia através de vitrines coloridas como mapas formados por álbuns. O conjunto é um mapa-múndi como ilhas e continentes. O código da Bibliotheca define uma cor para cada continente: a do fundo corresponde ao local onde a fotografia foi feita; a da estrutura, ao lugar onde a imagem foi adquirida. Da diferença entre lugares de produção e de aquisição das fotografias emergem os índices geográficos da dispersão da imagem. Os próprios álbuns desgarrados exprimirão a diáspora da fotografia e, logo, a diáspora na experiência contemporânea de povos e indivíduos. 

    Na Bibliotheca, a fotografia de turista, viajante ou emigrante cede espaço à idéia de circulação da fotografia da vida privada. A viagem e a sorte dos álbuns, sob a lógica da artista, expõem o caráter mutante das totalizações territoriais e das fronteiras na modernidade e dos deslocamentos de indivíduos e grupos. A Bibliotheca constitui um locus de reunião onde as diferenças se ajuntam. Homi Bhabha evoca que num momento de dispersão da gente “na nação dos outros”, ocorre “the gatheting of exiles and emigrés on the edge of the ‘foreign’; gathering at the frontiers; [...] gathering of the past in a ritual of revival; gathering of the present” (20). O vertiginoso fluxo fotográfico global encontra na Bibliotheca a perfeita metáfora da modernidade líquida. A diáspora da fotografia interessa a Rennó como dispersão do simbólico em processo entrópico de assimbolia. A circulação desses álbuns e grupos de slides por sebos e mercado de pulgas é um sintoma da imersão da fotografia no fluxo do capitalismo contemporâneo. Se Zygmunt Bauman adverte que na “sociedade líquido-moderna, as realizações individuais não podem solidificar-se em posses permanentes porque, em um piscar de olhos, os ativos se transformam em passivos, e as capacidades, em incapacidades” (21). Na cartografia líquida da Bibliotheca, os álbuns seriam mensagens de náufragos da memória.

    Rennó enfrenta a violência contra a fotografia, onde ela é referente do homem comum. Em que ponto, as fotografias do cotidiano se tornaram descartáveis num rito antropoêmico da memória, por qualquer que seja o motivo, da penúria ao desuso? Desgarrados de seu universo afetivo privado, esses álbuns adquirem a condição de valor de troca quando ultrapassam a fronteira do doméstico. Oferecidos no mercado, os álbuns – e seu conteúdo – se tornam estrangeiros a si mesmos: a natureza indéxica da fotografia toma um sentido relacional na economia política de Rennó. 

    Conclusões

    Todo projeto de Rennó implica numa abordagem de um aspecto singular da questão da fotografia. A artista ofereceu uma câmara analógica diferente a 43 fotógrafos para fazerem uma fotografia do monumento do Cristo Redentor no Rio de Janeiro. Foi a última foto de cada câmara, que em seguida foi selada. Cada câmara analógica e sua respectiva fotografia são exibidas em par em molduras separadas. A última foto de Rennó talvez seja o trabalho da arte que melhor dê conta do salto tecnológico da fotografia analógica para a digital. O luto pela analógica argumenta com o potencial poético do novo instrumento fotográfico.

    Rennó perversamente encaminha o espectador para a economia de acumulação (arquivos, bibliotecas, coleções e mapas), quando, de fato, está problematizando os modos de circulação e apropriação do objeto fotográfico como objeto do desejo. Ela expõe aquilo que Barthes considerava a tensão da fotografia: sua submissão ao código civilizado das ilusões perfeitas e o enfrentamento da inacessível realidade (22). Antes que o veneno da fotografia encontre seu antídoto fatal na predação pelo mercado, Rennó promove a conversão escatológica da fotografia perdida do homem comum em discurso poético como o destino último do objeto cultural.

    A metalinguística de Rennó resiste a se reduzir a linguagem autorreferenciada e ilustrativa de teorias. Textos de filósofos e cientistas sociais talvez sejam mais importantes para o projeto de Rennó do que a história da arte e a teoria da fotografia. A filosofia da fotografia parece ser mais relevante para a crítica de sua obra. Consistentemente, Rennó vem revolvendo o cânon fotográfico em todas dimensões ideológicas, simbólicas e imaginárias. Depois de conhecer seu trabalho, nunca mais poderemos olhar para uma fotografia ou pensar sua civilização da mesma forma que antes. A fotografia cotidiana nunca se propôs a realizar o desígnio de Flusser de que “o fotógrafo somente pode fotografar o infotografável” (23). O esforço de Rennó há tem sido (falta uma palavra, não?) mais que extrair o infotografável. Ela traz à luz aquilo que não seria visualmente descrito pelo fotógrafo nem verbalizável pelo teórico: qual é o lugar da fotografia na vida? Para Rennó, só a fotografia explica a fotografia.



