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Mesmo diante da imagem mais nítida, o que não se conhece ainda


Even in the clearest of images something unknown remains




    O meio expressivo usado por Rosângela Rennó em seus trabalhos é, quase sempre, a fotografia, embora se valha, por várias vezes, de texto ou vídeo. Raramente, porém, a artista fotografa. Prefere ater-se ao vasto inventário de imagens já existentes e encontráveis em qualquer parte, investigando, de modos os mais diversos, os seus possíveis e instáveis significados na organização da vida em comum, tanto no campo do conflito como no do afeto. Há pressuposto, nesse procedimento, não apenas o fato de que fotografias são arquivadas, mas também o intento de desvelar a ética que comanda a produção e o uso dessas tantas imagens. Sem a pretensão de certeza que o discurso científico reivindica – procedendo, antes, à sua abertura ao que é incerto –, elabora uma arqueologia e uma genealogia da fotografia, situando-a como parte integrante de um sistema de saberes e valores que ancora formas de poder em sociedade, as definidas como as difusas (1). Talvez a principal estratégia utilizada para tanto seja apresentar as fotografias que coleta em lugares distintos, e que escolhe por motivos variados, de uma maneira que cause estranhamento a quem as olhe, ainda que sejam conhecidas ou banais: é quando tornadas opacas por esse deslocamento que essas imagens podem, afinal, ter seus sentidos renovados (2). Tendo se valido, no início de sua trajetória, das fotografias que mais lhe estavam disponíveis (as suas e as de seus familiares), é ao lançar-se à pesquisa do corpo extenso de imagens produzidas por outros – instituições ou indivíduos – que concede ao seu projeto, contudo, maior potência e foco. 

    É exemplar, a esse respeito, a instalação Imemorial [1994]. Ocupando uma extensão longa de parede e do piso à frente desta, fotografias escuras e enfileiradas mostram, em dimensões maiores que as naturais, rostos de homens e de algumas poucas mulheres, além de outros que pertencem claramente a crianças. Observadas com vagar, as fotografias sugerem sua procedência provável. Chamam a atenção, desde logo, a rígida posição frontal das cabeças, o vestir digno e modesto, e a sisudez dos olhares fitando a câmara que os capturou há um tempo impreciso, embora as roupas que cobrem ombros e colos revelem estar esse momento já afastado. Aspectos que, reunidos, permitem supor ser tais retratos parte da identificação formal de indivíduos para o ingresso no mundo do trabalho. Origem possível que é reforçada pelo esquemático enquadramento dos rostos: o mesmo empregado em fotografias 3 x 4 e largamente utilizado para fins burocráticos. As fotografias são, além disso, todas numeradas, como se a marcar a sua entrada em um arquivo que registra pessoas como dados. Não há, porém – fica evidente mesmo a uma inspeção ligeira do olhar –, alegria ou conforto discerníveis nesses retratos, sensação reforçada pelos tons sombrios em que as imagens são apresentadas. Em verdade, sua disposição no espaço lembra, inescapavelmente, a de lápides feitas em pedra, metáfora da perda de vidas singulares para o anonimato, tal como a regulação social do mundo contemporâneo requer. Encimando as fotografias, o nome da instalação (em letras brancas sobre parede de mesma cor) apenas sublinha o recalque de identidades que esses retratos paradoxalmente atestam. 

    Ao escolher e retirar essas imagens do arquivo funcional de uma empresa e apresentá-las em lugar e forma estranhos à sua serventia de origem, Rosângela Rennó não resgata, contudo, identidades autônomas quaisquer. O que põe a claro é justamente o deslembrar que os contratos trabalhistas reservam aos empregados, refazendo suas formas de pertencimento à vida a partir das assimétricas relações de poder em que aqueles são fundados (3). Destaca, ao mesmo tempo, o papel que a fotografia arquivada exerce nessa operação de esquecimento do que é único, contraditando sua suposta função de lembrar aquilo que já passou e de ocupar, assim, o lugar simbólico detido antes pelo monumento. Confrontados apenas com esses retratos, o observador não saberá, portanto, o nome de nenhum daqueles funcionários, qual eram ao certo seus ofícios, se aquelas crianças já morreram ou se continuam a viver em lugar ignorado. Ao observar, porém, o semblante tenso de um, a roupa apertada e definitivamente inadequada do outro, ou, ainda, o olhar assustado de um terceiro que a câmara paralisou um dia, é levado talvez a imaginar o ambiente e o momento no qual viveram suas vidas e as razões da amnésia social para onde seus desejos escaparam (4). Percepção dúbia que evoca o que diz a personagem feminina do filme Hiroshima Mon Amour [1959], do cineasta francês Alain Resnais (1922), para quem as fotografias reconstituem o passado somente “na falta de outra coisa”: algo indefinido que não há mais e que não pode, por isso, ser plenamente lembrado. E é justamente essa ambivalência da imagem fotográfica – a de ocultar o que aparenta exibir e, ao mesmo tempo, trazer obliquamente à memória aquilo que não mostra – que mais intriga e anima a artista na construção de sua obra. 

    Na série intitulada Vulgo [1998-1999], Rosângela Rennó apresenta retratos extraídos e ampliados de um outro arquivo fotográfico com o qual pôde trabalhar. São novamente cabeças humanas (dessa vez, apenas homens) que põe à mostra também como integrantes de um conjunto maior de imagens, embora em uma coisa estas difiram, de imediato, das apresentadas em Imemorial: em vez da frontalidade ostensiva dos retratos 3 x 4, são quase somente as nucas e os cocurutos dos retratados que são dados a ver agora, sob cabelos invariavelmente cortados quase rentes à pele. Em apenas uma delas se vê uma testa e parte de uma face, ainda assim voltadas para baixo, em aparente submissão a quem visualmente as anota. Essas fotografias possuem, ademais, dimensões muitas vezes maiores do que as de seus referentes, concedendo, assim, a oportunidade de um escrutínio detalhado das imagens deles mostradas, cuja ênfase, realçada em tons de vermelho sobre o branco e preto de origem, são os redemoinhos que os cabelos formam. Exame que deixa perceber, ainda, breves anotações feitas às margens dos retratos, sugerindo tratar-se de indivíduos cujas vontades são submetidas a algum tipo de controle institucional e que estão, além disso, sujeitos a procedimentos de análise, como ocorre a internos de sistemas psiquiátricos e prisionais. De modo análogo ao uso de imagens em arquivos laborais, essas fotografias certamente se prestaram, algum dia, a conferir autoridade ao poder disciplinar que funda e justifica sistemas de regulação. Poder que já se valeu de tipologias fisionômicas para atestar o que governaria o comportamento transgressor na vida em comum, como os formatos dos crânios e rostos dos que se desviam de normas socialmente acordadas. 

