1551-2020, 2023


impressões digitais em papel de arroz Hahnemühle 110g com intervenções de carimbo e capa de vinil texturizado
21 x 18 cm (fechado) | 140 pp. + uma folha anexa

pesquisa e edição de imagens por Rosângela Rennó
fotos de Rosângela Rennó e Julia Rennó
projeto gráfico de Daniela Seixas e Beni Conrad
encadernação japonesa por Alessandra Lagun

editado pela artista
edição única
português
digital prints on Hahnemühle rice paper 110g with stamp interventions and textured vinyl cover
21 x 18 cm (closed) | 140 pp. + one enclosed sheet

research and image editing by Rosângela Rennó
photos by Rosângela Rennó and Julia Rennó
graphic design by Daniela Seixas and Beni Conrad
japanese binding by Alessandra Lagun

edited by the artist
unique edition
Portuguese
©  estúdio Rosângela Rennó
©  estúdio Rosângela Rennó
©  estúdio Rosângela Rennó
©  estúdio Rosângela Rennó
©  estúdio Rosângela Rennó
©  estúdio Rosângela Rennó
©  estúdio Rosângela Rennó

Em meados do século 20, um manuscrito foi encontrado dentro de uma das Décadas da Asia, sobre algo maravilhoso que se descobriu entre 1550 e 1551 e ficou esquecido. A descrição era do que o fray António da Madalena viu, com seus próprios olhos, ao caminhar pela mata fechada, junto ao Rei Sâtha, à caça de elefantes. Ao se tornar o primeiro europeu a conhecer os templos de Angkor, o frade português talvez nem compreendesse a magnitude de tudo que estava ali, feito por vinte reis, ao longo de 700 anos, nem mesmo porque foi abandonado. Menos ainda poderia supor o que aconteceria àquele reino cerca de 400 anos depois... Que entre os séculos 19 e 20 se tornaria parte da Indochina Francesa e que poucas décadas depois de finalmente tornar-se independente, todo o território seria devastado por vinte anos de guerras sangrentas, quando se perpetrou um dos maiores genocídios de todos os tempos. 

Os chineses, sempre muito atentos às boas oportunidades, já faziam comércio por lá pelo menos mil anos antes da chegada do frade português e foi com ideogramas que escreveram boa parte da história daquele reino próspero e construtor. Sabemos que da Índia vieram a iconografia, arte, a arquitetura, além do Hinduísmo e do Budismo, que ensinaram aquele povo a suportar os ciclos de destruição e reconstrução, ao longo de muitos séculos. 

Durante os anos 1990 era comum ver centenas de vítimas das minas terrestres, principalmente crianças, dentro e fora dos templos de Angkor, mendigando alguns trocados dos turistas ocidentais que finalmente redescobriam as maravilhas arquitetônicas do antigo reino. Hoje, aqueles indivíduos não estão mais lá, exceto um ou outro, adulto, com uma boa prótese num braço ou numa perna, promovido a guia turístico, para sutilmente nos relembrar um passado cruel e muito recente. Hoje, ao circular pelos templos, é necessário abstrair-se, física e mentalmente, das hordas de turistas ávidos pelas melhores selfies, para fixar o olhar sobre algo que parece estar eternamente entre o reconstruir e o desabar.

No final da primeira década do século 21, uma outra grande calamidade se abateu sobre boa parte do Camboja, em particular sobre a costa, incluindo a cidade que carrega o nome de seu penúltimo rei, Sihanouk, o ‘pai da pátria’. A voracidade com que os chineses invadiram aquelas belas praias para transformá-las em seu recanto de lazer é algo que salta aos olhos. Um grande poeta e compositor brasileiro me inspirou e pensei: Ai, essa terra ainda vai cumprir sua sina. Ainda vai tornar-se uma pequena China. Ao conhecer os belos templos de Angkor e o balneário de Sihanoukville, não sei o que responder aos meus olhos, se o melhor já se foi ou ainda está por vir.


Rosângela Rennó, 2023