    1. Un Art moyen. Essai sur les usages sociaux de la photographie (com Luc Boltanski, Robert Castel e Jean-Claude Chamboredon. Paris, Minuit, 1965) ; Essays Nova York, Farrar, Strauss and Giroux, 1977) ; La chambre claire : Note sur la photographie (Gallimard/Seuil/Cahiers du cinéma, Paris, 1980); Towards a Philosophy of Photography (Göttingen, European Photography, 1984), respectivamente.
    2. Archive fever. Trad. Eric Prenowitz. Chicago, The University of Chicago Press, 1996.
    3. Paulo Herkenhoff. “Rennó ou a Beleza e o Dulçor do Presente” in Rosângela Rennó. S. Paulo: Edusp, 1998.
    4. Thierry de Duve. “Time exposure and snapshot: the photograph as paradox. In: James Elkins (ed.). Photography Theory. Nova York, Routledge, 2007, p. 115.
    5. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Cosac & Naify, 2002, p. 26.
    6. Alícia Duarte Penna rescreveu as notícias em forma de histórias.
    7. Flesh and Otherness, in: Ontology and Alterity in Merleau-Ponty. Galen Johnson e Michael Smith (orgs). Evanston: Northwestern University Press, 1990, p. 12.
    8. “Rosângela, Comunidade sem nome. In Rosângela Rennó: Espelho diário. Lisboa, Museu do Chiado, 2002.
    9. Maurice Merleau-Ponty. L’Oeil et l’esprit (1961). Paris: Gallimard, 1965, p. 16.
    10. Carta a Paul Demeny (15 de maio de 1871).
    11. Em Le visible et l’invisible, Merleau-Ponty discute a carne da linguagem, a carne do mundo e a carne das coisas. Paris, Gallimard, 2004, pp. 170-201.
    12. Do fio da faca ao fio da tesoura: da estética canibal às colagens de René Magritte. In: Núcleo Histórico: Antropofagia e Histórias de Canibalismos. XXIV Bienal de São Paulo. São Paulo, FBSP, 1998, pp. 264-269. 
    13. A propósito ver do autor, palestra Arte e crime na Casa do Saber, Rio de Janeiro, 2006. 
    14. Sobre a questão, ver Régis Michel. La peinture comme crime. Paris, Louvre, 2001. 
    15. Paulo Herkenhoff. “Arte e crime / quase-cinema / quase-texto/Cosmococas”. In:Hélio Oiticica e Neville d’Almeida. Cosmococa programa in progress. Rio de Janeiro, Projeto Oiticica, Fundación Eduardo Constantini, 2005, pp. 241-260. 
    16. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro, Nau Editora, 1999, p. 57. 
    17. Strangers to ourselves. Trad. Leon Roudiez. New York, Columbia University Press, 1991, p 181. 
    18. Filosofia da Caixa Preta. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2002, p. 31.
    19. Vigiar e Punir. Tradução de Ligia Vassallo. Petrópolis, Editora Vozes, 1977, p. 32. 
    20. The location of culture. Nova York, Routledge, 1997, p. 139.
    21. Vida líquida. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro, Zahar Editor, 2007, p. 7.
    22. La chambre claire: Note sur la photographie (Gallimard/Seuil/Cahiers du cinéma, Paris, 1980, p 184.
    23. Filosofia da Caixa Preta. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2002, p. 31.
    Rosângela Rennó’s place in the history of art is guaranteed by the construction of the poetic statute of photography and the epistemological depth of the photographic sign. Understanding the signifier “photography” from Rennó’s work is a meta-linguistic key to understanding contemporary art itself as it goes through the process of incorporating the photographic medium. 