    O arquivo fotográfico de onde essas imagens foram subtraídas não é, portanto, um arranjo neutro de informações visuais coletadas, servindo antes – através da escolha, da acumulação e da comparação desses retratos – à afirmação de modelos menos ou mais arbitrários de explicação e manejo de uma dimensão da realidade. Embora abrigue representações de vidas singulares, simultaneamente as torna equivalentes e indistintas, meros elementos arrolados para a comprovação empírica de enunciados discursivos genéricos (5). Ao recontextualizar parte desse arquivo específico em seu trabalho, a artista uma vez mais demonstra, então, como o uso do meio fotográfico pode velar o que supostamente exibe sem escapar, porém, de informar o que nele não se enxerga de imediato. Como contraponto à geração institucional do anonimato que essas imagens atestam, aproxima delas uma projeção em vídeo – Vulgo/Texto [1998] – em que centenas de alcunhas verdadeiras se sucedem (dente de lata, zé penetra, escadinha, diabo louro, marcinho maluco, beira-mar, jacaré, mau-mau, ferrugem, mão santa...), fornecendo indícios mais claros da condição de internos do sistema prisional dos retratados e explicitando um modo usual de rejeição e resistência à perda imposta de alteridade. Essa estratégia defensiva não logra, entretanto, recuperar laços sociais partidos, posto que tais apelidos são logo também capturados em ainda outros arquivos e também eles privados de uma relação unívoca com sujeitos quaisquer, como prova, paradoxalmente, sua apresentação nesse trabalho. Antes, Vulgo e Vulgo/Texto dão testemunho, como Imemorial igualmente já dera, do lugar difuso a que frações da sociedade são destinadas, na memória coletiva, pelo poder da imagem fotografada (6). 

    No vídeo Vera Cruz [2000], Rosângela Rennó também opõe texto à imagem, desta feita na forma de um registro ficcional – baseado, todavia, no relato escrito de Pero Vaz de Caminha ao Rei de Portugal – da chegada dos portugueses à terra que viria a ser chamada Brasil e do seu encontro com os habitantes nativos do lugar. No trabalho, quase nada é dado a ver, exceto a imagem em movimento de um suposto e antigo filme riscado, manchado por fungos e em processo de decomposição avançado. Sons, apenas os do vento e do mar. Mas se de todos é subtraída a imagem e a voz – apagamento do que individualiza e confere identidade de imediato –, dos portugueses é transcrita ao menos, em forma de legendas escritas, a sua fala. Não a fala indistinta, mas aquela dita por personagens que exercem funções específicas no agrupamento do qual tomam parte (o capitão, o padre, o soldado, o escrivão...) e que reagem às situações vividas de modos particulares. Por meio desse artifício, a esses é dado o poder não só de descrever o encontro com o outro, mas também o de definir quem lhes é estranho (os índios) de forma indiferenciada. Se os textos lidos nas legendas permitem ao observador imaginar cenas que lhes façam correspondência – dessa maneira resgatando, em alguma medida, as imagens que o vídeo sonega –, também as contaminam de uma visão de mundo que enxerga o diferente como mero desvio de uma presumida normalidade (7). Valendo-se de pouco mais que do uso da palavra impressa, Vera Cruz demonstra como também o filme – mesmo, e talvez sobretudo, o filme documental, histórico, fotográfico – pode ser instrumento de afirmação de hierarquias e de anulação, portanto, do direito supostamente equânime de narrar a vida de perspectivas diversas. Reforça, ainda e por isso, a idéia de que o texto pode ser, assim como a imagem criada de alguém ou de algo, instrumento de amnésia social. 

    Se em Vulgo/Texto e em Vera Cruz é a palavra que busca, incessantemente e sem sucesso, contrapor-se ao anonimato que arquivos de imagens geram, em o Arquivo Universal [1992- ] é produzido movimento de sentido contrário, apenas para chegar-se a resultados similares. Esse trabalho é formado por um conjunto de escritos prosaicos coletados em jornais nos quais há, invariavelmente, alusões a fotografias, mesmo se com ênfases e de modos variáveis. De tais textos, feitos para serem lidos e já quase esquecidos antes do fim de um dia, a artista retira os nomes das pessoas mencionadas e os substitui somente por letras maiúsculas seguidas de um ponto (o agricultor X.Y., a decoradora D., a ex-governante M.M., o empresário A.....), além de, no mais das vezes, suprimir informações que identifiquem sua origem geográfica e temporal. Esses escritos têm, assim, ocultadas as marcas de individuação humana que traziam e reduzido o seu poder de evidência, destituindo, por isso, os seus protagonistas de identidades determinadas. O esquecimento a que já eram destinados é, desse modo, confirmado e acentuado. Reapresentados sobre as paredes em suportes diversos e com graus distintos de visibilidade (emoldurados, projetados, adesivados), os textos são, contudo, tratados como se fossem quase- imagens constituintes de um “arquivo universal” de fatos, cabendo ao observador tomá-los como ativadores do pensamento criativo – ancorado no repertório de conhecimentos que detém – e, dessa maneira, pretensamente rememorá-los. Ao realçar a sua potência imagética, porém, Rosângela Rennó submete os textos colecionados à mesma lógica de indistinção e de oblívio a que se sujeitam fotografias arquivadas. 

