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método básico de assovio Gomero-Tupi, 2014-2016 

Basic Method of Gomero-Tupi Whistling, 2014-2016
video monocanal (1920 x 1080, cor/som, 50’) e adesivo vinílico
assovio gomero captado em Las Palmas, Gran Canário: Oliver Escuela Hernandez
captura de som e assistência geral: Auguste Trichet
edição de video e áudio: Isabel Escobar
revisão e locução em Tupi antigo: Eduardo de Almeida Navarro

single-channel video (1920 x 1080, colour/sound. 50’) and vinyl adhesive
Gomero whistling recorded in Las Palmas, Gran Canaria: Oliver Escuela Hernandez
sound recording and general assistance: Auguste Trichet
video and audio editing: Isabel Escobar
proofreading and colonial Tupi narration: Eduardo de Almeida Navarro


Muito pouco se sabe sobre as etnias que outrora viveram nas sete ilhas Canárias, sobretudo suas respectivas culturas e línguas, antes da sua posse pelos espanhóis no século 14. Restou pouco mais do que uma coleção de nomes próprios de guerreiros escravizados, alguns relatos sobre feitos heroicos e sobre linhagens de nobreza, e alguns milhares de crânios guanches expostos nas vitrines do antigo museu de antropologia que, hoje, mais do que nunca, serve para demonstrar a mão pesada do conquistador. Entretanto, o mais improvável aconteceu, superando todas as adversidades; uma única língua, cuja transmissão é estritamente oral, não só resistiu ao invasor mas também se adaptou a ele: o silbo gomero – linguagem assobiada, hoje empregada apenas pelos habitantes de La Gomera e considerada patrimônio oral e imaterial da humanidade.

Um homem nascido na ilha de Tenerife, obviamente de origem espanhola, cruzou o oceano com os jesuítas portugueses para tornar-se sábio e santo no Brasil: José de Anchieta. Ao contrário de seus compatriotas, o santo aprendeu a respeitar os aborígenes e, aplicando os fundamentos da enculturação, terminou por escrever a Arte de gramática da lingoa mais usada na costa do Brasil. Sua intenção sempre foi a de catequizar os tupis, mas terminou por fazer muito mais, já que os defendeu dos abusos dos colonizadores portugueses. Durante os meses em que foi mantido refém entre os tamoios, o santo concebeu o Poema à Virgem mas não pode transcrevê-lo imediatamente por falta de meios. Podia então ser visto na praia escrevendo e reescrevendo na areia os mais de 5.000 versos do poema. Consta, também, que teria levitado entre os índios que, apavorados, pensaram que o santo era um feiticeiro. Teria sido um transe? O tupi antigo foi salvo por ações singulares de indivíduos como Anchieta e sua derivação nheengatu – língua boa – ainda hoje falada como uma espécie de língua geral amazônica. E se naquele transe o santo tivesse ouvido o silbo gomero de sua terra natal e tratasse de ensiná-lo aos tupis?


Rosângela Rennó, 2016
Very little is known of the indigenous who once lived on the seven Canary Islands, before the Spanish took control of them in the 14th century. Little remained aside from a collection of names of enslaved warriors, a few reports of heroic feats and noble lineages, and a few thousand skulls exhibited in the display cases of the old anthropology museum, which today, more than ever, serves to demonstrate the conqueror’s brutality. Still, the improbable did occur, overcoming all adversity; a single language, whose transmission is strictly oral, not only successfully resisted the invader but also adapted to him: the silbo gomero —the whistled language, today used only by the inhabitants of La Gomera and considered an oral and intangible cultural heritage.

A man born on the island of Tenerife, clearly of Spanish origin, crossed the ocean along with Portuguese Jesuits to become a wise saint in Brazil: José de Anchieta. Unlike his compatriots, the future saint learned to respect the indigenous peoples and, by applying the fundamentals of inculturation, later authored Arte da Gramática da Língua Mais Falada na Costa do Brasil. [“Grammar Art of the Most Spoken Language on the Coast of Brazil”]. His intention was always to catechize the Tupi, but he ended up accomplishing much more since he defended them against the abuses of Portuguese colonists. During the months in which he was held captive by the Tamoios, he conceived of the Poema à Virgem [“Poem to the Virgin”] but was unable to immediately transcribe it, as he had no pen and paper. He was seen on the beach writing and rewriting the poem's 5000 verses in the sand. It was also said that he levitated in the presence of the Indians who, terrified, thought him to be some kind of sorcerer. Could this have been a trance? And what if, in that trance, the future saint heard the silbo gomero of his homeland and endeavored to teach it to the Tupi?


Rosângela Rennó, 2016