    Rennó’s photographic corpus bypasses the anthropological zone of the production of the gaze, standards of taste or status, and the imaginary in the industrial and consumer society. These systems of representation are composed of snapshots, posed portraits, photo albums, newspaper photos of persons exhibiting photographs of other people, photo-journalism, obituaries, news based on photography, bunches of negatives from photo studios and photographers of identity documents, family memorabilia (such as weddings) and tourist souvenirs. Or they are consigned photographs from penal institutions or dead files. Using every day or domestic image circulation systems, Rennó articulates iconic codes for the reception and transmission of photography. She takes the anthropological field of Susan Sontag to the poetic condition and gathers meanings that On photography could not have devised. Rosângela Rennó is not a photographer. Her visual subtexts portray the very crisis of photography. 

    Rosângela Rennó resignifies the social uses of photography beyond the limits discussed by Pierre Bourdieu (Un art moyen, 1965), expands Susan Sontag’s anthropological scope (On photography, 1977), confronts the limits and power of photography in the face of intimate experience as perceived by Roland Barthes (La chambre claire, 1980) and dissents from Villem Flusser’s understanding of social-semiological economy (Towards a Philosophy of Photography, 1984) (1). These are four major texts on photography from the last decades. It is difficult to consider 

    Rennó’s work without juxtaposing it to theory. After all, her work is a process of reflection on photography. She inquires in the fields of ontology, technology, institution, language and poiesis. Those authors contribute to Rennó’s agenda, nevertheless her art raises questions that would have been unthinkable for them when they wrote their essays. 

    Since a photograph cannot be transformed philosophically, as Barthes says in La chambre claire, Rennó isolates images and found objects in order to construct a cogito of photography. Rennó’s episteme is not iconography or taste, as defined by Barthes, but concept. Her work, being neither about nor built upon philosophy. It could only be a philosophy in its own right if it emerged from the empirical reconfiguration of the discourse of the medium “photography”. The unpredictable results arise from the consistency of her concepts. Rennó does not seek support from the technical potential of the image (such as digital post-production changes), nor from notions of the sublime and strangeness. In fact, her art reiterates critical views on the social, psychological and cultural apparatus of photography. 

    Rennó’s approach avoids Jacques Derrida’s “mal d’archive” (2), a power exercise in the consigning of documents in an archive. To photograph anticipates forgetting and the crisis of memory. Rennó’s logical strategy anticipates the crisis in photography as a social production of forgetfulness (3). The work is an anti- amnesic response. Rennó’s archive fervor cannot be reduced to the death instincts (such as state of death, time absence, depression, or mourning (4)) of a memory that has been consigned as discarded photograph. Rather it represents as instincts of life, invested in the possibility of bestowing a new and transcendent meaning on the photographic image itself, removing it from the field of frozen reality. 

    Espelho diário (Daily mirror) 

    In The Prose of the World, Maurice Merleau-Ponty argues that individuals are captured by their personal name (5). Rosângela Rennó found difficulty in accepting her name. The video-installation Espelho diário is a compilation of the stories of 133 “Rosângelas” that were gathered from newspapers. The stories are narrated in delirious flow (6). Commenting on Merleau-Ponty, Claude Lefort adds that, prior to the Lacanian mirror stage, in which the child discovers his bodily unity, came the encounter with the name that determines the beginning of a new relation of alterity (7). Rosângela Rennó uses name to construct identification. Quoting from Lacan to interpret Rennó, Pedro Lapa observes that “there exists an impossibility that everything can be said, there is an excess of reality. [...] This is where the possibility of a discourse that has not been submitted to the condition of belonging to an archive of the ideology of daily life comes into play” (8). The Espelho diário is a site for the construction of knowledge. If the subject is made by his or her name, Rennó argues that the modern subject is composed of information through images and by the communications system, which is why the title Espelho diário harks back to the British newspaper Daily Mirror, created for female readers. 

    If the artist lends the body to painting, as Merleau-Ponty observes, after Valéry (9), Rennó lends her image to the video to designate a phenomenological reversibility between herself and her homonyms. Photography captures the subject. Either in Espelho diário or under the given name, there is one, and only one, Rosângela. Rennó’s visual game identified with Rimbaud who writes “Je est un autre” (10). The identities are unable to resist the flow of narratives and dissolve themselves: one is the other’s other, in a network of alterities such as O Divisor (1968) by Lygia Pape, a huge white sheet with openings into which people would insert their heads and interact. I am you – this is the searched mirroring, which apparently lies not in the physiognomy but in the name. Rennó accedes to the symbolic order using visual language, superseding the specular I/other opposition in the instance of Lacanian level of the imaginary – the photographic other. Occupying a permanently alternate position within the video discourse, Rosângela is at times the signifier and at others the signified. In the physiognomy of the narrator, the Espelho diário establishes the flesh of photography (11). 