    Esse oferecimento de um arquivo de imagens à imaginação do outro está também presente na instalação Cerimônia do Adeus [2003], composta por quatro dezenas de fotografias posadas de recém-casados, em que os noivos, vestidos para o protocolo de confirmação do enlace, são retratados no interior de carros ou encimados em motocicletas. Menos que a captura de momentos íntimos, essas imagens testemunham cenas que só existiram um dia para serem fotografadas e terem, assim, preservadas a sua ocorrência singular. Há, talvez por isso, nessas imagens em branco e preto que compõem o trabalho, um inequívoco acento nostálgico: de cada uma delas pulsa e emana, vindo de algum instante no passado, um referente que não se confunde com outro algum, o do momento exato em que duas pessoas se deixam imobilizar juntas em celebração de um projeto de partilha de afeto. Quando vistas ampliadas e dispostas todas juntas em grade sobre a parede – modo de organização espacial que faz do que é único apenas parte de um grupo – essas fotografias terminam, entretanto, por diluir o que pôde um dia haver de distinto nas expectativas de cada casal, confirmando o papel de anulador de alteridade que os arquivos exercem (8). O tempo não sabido e sem retorno que se passou desde que essas cenas foram gravadas também se encarrega, além disso, de confrontar suas promessas de individualidade. Algumas dessas reproduções possuem regiões esmaecidas que dissolvem partes de rostos ou apresentam vincos que anunciam, para um futuro incerto, a decomposição de seus “originais”. Alterações físicas que agem, em verdade, como indicadores de que, ao ser imobilizados em imagens fotográficas, esses casais foram não apenas tornados eternos, mas, em um sentido preciso, também mortos, posto que as habitam, desde o instante em que foram nelas inscritos por um rito social, como seres vulneráveis ao que estar por vir ainda (9). Poder ambíguo que a fotografia possui e que pode ser comparado ao da máquina concebida por personagem do romance A Invenção de Morel [1940], do escritor argentino Adolfo Bioy Casares (1914-1999), a qual registra e pereniza as imagens dele e a de amigos em idílio e que, em troca, os acomete de doença que acelera o seu fim carnal (10). Essa imobilidade temporal dos retratos faz recordar, ademais – por oposição ao envelhecimento progressivo e inevitável a que foram ou estão sujeitos aqueles homens e mulheres fotografados e reunidos em Cerimônia do Adeus –, também a morte futura de quem as olha. É justamente essa relação especular e sombria com o trabalho – causada pelo enfraquecimento da relação entre as imagens apresentadas e algo que seja específico somente a elas – que convoca o observador a relembrar e projetar, nessas fotografias tornadas todas semelhantes pela artista, narrativas pessoais. 

    Os eventos diversos vividos pelo observador também um dia foram, contudo – como os passados por quase qualquer um –, muitos deles registrados em meio fotográfico, liberando os que deles participaram da necessidade de recordá-los. Em vez de lembranças, pode-se guardar, assim, somente imagens, dado que elas provam e evocam a presença em lugares distantes ou próximos e a participação em rituais de encontro ou passagem. Mas enquanto a memória se define por sua imprecisão, fluidez e mesmo sujeição ao erro, a fotografia é depositária da crença de que apenas atesta e confirma fatos; enquanto uma mimetiza a errância de acontecimentos passados em busca de recriá-los no pensamento, a outra os reduz a um relato preciso e único, tornando- se menos instrumento de recordação que – por subtração de dúvidas – agente de amnésia (11). Por se terem estabelecido como suporte onde fotografias são comumente arquivadas em narrativas arbitrárias, os álbuns são, portanto, espaços simultaneamente de registro e de esquecimento de vidas particulares, ocupando posição privilegiada na afirmação da ambivalência desse meio de fixação e reprodução de imagens. São instrumentos que, ao reunir conjuntos de fotografias, comprovam o pertencimento de alguém a um círculo familiar e a uma época mas que, ao mesmo tempo, destituem de tal pertencimento a sua conformação complexa (12). Em situações extremas, a serventia dos álbuns como depositários da memória parece ser mesmo colocada ativamente à prova, dado que muitos são postos fora ou vendidos por quase coisa alguma. 

    É uma centena desses álbuns descartados (incluindo várias caixas de diapositivos em variados formatos) que Rosângela Rennó adquiriu em feiras livres, brechós e lojas de antiguidade em cantos diversos e que dispõe na instalação Bibliotheca [2002]. Por meio do confronto visual com essa coleção de arquivos – supostos veículos de esquecimento do que é sutil e incerto –, paradoxalmente busca reconhecer, na fotografia, a função também de ativar a lembrança movente de um fato, e não somente a de admitir, pela certeza que uma imagem trai, sua inequívoca ocorrência passada. A uma primeira visada, porém – em estratégia que só realça a posição que advoga –, a apresentação do trabalho chega a frustrar o olhar, posto que sobre pequenas mesas reunidas em grupos se encontram não os álbuns coletados, mas as fotografias de suas capas impressas em brilhantes superfícies de acrílico, cada uma acompanhada de um número de ordenação, desde o 1 até o 100. Seus referentes – os próprios objetos feitos para colecionar imagens – estão imediatamente abaixo de tais coberturas, aprisionados em paredes translúcidas da mesma matéria e fora do pleno alcance da vista. Invioláveis ao tato e somente obliquamente notados pela visão nessa sorte de vitrine em que se encontram lacrados, eles parecem, de pronto, apenas ser provas de que as cópias fotográficas expostas se referem a originais que não podem ser abertos. Essas mesas-vitrines ainda expressam, em cores que cobrem os seus tampos e frisos, uma ordem construída e imposta aos itens ali colocados, de modo semelhante ao que ocorre em qualquer outra biblioteca. Cada um dos álbuns exibidos é classificado, por meio de código cromático aplicado a esses móveis, em função de uma dupla pertença territorial: o continente em que as fotografias neles contidas foram tiradas (são as cores dos tampos que o informam) e o continente onde foram encontrados (fato ensinado pelas cores dos frisos). Sobre mapas-múndi instalados em paredes próximas a cada agrupamento de quatro ou cinco dessas mesas-vitrines, alfinetes que trazem impressos em suas cabeças os números de registro dos álbuns ali dispostos e as cores que identificam o seu lugar de origem são afixados, precisando o seu correspondente lugar de destino (13).

    Ao bloquear o acesso visual às narrativas privadas potencialmente contidas em cada álbum, a artista claramente descose a relação próxima que quaisquer fotografias têm com o lugar e com o momento em que foram tiradas, fazendo-as, por esta imposta cegueira, pertencer a um espaço indistinto e a um tempo impreciso. Oculta imagens, portanto, para que, diante apenas de sua evocação indicial, possam estar disponíveis e ser reinventadas, a partir de referências diversas, nas mentes de quem não as pode enxergar. Essa vontade de resgatar um sentido mnemônico para o meio fotográfico que Rosângela Rennó expressa é asseverada, de maneiras diferentes, por dois outros elementos da Bibliotheca. Um deles é uma caixa-arquivo com fichas catalográficas para cada um dos cem álbuns, onde se podem ler descrições de suas características físicas e de seu conteúdo iconográfico (suspeito ou comprovado), além de indicações renovadas sobre a procedência geográfica das imagens que eles encerram e de sua localização quando foram encontrados. Uma vez mais, há aqui o confronto entre o texto e a fotografia como meios diversos de acercar-se de um fato. Mesmo a consulta mais cuidadosa a tais fichas não iguala, entretanto, a experiência de olhar as cenas contidas nos álbuns lacrados a que remetem. Não somente porque o que está nelas escrito é incapaz de descrever por completo mesmo as imagens mais simples, mas também porque o texto, justamente por sua incompletude descritiva, requer a imaginação do leitor para recriá-las, o que faz escorrer, para o campo dessa re-encenação pensada, a rememoração também das histórias que aquele viveu um dia. O que está contido nas fichas situa-se, portanto, simultaneamente aquém e além do poder narrativo das fotografias não vistas. 

    Existe, por fim, um livro, também nomeado de Bibliotheca. Nele não há texto algum, trazendo impressas, contudo, centenas de imagens copiadas dos álbuns antes que estes fossem enclausurados, resumo que justifica ter, esse objeto, o mesmo nome da instalação que o abriga. As fotografias não estão, todavia, identificadas no livro em função de seus referentes ou de suas origens, sendo apresentadas em ordem sujeita apenas a justaposições de ordem formal ou simbólica. E ao separar essas imagens dos suportes que amparam suas impressões originais e lhes conferem sentido social – os próprios álbuns fechados nas vitrines –, a artista as libera, uma outra vez, da função de ser testemunhas da construção de histórias singulares inscritas em um tempo histórico dado, tornando-se, por isso, somente ruínas do curso de vidas passadas. De modo análogo ao que o fazem as organizadas descrições discursivas dos álbuns encontráveis nas fichas catalográficas, a apresentação desordenada e anônima de imagens daqueles extraídas oferece, a quem manuseia casualmente o livro, a possibilidade de recuperar e projetar, sobre esse novo e vago arquivo de memórias alheias perdidas, as próprias lembranças, por vezes já quase também decompostas. Assim como em bibliotecas quaisquer que guardam livros, aqui é igualmente o visitante que, ao eleger as imagens arquivadas que animam ou refazem a sua memória – como naquelas outras escolhe volumes escritos –, faz desse conjunto de informações algo que pertence a cada um de modo diverso e que o explica (14). A Bibliotheca não é, portanto, somente uma, mas muitas. 

    A potência de conhecimento que qualquer fotografia guarda não é, então, de todo abafada em função de seu uso como instrumento de substituição da memória e, por conseguinte, como indutor de amnésia. Continuam a pulsar, na sua superfície, informações variadas prontas a serem ativadas como elementos de cognição daquilo que ela apresenta como imagem descarnada. E como a demonstrar tal persistência a contrapelo das evidências, Rosângela Rennó toma de conjuntos de fotografias feitas pela polícia em quatro cenas de crimes – produzidas, portanto, para registrar e investigar tais fatos – e desconstrói cada uma delas em muitas outras imagens. Todos esses pedaços – emoldurados individualmente como diapositivos preparados para projeção – são justapostos sobre mesas ou caixas de luz, solicitando, do observador, a recomposição mental das fotografias relacionadas a cada um dos crimes. Assim esquadrinhadas e interrompidas pelas bordas das molduras de suas muitas partes, as cenas perdem, contudo, forçosamente o seu poder de informar sobre o evento que supostamente registra, posto que não há mais nelas uma hierarquia de valores visuais, levando o olhar a vagar de um a outro fragmento sem saber ao certo onde deve repousar. Tal efeito se sobrepõe, em verdade, à destituição de alteridade dos indivíduos mortos fotografados, já em marcha desde quando suas imagens foram arquivadas como parte de processos criminais. Não por acaso, a essa série de quatro trabalhos é dado o título de Apagamento [2005]. É essa obliteração de sentidos e identidades, entretanto, que permite a observação daquilo que não seria percebido caso a integridade da fotografia fosse preservada: papéis em cima de um guarda-roupa, a imagem de uma criança em um porta-retratos, uma roupa jogada no chão, bibelôs em cima de um móvel, a sombra de uma cerca projetada no piso, uma fruta que já não serve, uma janela deixada entreaberta, uma garrafa esquecida em um canto, mesmo os cabelos da perna de uma pessoa morta. 

    Existe, nesse procedimento da artista, algo próximo ao adotado pelo personagem-fotógrafo do filme Blow-Up [1966], do cineasta italiano Michelangelo Antonioni (1912), que recorta e amplia muitas vezes uma fotografia feita ao acaso por suspeitar que nela, em um ponto distante do assunto central da imagem, reside a prova de que um crime foi cometido. Em ambos, há a certeza de que as fotografias carregam com elas também um “infra-saber”, coleção de informações parciais e somente sugeridas que são irredutíveis aos fatos nelas apresentados como inequívocos e importantes (15). Há contida, ainda, em tais estratégias, a idéia de que uma imagem fotográfica não registra apenas o momento de ocorrência de um fato principal, mas instantes diversos nos quais sub-eventos se misturam, se modificam e se confundem de modo heterogêneo (16). Embora de impossível demonstração, tal noção é implicada na sobreposição, feita por Rosângela Rennó com algumas das imagens de crimes que ela “apaga”, de fragmentos de fotografias distintas, formando um palimpsesto de cenas que aludem não só a espaços separados, mas também, a tempos diferentes que co-existem em um mesmo fato. O referente, portanto, não é fixado de pronto em uma fotografia, mas estabelecido, de formas diversas, a partir de seu escrutínio por olhares diversos. 