    Apagamento (Erasing)

    The Apagamentos group together photographs of criminal investigations from Australia. Four crimes were worked on individually in image sequences with their own subtle tone. The method includes sandwich slides, cuts, juxtaposition and superposition of the images in order to take the viewer’s gaze to the corpse of the murdered victim. The photos are treated to shuffle the mental puzzle of the investigation. The cut and excision of the legal evidence in the photographic collages in Apagamentos resemble Magritte’s, as analysed by Didier Ottinger, who evokes Sadean “release” (déchaînement) (Georges Bataille) and the anthropophagic character (12). Rennó makes a parodistic inversion of the photo-collage and photo-assemblage in the manipulation of the masses in liberal and totalitarian regimes. 

    A “delinquent” Rennó committed misdeeds as part of the artistic strategy for Apagamentos: she removed images from a public archive and falsified photographic proof of crimes. She follows a criminological tradition in art defined by procedures rather than the theme or form (13). In Ornament and Crime 1908), Adolf Loos defended plain architecture, making analogies between its adornments and prisoners’ tattoos. After including actual heroin in a painting, Rudolf Scwarzkogler declares his position: “Painting as crime” (“Malerei als Verbrechen”) (14). The Cosmococas (1973) by Hélio Oiticica and Neville d’Almeida constitute evidence of an offence: the images indicated the use of cocaine (15). Apagamentos enquire about the extent of the artist’s action (beyond the legal aspects of ordinary life) and the epistemological procedure for the production of truth that could result from this conflict. 

    Rennó places concepts in opposition to any technique of falsifying photographs and hence news and legal truth. Apagamentos relates less to Derrida’s mal d’archive than to Michel Foucault’s Truth and Judicial Forms: “entering the domain of the law means killing the murderer, but killing him in accordance with certain rules” (16). Apagamentos places the viewer at the crime scene in search of the truth. The work exposes the genealogy of power in the constitution of truth. Thus, Rennó places the gaze at the center of Foucault’s issue: knowledge is constituted by actual relationships of power. 

    Corpo da alma (Body of the soul)

    Corpo da alma is a collection of newspaper photographic images of people exhibiting photos of missing persons. Photography is a battlefield against emotional forgetfulness and a means for revolt. If the image deals with the carnality of the name Espelho diário (Daily mirror) conceptually politicizes the materiality of photography. Faced with the strangeness and foreignness of Corpo da alma and Bibliotheca, it is appropriate to quote Julia Kristeva: “Uncanny, the foreignness is within us: we are our own foreigners, we are divided” (17). 

    In Corpo da alma, Rennó resorts to Gestalt laws of perception of form: the circles, cuttings of photos from newspapers, configure images. For Rennó, the reticule (the circles) is an index of printed photography. The circles are presented in vinyl or engraved on stainless steel. Each of the two versions requires specific Gestaltic approaches to the figure to begin emerging. With opaque and mirrored areas, the surface shines and blocks, the photographic image emerges and disappears. This is, etymologically, the origin of the “writing of light” which is photography. Any movement of the eye, like the sparkling dark surfaces covered in sand and silicon in Hercules Barsotti’s neo-concrete paintings, seeks the splendor of the form. The image is fleeting on the steel, as if repelled. Mirror distorts, camouflage confuses. The task here is to problematize distortions and misperceptions caused by photography in order to treat them as phenomenological challenges. In Cardiff, the vinyl version on display is grey on grey making an immediate reference to the black and white photo as a ponderable color index. For the camouflage, one draws up the hypothesis of color inference, noted by Ludwig Wittgenstein (Remarks on color, III, 271-277), for instance, when perceiving someone is blond in a black and white photo. These are the codes of the visible part of Corpo da alma: the material commitment and its modes of perception. 