    É dessa imprecisão e desse poder latente da imagem fotográfica que a artista busca evidências em muitos de seus trabalhos, requisito importante para proceder à arqueologia desse meio de reprodução de tudo e entender o papel por ele exercido nas relações de sociabilidade. Ao desfocar, granular, apagar, contradizer, descentrar, traduzir, fragmentar ou deslocar imagens já existentes e inseridas nos circuitos onde signos se deslocam em velocidade, Rosângela Rennó as imobiliza e simultaneamente restitui, a quem as olha, o poder de resignificá-las a partir de uma subjetividade que é, contudo, por elas também formada. Poucas vezes essa vontade crítica foi mais claramente exposta do que na montagem de painéis que abrigam antigas fotografias depois pintadas todas na cor chumbo, dessa maneira obliterando seu poder de registrar ou rememorar o que foi já vivido. Essa Parede Cega [2000] é o espaço que talvez melhor simbolize, em sua obra, a impossibilidade de conhecer o passado através de imagens bem classificadas e definidas e que argumenta, de modo mais veemente, pela existência de “margens da visibilidade” em qualquer fotografia, além das quais nada pode ser mais nela visto (17). A querer ultrapassar tais margens, é necessário desistir da fé cega depositada na imagem fotografada, suspender seus códigos estabelecidos e entender sua inscrição comprometida no curso da vida. Requer admitir, portanto, que, mesmo diante da imagem mais nítida, se pode sempre insinuar nela, através do pensamento que a percorre e investiga, o que não se conhece ainda. 
    1. Os termos arqueologia e genealogia são aqui mencionados no sentido empregado pelo filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), em que o primeiro serve à investigação da constituição entrelaçada dos campos diversos de saberes, enquanto o segundo pretende desvelar a integração desses com relações sociais de poder. Foucault, Michel, A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro, Forense, 2000. 
    2. Rennó, Rosângela. “Depoimento”. In Rosângela Rennó. Belo Horizonte, C/Arte, 2003. 
    3. Herkenhoff, Paulo. “rennó ou a beleza e o dulçor do presente”. In Rosângela Rennó. São Paulo, Edusp, 1997. 
    4. Fazendo uso dos termos consagrados pelo escritor francês Roland Barthes (1915-1980), é possível afirmar que é o punctum das fotografias desses funcionários (aquilo que atrai o olhar e que é, contudo, de nomeação difícil) que ativa o seu studium (aquilo que as localiza no campo da história e da cultura). Barthes, Roland. A Câmara Clara. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984. 
    5. Sekula, Allan. “Reading an Archive: Photography Between Labour and Capital”. In Brian Wallis (ed.), Blasted Allegories: An Anthology of Writing by Contemporary Artists. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 1987. 
    6. Alguns outros artistas têm contestado, na contemporaneidade, a suposta neutralidade dos conhecimentos históricos que os arquivos fotográficos geram. O francês Christian Boltanski (1944), por exemplo, tem demonstrado, por meio de fontes arquivais diversas, o lugar de oblívio a que, ao longo do século XX, grupos étnicos ou sociais foram relegados. Também a norte-americana Carrie Mae Weems (1953) recontextualizou fotografias etnográficas de escravos e de seus descendentes, feitas nos Estados Unidos no século XIX, para acentuar seu papel na construção de identidades raciais discriminadas. 
    7. Vera Cruz se insere em uma linhagem de trabalhos de artistas brasileiros contemporâneos que anotam o valor nulo que o corpo social do país confere aos povos indígenas, na qual se destaca o Zero Cruzeiro [1974-1978], de Cildo Meireles (1948), que estampa, em uma de suas faces, a imagem de um índio. Na outra face dessa nota sem valor fiduciário algum, o artista exibe, em comentário eloquente sobre valores sociais vigentes no Brasil, a imagem de um interno de instituição psiquiátrica. 
    8. Essa anulação fica igualmente apontada no objeto Afinidades Eletivas [1990], em que fotografias de dois casais são articuladas de modo a parecerem estar, à visão de quem circunda o trabalho, se misturando e confundindo. 
    9. Sontag, Susan. On Photography. Londres, Penguin Books, 1979. 
    10. Casares, Adolfo Bioy. A Invenção de Morel. São Paulo, Cosac & Naify, 2006. 
    11. Almeida, Bernardo Pinto de. Imagem da Fotografia. Lisboa, Assírio & Alvim, 1995. 
    12. O progressivo arquivamento de fotografias em álbuns digitais não altera a natureza dessa inerente disfuncionalidade. Por permitir maior e mais rápido acúmulo irrefletido de imagens, torna-a somente mais ampla ainda.
    13. Segundo esse código cromático inventado, vermelho indica Europa, verde a Oceania, marrom a Ásia, laranja a África, azul-escuro a América do Norte e Central e azul-claro a América do Sul. Uma descri- ção e uma análise detalhadas desse trabalho são feitas em Melendi, Maria Angélica. “Bibliotheca ou das possíveis estratégias da memória”. In Rosângela Rennó, O arquivo universal e outros arquivos. São Paulo, Cosac & Naify, 2003. 
    14. Manguel, Alberto. A biblioteca, à noite. São Paulo, Companhia das Letras, 2006. 
    15. Barthes, Roland. Ibid.
    16. Derrida, Jacques. “The Photograph as Copy. Archive and Signature”. European Photograh, 19/20, Winter 1998/Summer 1999. 
    17. Almeida, Bernardo Pinto de. Ibid.

    ANJOS, Moacir dos. Mesmo diante da imagem mais nítida, o que não se conhece ainda. In ANJOS, Moacir dos. Crítica. Rio de Janeiro: Automática, 2010, pp. 242-255.

    The medium of expression used by Rosângela Rennó in her work is nearly always photography, although sometimes she makes use of text or video. Rarely, however, does she take photographs herself. She prefers to draw on the vast inventory of already-existing images that can be that photographs are kept in archives, but also the intention of laying bare the ethics underlying an archaeology and a genealogy of photography, situating it as an integral part of a system of indistinct (1) Her main strategy for doing this is to present photographs, which she collects from different sources and chooses for varying motives, in a way that makes them appear uncanny to the eye, even though they are familiar or banal. It is when the images are made opaque through this displacement that their meanings can be renewed (2). Early in her career, Rennó used photographs that were easily available to her (of herself and her family). It was, however, when she started to investigate the vast corpus of images produced by other institutions and individuals that her project took on greater potency and focus. 

    A clear example of this is the installation entitled Immemorial [1994]. Covering a long stretch of the wall and the floor immediately in front, dark rows of photographs display larger than life faces of men, and those of a few women and some children. As the viewer’s gaze roams over the photographs some indication is provided as to their probable origin. The eye is immediately of the look in the eyes staring into the camera lens. We do not know how long ago these images were captured, but the clothes that drape necks and shoulders suggest that it was indeed a long time ago. These features, taken as a whole, lead us to suppose that these portraits were time. This impression is reinforced by the schematic way in which the faces are framed: as in the passport-style photographs widely used for bureaucratic purposes. The photographs are also all seen at a glance that there is no joy or comfort in these portraits and this sensation is reinforced by the sombre tones in which the images are presented. In fact, their arrangement in space inevitably reminds one of tombstones, a metaphor of the loss of unique lives to anonymity, as the social regulation of the contemporary world requires. Above the photographs, the name of the installation (in white letters on the white wall) only points up the repression of identities to which these portraits paradoxically bear witness. 

    By selecting and removing these imagens from the files of a company and presenting them in a place and in a way that is very alien to their original purpose, Rosângela Rennó does not, however, succeed in recovering any of these anonymous identities. What is clear is exactly the act of “unremembering” that labor contracts subject employees to, remolding their ways of belonging to life along the lines of the asymmetrical power relations on which such contracts are founded (3). Another striking feature is the role that archive photography exercises in this operation of forgetting what is unique, contradicting its supposed purpose of remembering that which has passed and thereby coming to occupy a symbolic place once occupied by the monument. Confronted only by these portraits, the viewer does not, therefore, know the name of any of these employees, or what post they occupied, whether the children are already dead or are still alive and forgotten somewhere. However, on closer observation, the tense appearance of one, the tight and obviously unsuitable clothes of another, or the frightened look of a third, frozen in time by the camera lens, lead one perhaps to imagine the place and time in which they lived and the reason for the social amnesia into which their desires escaped (4).  It is a dubious perception that recalls the words of the female protagonist in the film Hiroshima Mon Amour [1959] by the French film-maker Alain Resnais (1922), for whom photographs reconstitute the past only “in the absence of anything else”: something undefined that is no more and cannot be, therefore, fully remembered. It is exactly this ambivalence of the photographic image—that of simultaneously obscuring what it apparently reveals, of bringing obliquely to the memory that which it does not show—that most intrigues and inspires this artist in her work. 

    In the series entitled Alias [1998-1999], Rosângela Rennó presents blown-up portrait photographs from another archive. Again they are human heads (this time only men) and are also clearly part of a larger collection of images. It is immediately apparent, however, that these photos are different from those of Immemorial: instead of the stark frontal view of the passport photos, these show only the backs of the neck and the crown of the head, with hair that is always cropped very close to the scalp. In only one image can a forehead and part of a face be seen, and even in this case, looking down, as if in submission to the observer. These photographs are also much larger, thereby providing for detailed scrutiny of their content. The originally black and white images are highlighted in red around the swirls made by the hair. The size also reveals brief notes made in the margins of the portraits, suggesting that these were individuals under some kind of institutional control and that they are being studied in some way, like psychiatric patients or prisoners. In a way that is analogous to the official company photos, these certainly once served to confer authority on some disciplinary power that founded and justified system of regulation. This power is known to have drawn on physiognomic types, such as the shape of the skull and face, which supposedly governed the behavior of those who transgressed socially-agreed norms. 

    The photographic archive from which these images are taken is, however, a neutral collection of visual information, serving—through the selection, combination, and comparison of the portraits— not the affirmation of more or less arbitrarily chosen models, but an explanation and manipulation of one dimension of reality. Although the images depict unique lives, they also make them equal and indistinct, a mere list of elements to provide empirical proof of generic discursive statements (5). By recontextualizing a part of this specific archive of her work, the artist once again demonstrates how the photographic medium can veil what it supposedly reveals, without, however, failing to provide information on what is not immediately visible. As a counterpoint to the institutional generation of anonymity to which these images attest, they are accompanied by a video – Alias/ Text [1998] – in which hundreds of real nicknames are shown (metal mouth, white devil, mad dog, bad boy, rusty...), providing clearer indication that the images are of prison inmates and making explicit one common way of rejecting and resisting the imposed loss of alterity. This defensive strategy does not, however, succeed in recovering the broken social ties; as such nicknames are soon also listed in their other files and deprived of an unequivocal relation to individual subjects, as is paradoxically evidenced by their appearance in this piece. Alias and Alias/Text bear witness, like Immemorial, to the diffuse place that some segments of society are destined in the collective memory through the power of the photographic image (6).

    In her video, Vera Cruz [2000], Rosângela Rennó also juxtaposes text and image, this time in the form pf a fictional register – based on the report written by Pero Vaz de Caminha to the King of Portugal – of the arrival of the Portuguese in the land that would come to be known as Brazil and his meeting with the local inhabitants. In this piece, there is almost nothing to be seen, advanced state of decay. There are sounds, apparently only of the wind and the sea. However, although the image and the voice of the Portuguese explorer are removed—thereby expunging that which individualizes and confers immediate identity—the latter is at least recorded in the form of written subtitles. It is not an indistinct form of speech, but that spoken by people who perform specific functions in the group they belong to (captains, priests, soldiers, scribes…) and who react to lived experience in particular ways. This artifice bestows in the words the power to describe the encounter with the other, Indians) in an undifferentiated way. If the subtitles allow the viewer to imagine the scenes that accompany them—thus in some measure recovering the images that the video suppresses—they also contaminate them with the view of a world where difference is viewed merely as a deviation from a presumed normality (7). Using little more than the printed word, Vera Cruz also demonstrates how film – even, or perhaps especially, the historical, photographic an instrument for inculcating hierarchies and thereby annulling the supposed right to narrate life from different perspectives with equanimity. This reinforces the idea that a text, just like an image created by someone or of something, may serve as an instrument of social forgetting. 

    If in Alias/Text and Vera Cruz it is the words that seek incessantly and unsuccessfully to oppose the anonymity that the archived images generate, Universal Archive [1992- ] moves in the opposite direction to produce similar results. This piece comprises a set of prosaic writings taken from newspapers, in which there is always some kind of allusion to photographs. From such texts written to be read and practically forgotten in the course of a day, the artist removes the names of the individuals mentioned and replaces them only with initials (the farmer X.Y., the decorator D., the former member of the government M.M., the businessman A....), as well as, in most cases, suppressing information that might situate them in time and place. The writings are thus deprived of any marks of human individuation, thereby reducing their power as evidence and divesting their protagonists of any clear identity. The oblivion to which they were originally destined is thus degrees of visibility (framed, projected or glued), the texts are, however, treated almost as if they were images making up a “universal archive” of facts, and it is left to the observer to use them for creative thinking—anchored in the repertoire of knowledge she or he possesses—and, in this way, supposedly re-remember them. By pointing out their power as images, however, Rosângela Rennó submits the collected texts to the same rationale of indistinctness and oblivion to which archived photographs are subjected. 