    Victims of disappearance or death (through acts of war, terrorism or urban violence), the people whose portraits are shown by relatives, allude to a state of impotence. In a social diagram, Rennó exposes the viewer’s gaze to that abandonment the same way as it is placed between the fleeting reflection and the dispersive effects of the camouflage. Corpo da alma requires, then, a vigilant eye. Photographs, argues Flusser, are immovable, silent surfaces (18). Where photographic tradition immobilizes by freezing time and uses the processes of institutionalization to demobilize, Rennó “unimmobilises” meanings from photography against archival inertia and makes visible facts that lie beyond images. Could the pose and its symbolic intentionality be a kind of restriction of the body over the soul? Here the body is no longer the soul’s prison but the opposite – in the profile of Michel Foucault’s conclusions in Discipline and Punish. As with the soul for Foucault, so photography in Rennó’s work is the effect and the tool of a political anatomy (19). 

    Bibliotheca

    For years, Rennó collected albums of photos and small groups of slides acquired the world over. Certain images were re-photographed. She sealed the albums forever. Her Bibliotheca incorporated a hundred albums, in thirty-seven display cases laid out in ten groups. Wandering amongst the display cases, one cannot recognize the images’ itineraries, as there are no labels and the albums are closed. The description of the contents and the restoration of the emotional web and geographic route of the albums can be found in the adjacent archive. The result is a route traced among the colorful display cases, like maps formed by albums. The whole Bibliotheca is a world map, like islands and continents, organized under a code. Rennó ascribed a color for each continent. The background color corresponds to the place where the photograph was taken; the color of the structure to the place where the image was bought. Out of the difference between the places where the photographs were produced and acquired emerge the geographical indices of the dispersal of the image. The wandering albums themselves will express a photography diaspora and, thus, the very diaspora of peoples and individuals in contemporary experience. 

    In Bibliotheca, the appropriation of tourist, traveler or emigrant’s photos yields space to the idea of economic circulation of photography from private life. The journey and the fate of the albums, in the logic of the artist, expose the mutating character of the territorial totalizations by boundaries, the frontiers of modernity and human displacements. Bibliotheca constitutes a meeting place where differences gather together. In The location of culture, Homi Bhabha evokes that the dispersion of people “in the nation others”, brings “the gathering of exiles and émigrés on the edge of the ‘foreign’; gathering at the frontiers; [...] gathering of the past in a ritual of revival; gathering of the present” (20). The vertiginous global photographic flux finds in Bibliotheca the perfect metaphor for contemporary liquid modernity. The diaspora of photography interests Rennó as dispersion of the symbolic energy in an entropic process of asymbolia. The circulation of the albums and groups of slides in second-hand book stores and flea markets is a symptom of photography’s immersion in the flow of contemporary capitalism. Zygmunt Bauman warns that in the modern liquid society, individual realizations cannot solidify into permanent possessions because, in the wink of an eye, tangibles turn into intangibles and assets into liabilities (21). In the liquid atlas of Bibliotheca, the albums account for messages of shipwrecked memories. 

    Rennó confronts the violence against photography, wherever she is the common man’s referent. At what point do photographs of day-to-day life become disposable in an anthropoemic (22) rite of memory, whatever the motive, from penury to disuse? Removed from their private affective universe, these albums gain the condition of exchange value when taken beyond the domestic boundaries. Offered on the market, the albums – and their content – become foreign to themselves. Then, the indexical nature of the photograph takes on a relational meaning in Rennó’s political economy. 

    A última foto (The last photo)

    Any Rennó project implies an approach of a singular aspect to the question of photography in contemporary society, including culture. The artist gave a different analogical camera to forty- three photographers and asked them to take the statue of Christ the Redeemer in Rio de Janeiro. It was the last photograph for each camera which was then sealed forever. All the analogical cameras and their respective final photographs are exhibited in pairs in separate frames. Rennó’s A última foto (The last photo) is perhaps the work of art that best expresses the technological leap from analogical to digital technology. The mourning of the analogical negotiates with the poetic potential of the new photographic instrument. 

    Rennó’ oeuvre perversely directs the viewer to the economy of accumulation (archives, libraries, collections and atlases), when, in fact, her strategic aim is to problematize the methods of circulation and appropriation of the photographic object as an object of desire in contemporary capitalism. She exposes that which Barthes considered the tension of photography: its submission to the civilized code of perfect illusions and the confrontation with inaccessible reality (23). Before the venom of the photograph encounters its fatal antidote in the predation of the marketplace, Rennó promotes the eschatological conversion of the common man’s lost photograph in a poetic discourse as the final destination of the cultural object. 