    This offering to the imagination of an archive of images is also present in the installation Farewell Ceremony [2003], made up of about forty photographs of newly-weds, in which the grooms, dressed in the customary fashion, are posed inside cars or on motorbikes. Instead of capturing intimate moments, these images bear witness to scenes that existed only to be photographed and have preserved therefore their singularity. For this reason, these black and white images are somehow imbued with an unequivocally nostalgic tone. Each one pulses with a referent, coming from an unmistakable moment in life: when two people stand together to celebrate a project of shared affection. Magnified and organized as frig on the wall - a form of spatial organization that makes what is unique only one of a kind—, these photographs end up, however, diluting what once was a distinctive in the individual expectations of each couple, thereby confirming the annulling role of otherness that archives possess (8).  The unknown and irretrievable length of time that has passed since these scenes were recorded also serves to frustrate the expectation of individuality that they provide. Some of these reproductions have faded regions that dissolve parts of the faces or open up creases, suggesting that sometime in the future the “originals” will decompose. these couples have not only become eternal, but also, in a precise sense of the word, dead; for they inhabit the images, from the very moment they were inscribed in them by a social ritual, as beings vulnerable to what is to come (9). This is the ambiguous power of photography and it can be compared to the machine dreamt up by a character in Morel’s Invention [1940], by the Argentine writer, Adolfo Bioy Casares (1914-1999), which registers and immortalizes images of Morel and death (10). This immobility of the portraits in time also reminds the viewer—by opposition to the progressive ageing process to which the men and women photographed in Farewell Ceremony are inevitably subject—of the inevitability of her or his own death. It is precisely this specular and sombre relation to the work—caused by the weakening of the relation between the images presented and something specific to them – which invites the viewer to remember and project personal narratives into these photographs which have been made to seem alike by the artist. 

    The variety of events lived through by the viewer also were, however—like those of almost anyone—, many of them registered in photographs, freeing those who participated in them of the need to remember. Instead of memories, only images can be kept, given that they prove and evoke presence in places near or far and participation in rites of encounter or passage. However, as memory is defined by imprecision, fluidity and even capacity for error, photography is the depository of the belief of one who only attests and confirms facts; while one mimics errant past events in seeking to recreate them in thought, the other reduces them to a precise and single portrait, making it less an instrument for remembering than—by subtracting doubt—an agent of forgetting (11). For being the conventional support for photographs, putting them together in an arbitrary narrative, photograph albums are spaces for registering and forgetting individual lives, reproducing images. They are instruments that bring together sets of photographs, prove that someone belongs to a family circle and to a particular age, but, at the same time, deprive them of the complexity of their belonging (12). In extreme cases, the function of albums as depositories of memory seems to be actively put to the test, as they are often thrown out or sold for next to nothing. 

    Rosângela Rennó acquired around a hundred of these discarded albums (including various boxes of slides in various formats) from open markets, junk and antiques stores and exhibit them in her installation Bibliotheca [2002] (library). By way of a visual confrontation with this collection of archives—supposed vehicles for forgetting what is subtle and uncertain—she paradoxically only admitting, through the certainty that an image brings, its unequivocal past occurrence. At frustrates the eye, as it encounters, laid out on small tables arranged in groups, not the albums themselves, but the photographs from their covers printed on brilliant acrylic surfaces, each accompanied by a number from 1 to 100. The objects referred to—the albums for collecting images—can be seen immediately under these covers, enclosed in a transparent case of the same material and partly concealed from view. Unable to touch them and only obliquely visible in the sort of display case in which they are enclosed, they seem only to serve as proof that the photographs on display relate to originals that may not be opened. These display-cases also express, in the colors with which cover them, an order that is constructed and imposed on the articles placed therein, just as in any other library. Each of the albums on display is color-coded by way of a double territorial belonging: the continent on which the photographs contained in them were actually taken (indicated by the colors on the lid) and the continent on which they were found (indicated by the colors of the friezes). Maps of the world installed on the wall nearby destination of the albums exhibited and whose heads bear their catalogue numbers and the colors identifying their place of origin (13).

    By blocking visual access to the private narratives probably contained in each album, the artist clearly unstitches the intimate relation that photographs have with the time and place they were taken, making them, through this imposition of blindness, belong to an indistinct place and an imprecise time. She therefore hides images so that only from the way they are catalogued can they be made available and reinvented, on the basis of various references in the minds of the observers who cannot actually see them. This desire to recover a mnemonic sense for photography, which marks Rosângela Rennó’s work, is expressed in different ways by two other components of Bibliotheca. One is a card-index for each of the one hundred albums, in which it is possible to read descriptions of their physical characteristics and (supposed or proven) iconographic content. The cards also reveal more information on the geographical provenance of the images the albums contain and the locality where they were discovered. Once again, there is here a clash between text and photography as different ways of approaching facts. However careful scrutiny of the cards cannot match up to the experience of actually seeing the scenes contained in the sealed albums to which they refer. Not only because what is written in them is impossible to describe completely even in the case of the simplest of images, but also because the text, precisely through its descriptive incompleteness, requires the reader to recreate the images in imagination, which spills over, into the realm of re-enactment in thought, the remembrance of stories that the viewer him or herself has lived through. The content of the index cards, therefore, simultaneously falls short of and goes beyond the narrative power of the unseen photographs. 

    Finally, there is a book, also called Bibliotheca. There is no text in it, only hundreds of copies made of images contained in the albums before they were locked away, thereby justifying the fact that this object has the same name as the installation as a whole. However, there is no indication in the book as to what the photographs refer to or as to their origins. They are displayed in an order determined only by formal or symbolic juxtapositions. Furthermore, by separating these images from their original supports—the albums enclosed in the display-cases—, the artist frees them once again from their function of bearing witness to the construction of unique stories inscribed in a given historical time, turning them, in the process, into mere ruins of the course of past lives. Analogous to the discursive descriptions of the albums organized in the card-indexes, the disorderly and anonymous presentation of the images extracted from them presents anyone and vague archive of other people’s lost memories their own remembrances, themselves often almost decomposed. Thus, as users of ordinary libraries choose books, in this installation it is the visitors who, by choosing the archived images that interest them or awaken memories, make this collection of information something that belongs to each one and explain the piece in a different way (14).  There is thus not just one Bibliotheca but many. 