    Rennó’s meta-linguistics cannot be reduced to a self-referenced language self-referenced to illustration of theories. Texts by philosophers and social scientists might be of greater importance to Rennó’s project than the history of art and the theory of photography. The philosophy of photography appears to be more relevant to the criticism of her work. Rennó has been consistently turning the photographic canon in every ideological, symbolic and imaginary dimension. Once acquainted with her work, one can never look at a photograph or contemplate our civilization in the same way as before. Every-day photography was never intended to materialize Flusser’s purpose that “the photographer can only photograph that which cannot be photographed” (24). Rennó has made the effort to do more than extract that which cannot be photographed. She makes visible that which would not be visually described by the photographer nor verbalized by the theoretician: what is photography’s place in life? For Rennó, only photography explains photography. 
    1. Un Art moyen. Essai sur les usages sociaux de la photographie (with Luc Boltanski, Robert Castel and Jean-Claude Chamboredon. Paris, Minuit, 1965); Essays New York, Farrar, Strauss and Giroux, 1977); La chambre claire: Note sur la photographie (Gallimard/Seuil/Cahiers du cinéma, Paris, 1980); Towards a Philosophy of Photography (Göttingen, European Photography, 1984), respectively. 
    2. Archive fever. Translation. Eric Prenowitz. Chicago, The University of Chicago Press, 1996. 
    3. Paulo Herkenhoff. “Rennó ou a Beleza e o Dulçor do Presente” in Rosângela Rennó. S. Paulo: Edusp, 1998.
    4. Thierry de Duve. “Time exposure and snapshot: the photograph as paradox. In: James Elkins (ed.). Photography Theory. Nova York, Routledge, 2007, p. 115.
    5. Translation by Paulo Neves. São Paulo: Cosac & Naify, 2002, p. 26. English translation by John O’Neill. The Prose of the World. Evanston: Northwestern University Press, 1973; London: Heinemann, 1974.
    6. Alícia Duarte Penna rewrote the news in the form of stories. 
    7. Flesh and Otherness, in: Ontology and Alterity in Merleau-Ponty. Galen Johnson and Michael Smith (orgs). Evanston: Northwestern University Press, 1990, p. 12.
    8. “Rosângela, Comunidade sem nome. In Rosângela Rennó: Espelho diário. Lisbon, Chiado Museum, 2002. 
    9. Maurice Merleau-Ponty. L’Oeil et l’esprit (1961). Paris: Gallimard, 1965, p. 16. 
    10. Letter to Paul Demeny (15 May 1871). 
    11. In Le visible et l’invisible, Merleau-Ponty discusses the flesh of language, the flesh of the world and the flesh of things. Paris, Gallimard, 2004, pp. 170-201. 
    12. Do fio da faca ao fio da tesoura: da estética canibal às colagens by René Magritte. In: Núcleo Histórico: Antropofagia e Histórias de Canibalismos. XXIV Bienal de São Paulo. São Paulo, FBSP, 1998, pp. 264-269.
    13. On this topic, see the author’s talk Arte e crime at the Casa do Saber, Rio de Janeiro, 2006. 
    14. On this matter, see, ver Régis Michel. La peinture comme crime. Paris, Louvre, 2001. 
    15. Paulo Herkenhoff. “Arte e crime / quase-cinema / quase-texto/Cosmococas”. In:Hélio Oiticica e Neville d’Almeida. Cosmococa programa in progress. Rio de Janeiro, Projeto Oiticica, Fundación Eduardo Constantini, 2005, pp. 241-260.
    16. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro, Nau Editora, 1999, p. 57. 
    17. Strangers to ourselves. Translation. Leon Roudiez. New York, Columbia University Press, 1991, p 181. 
    18. Filosofia da Caixa Preta. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2002, p. 45.
    19. Vigiar e Punir. Brazilian translation by de Ligia Vassallo. Petrópolis, Editora Vozes, 1977, p. 32. 
    20. Nova York, Routledge, 1997, p. 139. 
    21. Vida líquida. Translation. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro, Zahar Editor, 2007, p. 7. 
    22. In Claude Lévi-Strauss’s anthropology, anthropoemy (from the Greek émein, to vomit) is opposed to anthropophagy (eating) human flesh, to divided cultures that are close and open to symbolic interrelations with differences. In anthropoemy, the strange is expelled. 
    23. La chambre claire: Note sur la photographie (Gallimard/Seuil/Cahiers du cinéma, Paris, 1980, p 184. 
    24. Filosofia da Caixa Preta. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2002, p. 31.