    The potential knowledge that any photograph contains is not, therefore, entirely annihilated by its use as a substitute for memory, which, in turn, induces amnesia. Its surface is abuzz with information ready to be brought to life as facets of cognition of that which it represents as an Rennó takes from sets of photographs taken by the police at four crime scenes—to register the facts as a basis for investigation—and deconstructs each one into many other images. All these pieces—each one framed as a slide ready for projection – are laid alongside one another on tables or light boxes, inviting the observer to recompose mentally the photographs relating to each of the crimes. Interrupted by the edge of the frames, the scenes lose, however, their power to provide information on the event that they supposedly register. The hierarchy of visual values they contained is broken down and the eye wanders from one fragment to another without knowing for certain where it should rest. This effect, in fact, superimposes itself on the deprivation of the corpses photographed of their alterity, which was already underway from the moment the images were archived as part of the criminal investigation. It is no accident that this series of four pieces is entitled Erasing [2005]. It is the very obliteration of meanings and identities that allows one to see what would be imperceptible if the photograph were preserved as a whole: papers over a wardrobe, the piece of a child in a portrait frame, clothes scattered on the floor, knick-knacks on a piece of furniture, the shadow of a fence cast on the ground, rotten fruit, a window ajar, a bottle left in a corner, the hair on the legs of a corpse. 

    The procedure the artist uses here comes close to thar of the photographer in the film Blow- Up [1966], by the Italian director Michelangelo Antonioni (1912), who cuts and blows up a photograph taken by chance because he suspects that in a corner of the photo far removed from the main image there is proof that a crime was committed. In both cases, there is a certainty that photographs also carry an “infra-knowledge”, partial and merely suggested information that cannot be reduced to the facts they present as unequivocally important (15). Such strategies also contain the idea that a photographic image does not only register the moment of occurrence of a principal fact, but diverse instants, in which sub-events blend into each other, modify and become confused with one another in a heterogeneous way (16).  Although impossible to demonstrate, this notion becomes implicit when Rosângela Rennó superimposes on some of the “erased” crime images fragments of other photographs, thereby forming a palimpsest of scenes that allude not only to separate places but also to different times coexisting in the same fact. The referent is scrutiny of a plurality of observations. 

    It is of this very imprecision and latent power of the photographic image that the artist seeks evidence in much of her work, making it an important prerequisite for the archaeological investigation of this universally applicable means of reproduction and for understanding the role it plays in social relations. By shifting the focus, blurring, blotting, contradicting, decentering, translating, fragmenting or displacing images that already exist inserted into circuits where signs move rapidly, Rosângela Rennó simultaneously immobilizes them and reconstitutes, in the eye of the viewer, the power to resignify them on the basis of a subjectivity that is in part constituted by these very images. Few times this critical desire was most clearly stated than in the panels containing old photographs which were painted over in lead paint to obliterate their power to register or recall something that was lived. Of all the artist’s work, this Blind Wall [2000] perhaps best symbolizes the impossibility of finding out about the past by way of carefully catalogued and well-defined images, and makes a powerful case for the existence of “margins of visibility” in any photograph, beyond which nothing more can be seen in it (17). Desiring to step beyond these margins entails relinquishing blind faith in the photographic image, suspending belief in its established codes and understanding the way it is ambiguously inscribed in the course of life. It entails admitting, even in the face of the clearest of images, that the not yet known may, by way of scrutiny and investigation, insinuate into it. 
    1. The terms archaeology and genealogy are used here in the sense given them by the Michel Foucault (1926-1984), the former referring to the investigation of the interweaving constitution of diverse fields of knowledge, the latter to the unveiling of the link between these and power relations in society. Foucault, Michel, A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro, Forense, 2000. 
    2. Rennó, Rosângela. “Depoimento”. In Rosângela Rennó. Belo Horizonte, C/Arte, 2003. 
    3. Herkenhoff, Paulo. “Rennó ou a beleza e o dulçor do presente”. In Rosângela Rennó. São Paulo, Edusp, 1997. 
    4. Using terms introduced by the French writer, Roland Barthes (1915-1980), it can be affirmed that it is the punctum name) that activates their studium (that which situates them in history and culture). Barthes, Roland. A Câmara Clara. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984. 
    5. Sekula, Allan. “Reading an Archive: Photography Between Labor and Capital”. In Brian Wallis (ed.), Blasted Allegories: An Anthology of Writing by Contemporary Artists. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 1987. 
    6. Some other contemporary artists have contested the supposed neutrality of the historical knowledge generated by photographic archives. The French artist, Christian Boltanski (1944), for example, has drawn on a variety of archives to show the oblivion to which some ethnic or social groups have been consigned in the course of the 20th century. The US artist, Carrie Mae Weems (1953), has also recontextualized ethnographic photographs of slaves and their descendants taken in the USA in the 19th century, to highlight their role in constructing racially discriminated identities. 
    7. Vera Cruz is one of a number of works by contemporary Brazilian artists which draw attention to the worthlessness the social fabric of the country confers on indigenous peoples. Another such work is Zero Cruzeiro [1974-1978], by Cildo Meireles (1948), which has the image of an indigenous Brazilian stamped on one of its sides. On the other side of this “not legal tender” bill, in an eloquent commentary on current social values in Brazil, there is an image of inmate of a psychiatric institution. 
    8. This annulment is also pointed to in [1990], in which photographs of two couples are put together in such a way that they become mixed or confused in the eye of the viewer. 
    9. Sontag, Susan. On Photography. London, Penguin Books, 1979. 
    10. Casares, Adolfo Bioy. A Invenção de Morel. São Paulo, Cosac & Naify, 2006.
    11. Almeida, Bernardo Pinto de. Imagem da Fotografia. Lisboa, Assírio & Alvim, 1995. 
    12. The current trend towards digital photo albums does not alter this inherent dysfunctionality. By allowing for a greater and more rapid unreflecting accumulation of images, the make it even more extensive. 
    13. According to the color-coding, red represents Europe, green Oceania, brown Asia, orange Africa, dark blue North and Central America, and light-blue South America. A detailed description and analysis of this work can be found in Melendi, Maria Angélica. “Bibliotheca ou das possíveis estratégias da memória”. In Rosângela Rennó, O arquivo universal e outros arquivos. São Paulo, Cosac & Naify, 2003. 
    14. Manguel, Alberto. A biblioteca, à noite. São Paulo, Companhia das Letras, 2006. 
    15. Barthes, Roland. Ibid.
    16. Derrida, Jacques. “The Photograph as Copy. Archive and Signature”. European Photograph, 19/20, Winter 1998/Summer 1999. 
    17. Almeida, Bernardo Pinto de. Ibid.




    ANJOS, Moacir dos. Even in the clearest of images something unknown remains. In ANJOS, Moacir dos. Crítica. Rio de Janeiro: Automática, 2010, pp. 242-255